Bactérias resistentes matam muito em Portugal, mas as infeções hospitalares desceram

Bactérias resistentes matam muito em Portugal, mas as infeções hospitalares desceram


Todos os dias morrem no país em média mais de três pessoas devido a infeções provocadas por bactérias resistentes a antibióticos. O problema está na banalização da terapêutica, mas ainda é possível reverter a situação


Portugal é o quarto país com mais casos de infeções por bactérias resistentes e, por consequência, de mortes: em 2015, registaram-se 24.021 casos, que resultaram em 1158 mortes. Os dados estão incluídos no mais recente estudo do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de doenças (ECDC, na sigla inglesa), publicado na revista The Lancet Infectious Diseases, que quis perceber o peso de cinco tipos de infeção: da corrente sanguínea, do trato urinário, do trato respiratório, do sítio cirúrgico e outros.

De acordo com o estudo do ECDC, no conjunto dos 28 países da União Europeia e do Espaço Económico Europeu – que inclui Noruega, Liechtenstein e Islândia –, todos os anos morrem na Europa 33.110 pessoas por infeções resultantes de bactérias resistentes – e 23.976 dessas mortes resultam de infeções contraídas em contexto hospitalar.

Em Portugal, o Plano Nacional de Saúde inclui, nos seus programas de saúde prioritários, um programa especificamente vocacionado não só para a área da resistência aos antibióticos, como também para área infecciosa: o Programa Nacional Para a Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos (PPCIRA). Quando a equipa do ECDC iniciou a pesquisa para o estudo, feito com base nos dados de 2015 da Rede Europeia de Vigilância da Resistência Antimicrobiana (EARS-Net), os contactos com as autoridades de cada país para reunir os dados necessários para realizar o estudo, em 2016, Paulo André Fernandes era o diretor do programa nacional e conhece bem o estudo que agora os revela.

“O estudo, além do indicador da mortalidade, inclui também um aspeto inovador: debruça-se sobre a qualidade de vida das pessoas com infeção hospitalar”, diz Paulo André Fernandes. De facto, o estudo “Attributable deaths and disability-adjusted life-years caused by infections with antibiotic-resistant bacteria in the EU and the European Economic Area in 2015: a population-level modelling analysis”, dá conta de que, no conjunto dos países analisados, perdem-se anualmente 875 mil anos de vida saudáveis – indicador designado como anos de vida ajustados por incapacidade. Este indicador, a par dos números da mortalidade, revela a urgência que existe em dar a devida importância a esta matéria, na visão do médico Paulo André Fernandes. “O estudo vem reforçar a ideia que temos e para a qual quem trabalha com esta matérias tem vindo a tentar sensibilizar as entidades decisoras: o problema das infeções hospitalares e da resistência aos antimicrobenos está longe de estar resolvido, uma vez que continua a haver uma escassez de recursos para lidar com aquilo que é uma epidemia silenciosa”.

À primeira vista, admite-se que os números possam não impressionar, mas é tudo uma questão de perspetiva. “O estudo demonstra que ocorreram 3,2 mortes por dia neste grupo de infeções em Portugal. Se compararmos este número de vitimas com o numero de vitimas de outras catástrofes nacionais, percebemos que a dimensão é grande e a verdade é ninguém fala nisto. São 90 mortos ao fim de um mês, 180 em dois meses. Como alguém disse é só fazer as contas” alerta ao i.

A resolução do problema passa, na visão deste ex-diretor, pela disponibilização de mais recursos humanos. E remete uma vez mais para os números, onde diz estarem as evidências “Este problema está a ser encarado nas unidades hospitalares por equipas subdimensionadas, onde a lei relativamente à sua dimensão não se cumpre. As realidades de país para país são diferentes, mas o que é certo é que, quando comparamos o número de infeções e mortes e as resistências que existem de país para país, e depois fazemos uma comparação dos recursos que existem para lidar com o problema, concluímos que os países que investem mais recursos – e não estou a falar de fortunas – têm resultados”. E Paulo André Fernandes encontra exemplos disso aqui mesmo, no país, recordando o programa “STOP Infeção Hospitalar!”, da Fundação Calouste Gulbenkian, criado em 2014 com o objetivo de reduzir a taxa de infeções hospitalares do país. “Quando existe empenhamento, baixamos os números. Na próxima semana deve ser revelado o resultado do estudo europeu de Prevalência de 2017. Portugal, relativamente ao estudo de 2012 – no qual tinha ficado em último lugar como o país da Europa com mais infeções hospitalares –, teve uma evolução muito positiva: diminuiu a taxa de 10,5% para 7,8% em 2017. A estrutura do programa nacional conseguiu melhorias”, conclui. Como explica ao i, a falta de recursos para “fazer um bom trabalho” foi, de resto, o motivo pelo qual viria a abandonar o cargo de diretor do programa.

As bactérias resistentes A tendência de aumento de bactérias resistentes a antibióticos levanta motivos para alarme – uma vez que a proliferação deste tipo de bactérias significa que determinadas infeções deixam de ser curáveis. E se existe uma preocupação justificada por existirem bactérias com “uma resistência nunca antes vista, a todos os antibióticos de que dispomos”, a verdade é que não existe nada de anormal no facto de as bactérias se tornarem mais resistentes, como explica Paulo André Fernandes. “A resistência aos antibióticos, enquanto fenómeno biológico, é um mecanismo normal. As bactérias são seres muito adaptáveis, que vivem em todo o lado e lado a lado na natureza com compostos com ação antibiótica. E adaptam-se a eles”. Onde está então o problema? “O que acontece é que, ao longo dos últimos 40 anos, temos usado antibióticos de uma forma muito má e indiscriminada, o que levou à proliferação da resistência entre as bactérias”, esclarece o mesmo especialista. É por esse motivo que, cada vez mais, os médicos insistem na ideia de que os antibióticos têm de ser usados de forma racional, justificada e quando há indicação médica – e durante o tempo suposto e não mais, sublinha o agora coordenador da estrutura local do programa no Centro Hospitalar Barreiro-Montijo. A origem da banalização dos antibióticos tem por base o facto de “trataram doenças mortais, tendo-se gerado a noção na comunidade médica e na sociedade de que são uma cura miraculosa e passando-se a usar em muitas situações em que não é suposto”, assinala.

O problema assume contornos preocupantes, segundo vários estudos apontados pelo especialista: “Calcula-se que cerca de metade das prescrições de antibióticos que se fazem no mundo não são corretas e, em um terço dos casos, não é de todo necessário fazer antibiótico. Usamos demasiado o antibiótico, mal, e com isso vamos fazendo uma seleção de bactérias”.

O segredo é consciencializar a sociedade para o problema, para conseguir reverter a tendência da resistência. “Temos de garantir que tomamos antibióticos apenas quando necessário e de forma correta. Se assim for, a tendência da resistência das bactérias aos antibióticos vai reverter e as infeções voltarão a ser provocadas por baterias mais fáceis de tratar”, diz o médico. Até porque a maioria das infeções só podem mesmo ser tratadas com antibióticos. “Neste momento existem algumas linhas de investigação promissoras, mas que só poderão vir a ser aplicadas daqui a algumas décadas”, conclui.