António Godinho. “O que se passa na associação mutualista em termos de salários é pornográfico”

António Godinho. “O que se passa na associação mutualista em termos de salários é pornográfico”


Para o candidato da lista C, é imperativo não só reduzir os salários, mas também voltar a dar credibilidade e confiança à associação


Nas últimas eleições já tinha concorrido e agora volta a candidatar-se…

Sempre gostei muito do Montepio. O meu primeiro e o único emprego por conta de outrem foi no Montepio, entre o início de 1996 e finais de 1998. Fui indicado para ser promovido, mas saí imediatamente. Não fazia sentido estarem a investir em mim e sair mais tarde. Já naquela altura tinha a ideia de criar o meu emprego e, apesar de não ter nada preparado, já tinha esquematizado na minha cabeça algumas ideias. Acabei por avançar com os meus projetos empresariais, mas nunca larguei a paixão pelo Montepio. Além de ter sido o meu primeiro emprego, gostei muito dos valores e da equipa, que não tinha aquele espírito agressivo da banca comercial. Acabei por levar o Montepio atrás de mim e fui sempre acompanhando a sua situação. Há quatro ou cinco anos comecei a estar mais próximo dos assuntos e em 2015 cheguei a ir a um debate com Tomás Correia, como consultor financeiro, para explicar o que eram os produtos mutualistas, numa das alturas mais conturbadas da instituição. Nessa altura, muitas pessoas começaram a metralhar-me com uma série de informações e comecei a ficar não só mais próximo, mas também mais preocupado. Foi aí que escrevi um livro com um colega, “Renovar Montepio”, que deu depois lugar ao slogan da candidatura.

Também foi nessa altura que começaram a surgir algumas vozes contra a liderança de Tomás Correia…

Exatamente, e coincidiu com a separação da caixa económica da associação mutualista, e essa separação foi o maior alerta que poderia ter sido dado pelo Banco de Portugal ao dizer que Tomás Correia não podia estar à frente das duas entidades, principalmente no banco, porque o regulador não daria a idoneidade, pois não estava confortável com a ideia de Tomás Correia liderar a instituição financeira. Daí ter ido para a Associação Mutualista. Foi a partir daí que se começou a abrir mais o livro sobre o que eram as contas, os reflexos na gestão das más decisões e o espírito de pouca transparência e opacidade em aquela instituição foi gerida nos últimos anos.

Foi nessa altura que surgiu a ideia de se candidatar nas últimas eleições?

Sim, candidatei-me pela primeira vez quando alguns associados me falaram nisso e consideraram que seria a pessoa mais indicada. Assim o fiz. Foi um processo eleitoral conturbado. A forma como as eleições são feitas no Montepio é algo muito pouco democrático e arcaico. Estamos a falar de uma eleição em que não existem cadernos eleitorais, em que não conhecemos a base de dados e, dessa forma, é difícil comunicar. Quem lá está e tem uma lista institucional, como é o caso da lista A, tem acesso a todas as informações.

É então mais difícil chegar aos mutualistas?

É muito difícil. O programa vai via correio, juntamente com todos os programas, e há ainda a possibilidade de enviar um ou dois emails para a base de dados, para depois a associação enviar. A partir daí, não há mais nada. Isso é tudo muito limitativo em termos de campanha.

É por isso que a adesão é baixa?

Há um grande desinteresse e grande parte dessa responsabilidade é da associação mutualista, porque não envolve os associados na vida associativa. Além disso, no próprio ato eleitoral, quem quiser votar presencialmente só pode fazê-lo em Lisboa porque só aí há uma urna no dia 7 de dezembro. O resto do país tem de votar por correspondência porque não tem outra hipótese. Também as assembleias-gerais são sempre em Lisboa, não há uma descentralização. O novo código mutualista já vai obrigar, nomeadamente nas assembleias-gerais, à existência de representações em todo o país.

O que vai contra os objetivos deste tipo de associações…

Sim, supostamente vai contra a sua própria natureza. Hoje em dia, os mutualistas só se lembram da associação por causa dos cupões e dos descontos, parece quase o cartão do Continente. Quando ser associado é muito mais do que isso e isso é visível se olharmos para a sua história: devia ser visto como um complemento à proteção da família e um conjunto de serviços onde o Estado não chega, que são os famosos complementos de reforma, a iniciativa à poupança, sistema de saúde, cuidados continuados. Ou seja, há muita coisa que complementa o serviço do Estado e que, nos últimos dez anos, sob a liderança de Tomás Correia, não existe. Existe apenas uma tentativa de fazer lucros, muito virada para a área financeira, onde há uma aposta na área bancária pura e dura.

Mas a ideia de que os produtos mutualistas são inseguros não terá afastado os clientes?

