Debate instrutório. Juiz decide sexta se leva caso GPS a julgamento

Debate instrutório. Juiz decide sexta se leva caso GPS a julgamento


Entre os cinco crimes, o MP deixou cair a acusação sobre abuso de confiança qualificado


Em três dias o juiz de instrução criminal Ivo Rosa vai decidir se leva, ou não, o caso dos colégios GPS a julgamento. Durante o debate instrutório que decorreu ontem, a pedido dos arguidos, ao longo de mais de quatro horas, o juiz diz que vai proferir o despacho com a sua decisão nesta sexta-feira.

Ainda durante o debate de instrução o Ministério Público (MP), representado pela procuradora Cláudia Santos, fez saber que deixou cair um dos cinco crimes que acusa os sete arguidos – onde se encontra um ex-secretário de Estado da Educação, José Manuel Canavarro – por falta de indícios, depois de a defesa ter apresentado “novas provas”: o crime de abuso de confiança qualificado.

Este será o último caso decidido por Ivo Rosa nos próximos tempos, já que de ora em diante o juiz de instrução irá dedicar-se exclusivamente à Operação Marquês cuja fase de instrução está agendada para janeiro de 2019.

Os sete arguidos do caso continuam acusados de crimes como corrupção ativa, peculato, falsificação de documentos e burla qualificada, por alegadamente terem usado mais de 30 milhões de euros dos cofres do Estado em viagens, cruzeiros, bilhetes para o mundial de futebol de 2006, carros, mobílias, refeições e até mesmo champanhe.

As verbas eram transferidas pelo Ministério da Educação para o grupo GPS com o fim de financiar as turmas com contratos de associação nos colégios do grupo, para fazer face à mensalidade que seria paga pelos alunos dessas turmas.

Entre os acusados que tenham exercido funções governativas está José Manuel Canavarro, o ex-secretário de Estado Adjunto e da Administração Educativa do governo de Santana Lopes, que trabalhou para o Grupo GPS depois de ter saído do governo. Além da acusação dos crimes o MP quer que o ex-governante devolva mais de 220 mil euros (223.701,7 euros) que terá recebido em salários como consultor do grupo GPS, entre 2005 e 2011. Está ainda acusado o ex-diretor regional da Educação de Lisboa, José Maria de Almeida, que exerceu o cargo entre 29 de setembro de 2004 e 26 de maio de 2005. 

Os restantes cinco arguidos são administradores do grupo GPS, formado por 50 empresas de diversas áreas, onde estão incluídos 15 colégios. É o caso de António Calvete, ex-deputado do PS, Manuel Madama, António Madama, Fernando Catarino e Agostinho Ribeiro, que foram professores ou diretores dos colégios.

De acordo com a acusação do Ministério Público – a que o i teve acesso -, as verbas terão sido usadas indevidamente entre 2005 e 2013. Durante esses nove anos, o grupo recebeu no total mais de 300 milhões de euros do Ministério da Educação para os contratos de associação.

O alegado favorecimento de Canavarro Ao i José Manuel Canavarro garante que a acusação “não tem qualquer fundamento”.

Mas, de acordo com a acusação – a que o i teve acesso – o MP acredita que o ex-governante que também foi deputado eleito pelo círculo de Coimbra do PSD entre 2011 e 2015 – terá tomado decisões que favoreceram financeiramente o grupo GPS, em troca do cargo de consultor, que exerceu posteriormente. Em causa está a autorização concedida por Canavarro e pelo então diretor regional da Educação de Lisboa, José Maria de Almeida, para o grupo abrir quatro colégios (dois no concelho de Mafra e outros dois no concelho das Caldas da Rainha) e de mais turmas num colégio já em funcionamento. Também o ex-diretor regional de Educação está acusado de corrupção passiva e o MP pede que devolva ao Estado mais de 80 mil euros, que terá recebido em cargos que desempenhou no grupo. A autorização para a abertura dos colégios foi concedida cinco dias antes das eleições legislativas de 2005, que acabaram por afastar do poder o governo de Santana Lopes. A autorização terá sido dada após uma reunião que decorreu “em outubro ou novembro” entre os administradores do grupo com Canavarro e José Maria de Almeida, depois de o então Presidente da República, Jorge Sampaio, dissolver a Assembleia da República e de convocar eleições. No entanto, ao i, José Canavarro diz que os “contratos referidos na acusação foram celebrados 20 meses depois da saída do governo”, a 6 de novembro de 2006. Documentos estes que diz que apresentou ao MP. Sobre a devolução dos 220 mil euros não responde. 

Esta foi também a tese defendida ontem durante o debate instrutório pelo seu advogado Rogério Alves, que diz que à data das autorizações da abertura de turmas quem estava em funções seria o sucessor de José Manuel Canavarro, o então secretário de Estado da Educação, Valter Lemos, do governo de José Sócrates. Ainda assim, a procuradora Cláudia Santos acredita no envolvimento de Canavarro com o grupo GPS citando uma carta do ex-governante a António Calvete, homem forte do grupo GPS, onde era feita uma referência a um “período de nojo” depois de Canavarro sair do governo. António Calvete dava a garantia a Canavarro de que poderia contar com a colaboração.

