Em 2007, o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (conhecido pelo acrónimo inglês IPCC) recebeu o Prémio Nobel da Paz pelo seu esforço na disseminação de um maior conhecimento sobre as alterações climáticas e pela sugestão de medidas necessárias para contrariar essas mudanças. Portugal, aderindo ao consenso mundial, assumiu “a convicção política, científica e técnica de que as alterações climáticas são uma realidade e uma prioridade nacional, face aos seus impactos futuros sobre a nossa sociedade, economia e ecossistemas”, desenvolvendo um Quadro Estratégico para a Política Climática no qual se incluem o Programa Nacional para as Alterações Climáticas 2020/2030 e a Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas.
Entre as preocupações manifestadas pelo IPCC, está a adaptação do território às alterações climáticas, advertindo que, “devido ao aumento do nível médio das águas do mar previsto para este século, os sistemas costeiros e as zonas de baixa altitude irão sofrer impactos adversos, como submersões, inundações e erosões costeiras, expondo as populações e os seus bens a riscos que aumentarão significativamente nas próximas décadas” (IPCC Fifth Assessment Report, Working Group II). Se é certo que, em face dos parcos recursos financeiros que Portugal dispõe, pouco pode fazer para mitigar décadas de edificação inapropriada ao longo das zonas costeiras e ribeirinhas, será que o urbanismo actual tem assumido o esclarecimento necessário para preparar as cidades portuguesas para um futuro potencialmente ameaçador? Se a legislação e a teoria parecem apontar para um caminho correcto, a realidade parece evidenciar o contrário, transformando grande parte dos discursos acerca de sustentabilidade em discursos de Pinóquio: quando a personagem de madeira criada por Carlo Collodi dizia uma mentira, o seu nariz crescia; de forma similar, sempre que algum político ou planificador afirma estar a seguir princípios de sustentabilidade, também as edificações ao longo das zonas costeiras e ribeirinhas têm propensão para crescer, ignorando ameaças globais como as alterações climáticas (que tornarão fenómenos como o furacão Leslie cada vez mais frequentes) ou perigos específicos do nosso contecto geofísico (como os sismos). Conhecedores das consequências que um futuro terramoto pode causar a Lisboa e a outras cidades portuguesas, mas também, das implicações adicionais que as alterações climáticas estão a provocar no planeta, insistimos na construção em zonas sensíveis e exaltamos como arquitectura exemplar, esses símbolos da nossa ignorância e húbris. O Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT), distanciado a 15 metros do Tejo e a 3 metros do nível médio das águas do mar, é um entre muitos desses símbolos. Desconhecedor da complexidade geofísica do planeta – e especialmente daquela que envolvia a cidade de Lisboa, o arquitecto Giovanni Bibiena havia também projectado a faustosa Ópera do Tejo nas margens do rio que lhe deu o nome. No ano fatídico de 1755 em que foi inaugurada, um grande terramoto seguido de um maremoto eliminou não só esse edifício como milhares de outros e uma dezena de milhares de vidas. Se a Bibiena se pode perdoar o desconhecimento, é possível ter com os actuais arquitectos, planeadores e decisores urbanos a mesma condescendência?
Mestre em Ordenamento do Território
e Planeamento Ambiental