Afastou, mas isso deveu-se mais à consequência do que à causa. Como não existiu uma gestão prudencial, as vantagens diminuíram e, depois, todo o clima de desconfiança e opacidade em relação à forma como era gerida a associação não ajudou. A questão do Fundo de Garantia de Depósitos, obviamente, é importante, mas nunca se colocou antes de 2014 ou 2015. Até aí, nunca tinha havido desconfiança em relação aos produtos mutualistas. Aliás, quando trabalhei lá, nem nos passava pela cabeça essa desconfiança.

E nessa altura não existia a separação entre produtos mutualistas e produtos do banco…

O produto mutualista era sempre o mais vantajoso e nem sequer era por causa da taxa, era por causa do formato e do objetivo. A gestão de Tomás Correia – e isso foi um erro crasso – é que transformou os produtos mutualistas em produtos de captação de capital, quando anteriormente eram produtos direcionados para funcionarem como um complemento de reforma ou de despesas periódicas. Tinham como objetivo uma poupança a médio e a longo prazo, não eram vistos numa ótica de “quanto é que isto dá” porque os produtos mutualistas não podem ser encarados assim, não são produtos verdadeiramente bancários.

E, por serem produtos de médio e longo prazo, a instabilidade afastou os investidores?

Estamos a falar de produtos, e eu tenho produtos desses, em que se põe um pequeno montante por mês: 7, 10 ou 15 euros mensais. É uma poupança quase forçada direcionada para uma perspetiva futura. Mas, nos últimos dez anos, o objetivo principal da associação foi a captação de capital porque precisa de dinheiro para pôr no banco e na seguradora, que dão prejuízo, pondo de lado os interesses do associado. No fundo, os produtos mutualistas concorrem com os produtos bancários, e não era esse o objetivo.

Mas não beneficiam do Fundo de Garantia de Depósitos…

Os certificados de aforro também não, e qual é a garantia? É a do Estado. O dinheiro na associação mutualista não está em risco, mas está sob uma gestão perigosa. O nosso dinheiro está muito centrado na caixa económica e na seguradora, que vão precisando de capital. Não sei exatamente o rácio mas, provavelmente, 70% daquilo que lá colocamos estará no banco. Ou seja, não colocamos o dinheiro para eles gerirem da melhor forma possível, como era há dez anos, mas para gerirem como querem. Isto é como na nossa vida privada: tenho 10 mil euros e vou colocar esse dinheiro todo nos certificados de aforro? A regra de investimento dita que não se deve colocar todos os ovos no mesmo cesto. E a associação mutualista deixou de fazer essa gestão, está presa à caixa económica e a uma série de operações, como o Finibanco, que se vai pagando, agravada por questões de falta de credibilidade. A questão financeira da associação não é boa nem saudável e vai sendo maquilhada com truques estatutários. As contas do ano passado beneficiaram de créditos fiscais, o que permitiu alavancar os lucros.
É uma operação legal, não é isso que está em causa, mas não reflete a realidade das contas.

Tem sido um dos principais críticos de Tomás Correia e da falta de transparência. O que traz de novo a sua lista?

Há um elemento-chave e que, aliás, é o lema da nossa campanha, que é recuperar a confiança. Queremos uma gestão aberta, democrática, baseada nos princípios da ética e da integridade. A situação não é fácil e, por isso, queremos fazer uma auditoria a tudo, envolver os trabalhadores e associados num plano de reestruturação com o objetivo de voltar às origens. É claro que hoje há uma nova realidade tanto económica como social, mas o grande problema do Montepio é a crise de confiança e esta não é possível recuperar com truques nem com maquilhagem de gestão e de números. O que temos de fazer é implementar um conjunto de medidas com vista a encarar os problemas e resolvê-los. Por exemplo, na caixa económica é preciso encontrar um parceiro social forte que pode nem estar em Portugal.

Não terá de ser necessariamente a Santa Casa?

Todo este processo foi uma verdadeira trapalhada, todos estiveram mal na fotografia. Mas não tem de ser necessariamente a Santa Casa e não tem de ser necessariamente um parceiro social em Portugal. Pode ser um parceiro que esteja, por exemplo, na Europa. Este modelo não é só português. Há em vários países da Europa parceiros que podem ajudar a caixa económica, que podem ajudar a transformar e a viabilizar o negócio. Não estou contra a ideia de transformar o Montepio num banco de economia social, mas esse banco faz-se de lucros, e não de prejuízos. Um banco de economia social até pode ser mais rentável do que um banco tradicional que mais parece um pronto-a-vestir. Além de ser necessário recapitalizar a caixa económica, também o negócio segurador precisa de um parceiro, mas para isso é preciso credibilidade. É preciso um interlocutor válido, e Tomás Correia e também esta administração, de que Ribeiro Mendes também faz parte – está lá há seis anos, três no conselho fiscal e outros três na administração –, não podem ter lugar. É preciso uma renovação e ter pessoas novas.