O uso do dinheiro para viagens, carros e mobília Em 2003 os administradores do grupo eram professores e diretores de colégios uniram esforços e fundaram o grupo GPS com sede em Leiria, do qual faziam parte os colégios dos quais já eram proprietários. Um destes colégios – o Instituto D. João V – tem contratos de associação desde 1986. No entanto o prazo de prescrição dos eventuais ilícitos económicos cometidos em funções públicas, que é de dez anos nos casos de corrupção passiva no setor privado, impediu que a investigação analisasse as verbas recebidas antes de 2005. 

A acusação apresenta uma longa lista de refeições, de viagens, de carros e de mobília que terá sido comprada com as verbas dos contratos de associação. Só em refeições os valores ascendem a 44.012,60 euros gastos ao longo de oito anos, entre 2005 e 2012. Em 2005, o espaço de eleição para as refeições dos administradores do GPS foi o restaurante A Taberna, em Coimbra. Nesse ano, ao todo, foram gastos 6.223,40 de euros, de acordo com faturas apresentadas pelo arguido António Calvete, Em 2006, a acusação refere que foram consumidas, às refeições, bastantes garrafas de vinho “cujo preço variou entre €75 e €120 a garrafa”. Já em 2007, o ano em que o valor das facturas apresentadas foi mais elevado, registaram-se 8.673,74 euros gastos em restaurantes como O Manjar do Marquês, Cervejália, Amigos da Velha ou Puttanesca. A lista prossegue e no ano de 2012 uma única factura do restaurante Horta dos Brunos valia 4.200 euros.

Entre as despesas apresentadas pelos administradores da empresa encontram-se ainda viagens e alojamento, com um valor que ascende a 130.633,91 euros incluindo, em 2005, um cruzeiro nas Caraíbas do Sul no valor de 21.048 euros. Foram ainda registadas viagens e alojamentos pagos para quatro pessoas a Luanda e Tenerife: cruzeiros em Porto Rico para duas pessoas: viagens e estadias em Cabo Verde ou Londres e inclusivamente na Madeira. A acusação refere ainda a existência de outras despesas a título pessoal como gastos para telemóveis (123,90 euros), artigos de fumador (254 euros), marroquinaria (514 euros), bilhetes para o Cirque du Soleil e livros (248,71 euros) e utensílios para casa (132,90 euros). Segundo a acusação do Ministério Público, os administradores do grupo GPS terão ainda usado fundos públicos para pagar cortinados no valor de 4.890 euros e ainda 64.527,82 ouros euros em mobiliário e sofás. Os administradores que estão acusados deram ainda conta ao Ministério da Educação de diversos funcionários “que, na verdade, não existiam” de forma a que lhes fosse transferido o salários desses funcionários para poderem arrecadar as verbas que não lhes eram devidas. Para os salários de funcionários que “não existiam” foram transferidos mais de 800 mil euros para o grupo. Foram ainda desviados 426.987,99 euros em numerário de receitas do bar e papelaria dos colégios e outros 34 mil euros em empréstimos. Em 2014, foram realizadas buscas a casa de José Canavarro e dos administradores do grupo. Durante essa operação foram apreendidos 60 carros – onde estão incluídos um Porsche, um BMWX3 ou um Audi A6 – que foram atribuídos a Manuel Madama. E na casa de seu filho, António Madama, foram apreendidos outros sete carros. O processo de investigação do MP que durou mais de dois anos, foi desencadeado depois de em 2014 o Ministério da Educação – na altura aos comandos de Nuno Crato – ter enviado para o MP os resultados de auditorias realizadas pela Inspeção Geral da Educação a seis colégios do grupo, durante o verão de 2012. Nessa altura, Nuno Crato obrigou estes colégios – São Mamede, Vasco da Gama, Santo André, Miramar, Rainha Dona Leonor e D. João V – a devolver cerca de 47 mil euros aos encarregados de educação. Os colégios tinham recebido cerca de 27 milhões de euros do Estado entre 2012 e 2014 para assegurar a escolaridadade obrigatória gratuita – através dos contratos de associação – e ainda assim cobraram, de forma irregular, uma taxa de matrícula com o valor de 10 euros. Além dos colégios, o grupo GPS tem mais de 50 empresas em áreas diversas como publicidade, imobiliária, mediação de seguros, hotelaria, agência de viagens e um supermercado, por onde faria circular o dinheiro que recebia do Ministério da Educação.

Já depois de conhecida a acusação do Ministério Público, o Ministério da Educação atribuiu dez milhões de euros a 10 colégios do Grupo GPS para financiar turmas com contrato de associação. A notícia foi avançada pelo “Expresso”, em julho, a quem o gabinete de Tiago Brandão Rodrigues justificou a decisão com a falta de oferta pública e com o facto de ainda não terem sido dadas como provadas as acusações.

*com Tatiana Costa