Os Estados Desunidos da América


O maior espectáculo do mundo continua em cena na Casa Branca: a conferência de imprensa pós-eleitoral de Trump foi um show e permitiu aquecer o público para o que veio a seguir


O actual inquilino da Casa Branca poderá ter muitos defeitos, mas não o podemos acusar de não entreter o público. Depois de uma campanha eleitoral em que recorreu mais uma vez à simplificação discursiva (a invasão dos emigrantes, o fim do crescimento económico se os democratas vencessem as eleições, o referendo sobre a sua presidência), começou a conferência de imprensa num tom conciliatório, referindo a conversa construtiva com a futura líder da Câmara dos Representantes, Nanci Pelosi. A coisa durou os seus três minutos e “the real Donald Trump” armou rapidamente uma zaragata com o correspondente da CNN. Há quem pense que Trump não aguentou o script que lhe foi encomendado pela sua equipa: mostre-se magnânimo e presidencial, refira a abertura para trabalhar com os democratas numa agenda comum que interesse a todos os americanos. Permito-me discordar. Trump fez exactamente aquilo que lhe convinha fazer: distrair a atenção dos telespectadores em relação ao resultado das eleições que, como é normal nas midterm, se traduziram numa derrota do presidente de turno. Não lhe interessava ver os resultados eleitorais escalpelizados pela comunicação social, o que tornaria evidente a divisão entre a América rural e pouco educada e a América suburbana e com mais estudos – e parte deste segundo grupo tinha votado nele em 2016 e uma outra parte tinha ficado em casa, derrotando Clinton em vários círculos fundamentais.

As midterm elections não assinalam a impossibilidade de reeleição de Trump em 2020, antes pelo contrário. O discurso da polarização, nós contra eles, continua a funcionar na América rural e há um conjunto de estados onde Trump obteve bons resultados, em particular nas eleições para o Senado, em cuja campanha participou. Os democratas diversificaram os eleitos (mais mulheres, mais etnias, maior juventude), conseguindo ter representantes mais próximos dos representados. Mas, a dois anos de distância, não se vislumbra um challenger democrata que possa tirar o sono a Trump.

O maior adversário de Trump continua a ser “the real Donald” e todo o seu lastro de contenciosos pessoais (haverá uma longa lista de almas femininas cujo silêncio foi pago e que se arrependerão oportunamente), comerciais (as empresas do grupo Trump continuam a ser acusadas de fraudes várias), fiscais (o único presidente que não tornou pública a sua declaração de rendimentos) e penais (a investigação do ex-director do FBI, Robert Mueller, sobre a interferência de potências estrangeiras, dixit Federação Russa, nas eleições presidenciais de 2016 está cada vez mais próxima do círculo familiar de Trump e já fez cair um membro do seu governo, um director de campanha e o seu advogado).

Acossado por “the real Donald”, o presidente Trump disparou um tiro de aviso em relação a Robert Mueller, despedindo a versão local do líder do Ministério Público, que também funciona como ministro da Justiça (o public attorney Jeff Sessions), substituindo-o interinamente pelo respectivo chefe de gabinete, um ex–jogador de futebol americano do Midwest, célebre por verificar se os candidatos à judicatura federal tinham “uma visão bíblica da justiça” e por querer cortar o financiamento à investigação de Mueller. Os democratas já avisaram que uma demissão de Mueller dará origem a uma acção de impeachment de Trump.

A segunda metade do mandato do 45.o presidente corre o risco de ser ainda mais animada que a primeira…

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990