Tomás Correia disse várias vezes que não via pessoas competentes nas listas de oposição. Como vê essa crítica?

Não pode ser juiz de uma causa própria. Se ele se candidata, não pode dizer que os outros são incapazes. O que acho é que ele não é o ator de mudança, está lá há demasiado tempo. Devia ter feito uma introspeção e passar aquela pasta, assumindo o que fez bem e o que fez mal. O problema é que só assume o que faz bem. Nunca ouvi Tomás Correia a dizer que algo correu menos bem, ele transforma o que correu menos bem em algo que correu bem. É alguém que nunca assumiu que cometeu um erro na vida e os resultados da sua gestão estão expostos.

Os casos que se tornaram públicos em torno de várias investigações fragilizaram essa gestão?

Claro que sim. Há dois anos, numa assembleia-geral, pedi a sua demissão para que não se associasse o nome do Montepio a estas investigações. As instituições vivem da credibilidade e esta está dependente dos seus dirigentes. O Montepio tem sofrido muito com a sua gestão que, a meu ver, é claramente negativa, assim como tem sofrido com a falta de credibilidade e idoneidade dos seus órgãos de gestão. Claro que as investigações têm de decorrer e é preciso concluir esses processos, mas o facto de existirem tantas suspeições não abona para o bem da instituição. Se ele diz que quer preservar a instituição, então porque não deixa outros gerirem? Abria-se um novo ciclo. Além disso, não deve ser Tomás Correia a liderar o processo de transição para o novo código mutualista porque muito daquilo que tem de ser feito vai contra as suas práticas.

Mas ele disse que avançou porque considerou que não havia ninguém com essa capacidade…

Ele não é o regulador e, se calhar, não terá idoneidade para liderar com o novo código das associações mutualistas.
A partir do próximo ano tem de existir idoneidade prévia para todos os membros dos órgãos sociais e duvido que Tomás Correia tenha essa idoneidade.
E, além de o seu projeto ter falhado porque o Montepio não é mais forte do que era há dez anos – até pelo contrário, é mais fraco –, e do ponto de vista financeiro é menos sólido, também do ponto de vista do número de associados não cresceu muito. Passou de 400 mil associados em 2007 para os tais 600 mil associados, cresceu pouco em 11 anos.

Fala agora em atingir um milhão…

Ele já diz isso há seis anos. Isto mostra que não cumpre os objetivos nem quantitativos nem qualitativos. É uma ilusão, é um embuste, porque lança objetivos que nunca cumpre. É impressionante, e não há consequências. Qualquer administrador de uma empresa que não cumpre os objetivos tem de sair. E a mensagem que Tomás Correia passa é que está a dar tudo o que tem e que, se não fosse ele, o Montepio já teria desaparecido.

Mas como vê o apoio de tantas figuras públicas?

O número de associados ronda os 600 mil e só votam 50 mil ou 80 mil, consoante os anos. Não há uma verdadeira participação associativa. Estas figuras, algumas com algum peso, não estão a avaliar bem a situação. E já vimos, num passado recente, pessoas com grandes apoios à volta e não foi por isso que não tiveram os problemas que tiveram. Espanta-me muito o apoio que Tomás Correia diz que ainda tem. Essas pessoas estão enganadas e, mais tarde ou mais cedo, vão perceber que estão a dar um apoio que não deviam.

Sente que há agora um maior apoio na tal capacidade de renovação face às últimas eleições?

Claramente, até o próprio Tomás Correia sente essa necessidade de renovação. Até disse que o ideal era que aparecesse alguém da geração posterior, com 50 e tal anos. No entanto, disse que procurou muito e não encontrou nem dentro nem fora do Montepio e, por isso, viu–se obrigado a candidatar-se e a fazer mais este esforço. Ou seja, ele próprio já chegou a essa conclusão e a maioria dos associados que votam e que acompanham a vida associativa também sentem isso. Até os próprios trabalhadores pensam assim e querem uma mudança na gestão. E esse sentimento é mais visível agora do que em 2015.

Defende uma redução do fosso salarial…

O que se passa em termos de salários é pornográfico. O valor-base do presidente é 30 mil euros mensais ou próximo disso; os restantes elementos da administração ganham cerca de 24 mil euros por mês. O que defendemos é que, além de uma redução dos salários, haja um equilíbrio entre ordenados. Não faz sentido ter estes ordenados na administração e depois ter alguém que esteja a trabalhar numa residência assistida a ganhar o ordenado mínimo.

Quanto terá de ser essa redução?

