O Armistício, a paz e o futuro


Dias antes da celebração do armistício que pôs fim à I Guerra Mundial, Macron defendeu a criação de um exército europeu para nos defendermos da China, da Rússia e até dos Estados Unidos


Paris celebrou nestes dias o 100.o aniversário do armistício que pôs termo à i Guerra Mundial. Não obstante algum show-off que ao longo da História sempre vem caracterizando a própria França, estando presentes os principais chefes de Estado dos países envolvidos no conflito, compreende-se e saúda-se com agrado a iniciativa de Emmanuel Macron.

Contudo, e naturalmente, sendo esta apenas uma apreciação de cunho muito pessoal, deu a espaços a sensação de que a paz, que com toda a pompa e circunstância se defendia e celebrava, está algo bafienta no que tem caracterizado a relação entre os mais altos dignitários presentes. Vejamos: dias antes da comemoração, defendeu o presidente francês a criação de um exército europeu. Até aqui, tudo bem, pelo menos para todos quantos, como eu, partilham desta ideia. Já neste espaço de opinião tive a oportunidade de o defender e continuo sem considerar viável que a Europa possa prosperar sem avançar neste sentido. Sobretudo porque Donald Trump já por diversas vezes se manifestou contra o que considera ser o paternalismo norte-americano para com a Europa, lembrando que tem passado por si, durante décadas, a defesa da Europa com todos os gastos que a essa realidade são inerentes.

Sou tudo menos fã de Donald Trump, mas não consigo ainda assim, neste ponto, deixar de lhe dar razão. Porém, Macron excedeu-se claramente nas declarações que proferiu, dizendo que uma das razões para a hipotética criação do exército europeu seria defendermo-nos da China, da Rússia e inclusive dos EUA. Percebe-se a mensagem, mas convenhamos: se a inclusão da China, pelo desconhecido que representa, e da Rússia, pelos traços históricos de opacidade que a caracterizam, não se estranha, colocar a América neste lote de possíveis agressores foi desadequado. Os EUA podem ter atualmente um presidente tresloucado, mas continuam a ser, para todos os efeitos, aliados da Europa. O sucesso da política passa pela boa diplomacia; Macron foi por isso, quanto a mim, diplomaticamente pouco hábil. Por isto mesmo escrevi parágrafos acima que a paz agora comemorada me cheirou a mofo. Não que esteja para rebentar um conflito armado mundial, mas sente-se um notório desconforto e, de certa forma, um medo crescente de que, ainda assim, tal não possa ser encarado como uma rotunda impossibilidade.

Sabendo nós que o Armistício de há cem anos não garantiu a paz, mas antes antecedeu o rebentar de um segundo conflito muito mais forte que o primeiro, seria bom que estas comemorações da paz não pudessem ser equiparadas a esse momento, servindo para comemorar algo que muitos, secretamente, possam desejar romper. Por fim, apenas uma última palavra. É sabido que as relações do Reino Unido com a Europa por via do Brexit não estão nos seus melhores dias mas, ainda assim, Theresa May deveria ter marcado presença. Bem como os mais altos dignitários polacos. Se de facto se quer comemorar a paz, não podemos esquecer-nos que mesmo com as mais profundas diferenças entre todos, é com todos e só com todos que a mesma se conseguirá futuramente garantir.

 

Escreve à sexta-feira