Terá de ser uma redução significativa. Não poderá ser só 10 ou 20%, terá de ser bem mais do que isso. Por isso é que está no nosso programa a criação de uma comissão, que será liderada por Bagão Félix, para proceder a uma revisão dos salários. A nossa ideia é que possa haver não só um índice salarial, mas também um índice de felicidade. Já não me lembro bem quanto é que ganhava no Montepio, mas era muito pouco. Estava no escalão mais baixo, mas sentia-me feliz a trabalhar naquela instituição. Não podemos trabalhar só por uma questão de dinheiro, temos de nos sentir bem na instituição, na cultura, no espírito, e isso foi-se perdendo no Montepio. Quando trabalhava lá havia um espírito de equipa que deixou de existir.

Falou-se na necessidade de existir apenas uma única lista para combater a de Tomás Correia. Ainda houve algumas negociações. Porque não foi possível chegar a acordo?

Existiram negociações. Estivemos desde o início do ano em conversações com Ribeiro Mendes, mas ele seguiu por outro caminho. Mas isso não impediu que as listas de oposição se juntassem. Além de considerar esta lista como a única de oposição, porque Ribeiro Mendes faz parte da atual administração e não deixa de receber o seu salário e de fazer a sua campanha.

Os elementos da sua lista são muito dispersos. A ideia foi essa?

Sim, até há quem lhe chame albergue espanhol. Os elementos da lista são todos associados, bem-intencionados, e não precisam do Montepio para viver. E por ter elementos tão dispersos também tem várias tendências, sempre com a ideia de mudança.

E é fácil gerir tantas diferenças?

É fácil quando existem os mesmos objetivos, que é devolver ao Montepio aos princípios de integridade, ética e honestidade. Todos os elementos desta lista têm essa preocupação. E quando existe essa base é mais fácil chegar a um consenso.

Mas o seu nome tem estado sempre associado a Braga Gonçalves…

Braga Gonçalves não é associado, nunca participou nem creio que vá participar numas eleições. Não é por ser amigo ou por ir almoçar ou jantar com ele que isso transforma esta lista numa lista de Braga Gonçalves.

Mas há muitas vezes essa associação…

O que faz sentido é atacarem as ideias, o projeto, não é atacar se temos um amigo ou se almoço ou janto com uma pessoa que teve problemas no passado, que esteve preso, mas que cumpriu a pena e saiu. Não vou renegar uma amizade para não me associarem a Braga Gonçalves. Prefiro estar ligado a Braga de Gonçalves do que a outras pessoas que se dizem muito apoiadas na nossa sociedade. Não está na lista, não é associado nem vai prestar serviços direta ou indiretamente. Prefiro que me digam que sou incapaz ou que as propostas que apresento não fazem sentido do que dizerem que esta é uma lista de Braga Gonçalves. Considero que isso é uma estratégia de defesa de quem está do outro lado, mas que começa a não fazer qualquer sentido.

Ribeiro Mendes já pediu que o ato eleitoral seja vigiado. Concorda com a ideia?

É estranho sugerir quando ele é administrador daquela casa. Ele tem essa responsabilidade, devia enviar uma carta a ele próprio. É isso que me assusta neste tipo de abordagens: ele foi eleito por este sistema eleitoral e agora vem criticar. Ele devia ter-se preocupado com isso há três anos. Eu preocupei-me e levei os resultados a tribunal.

Mas não venceu em tribunal. Ficou desiludido?

O caso ter ido a julgamento já foi um passo extraordinário. Não se compreende como é que hoje em dia não existe o voto eletrónico. Além disso, há um problema com o voto por correio: quem valida as assinaturas é a estrutura da lista A. Isso é inacreditável, contratam a PwC mas para fiscalizar do ponto de vista teórico.

Nas últimas eleições denunciou uma situação de votos duplicados…

Fiz queixa porque na contagem de votos apareceram 300 exatamente com a mesma assinatura. Isso não acontece com o voto por correspondência, existem uns kits de substituição que vão para os balcões da caixa económica e as pessoas que se esquecem ou que perderam a carta vão ao banco e alguns funcionários que estão instrumentalizados sugerem aos associados onde devem votar. Esses kits de substituição são pouco democráticos e pouco transparentes.

E vão ser usados este ano?

Vai ser tudo igual.

Por último, concorda com a mudança do nome do banco?

Até acho que a palavra banco dá mais atualidade à nova realidade. Não tenho nenhuma objeção. Mas tudo isto foi necessário para separar o banco da associação mutualista e essa separação foi consequência de uma má gestão. E quando há a preocupação de uma parte contaminar outra é porque algo está mal.

E como vê a escolha de Carlos Tavares?

É uma escolha sensata em função do peso institucional e da credibilidade que tem. Espero que cumpra o mandato.