Eis que o Arsenal está de novo em Lisboa e jogará amanhã em Alvalade outra vez. Já se passaram 70 anos sobre a célebre visita do Arsenal campeão de Inglaterra mas, dessa vez, o Sporting não foi chamado à liça. O entusiasmo da deslocação dos londrinos em 1948 foi indescritível. Sobretudo quando, depois de terem batido o Benfica no Estádio Nacional por 4-0, foram ao Estádio do Lima, no Porto, perder com o FC Porto por 2-3. Sensacional! Nunca os adeptos portistas imaginaram que a sua equipa, por muita qualidade que tivesse, e tinha-a, conseguisse vencer os britânicos. E esse triunfo ficou para a história do futebol português.
Há muito tempo que o Arsenal não é campeão inglês – desde 2004, imaginem! –, mas não deixará nunca de ser um dos nomes mais sonantes e respeitados em redor de todo este planeta que teima em ser redondo e achatado nos polos. E só por uma vez ficou frente a frente com o Sporting em tantas décadas de taças europeias. Era aqui que eu queria chegar.
Dia 29 de outubro de 1969. Todos os jornais se referiam ao Arsenal como Arsenal de Londres. Assim à maneira do que lá por fora acontece com o Sporting: Sporting de Lisboa, a despeito de ser Sporting Clube de Portugal e de os seus adeptos até levarem geralmente a mal que o reduzam apenas a equipa da capital. Enfim, esquisitices que não interferem com o que se passa sobre a relva.
Veio, portanto, o Arsenal (de Londres) a Lisboa e a Alvalade. Segunda eliminatória da Taça das Cidades com Feira, depois Taça das Feiras, em seguida Taça UEFA, finalmente Liga Europa, tal como hoje em dia. O Sporting tinha deixado pelo caminho os austríacos do Linzer Ask e os seus responsáveis estavam cheios de confiança de que seria possível ultrapassar os londrinos. Afinal, apesar de terem sido afastados da mesma Taça das Feiras pelo Newcastle United, na época anterior, ainda não se tinham apagado as imagens feéricas da goleada aplicada ao Manchester United (5-0) na maratona que constituíra a formidanda conquista da Taça dos Vencedores de Taças em 1964. Infelizmente, as coisas não correram pelo melhor. Por muito que a imprensa lusitana tenha desvalorizado o valor do conjunto inglês.
Remoques “Meio-campo sem nível”, diziam uns da equipa de Bertie Mee; “campeonato inglês muito medíocre”, diziam outros atirando-se para fora de pé, como gosta de dizer o povinho de Ois da Ribeira a Santa Marta de Penaguião. Opiniões duras demais para uma equipa que acabaria por vencer essa edição da Taça das Feiras quase com uma perna às costas – na final cilindrou o Anderlecht com duas vitórias, 3-1 fora e 3-0 em casa. Mas já se sabe que o português é mesmo assim, dado a exageros. Já o encontro de Alvalade foi dado à escassez.
“Defrontaram-se o líder do nosso campeonato e o 15.o classificado do campeonato de Inglaterra”, explicava-se aos mais desatentos. Em cheio no moral dos arsenalistas que, não por acaso, acabariam por terminar a prova em 12.o. Já quanto às fraquezas do meio-campo, haveria muito a dizer: George Armstrong, o escocês George Graham (mais tarde treinador de sucesso no clube), Peter Storey ou Ray Kennedy (que viria a ser uma das peças-chave do Liverpool campeão da Europa), não eram, decididamente, de se deitar fora.
Essencialmente práticos, os ingleses deixaram correr o marfim. Peres, José Morais, Nélson, Lourenço e Marinho sentiam-se impotentes perante a barreira vermelha colocada frente à baliza de Barnett. Os contragolpes começaram por ser mortíferos no primeiro quarto–de-hora, durante o qual o Arsenal rondou com insistência a área de Vítor Damas, mas foram diminuindo de intensidade. A linha avançada dos portugueses, por outro lado, surgiu sempre desinspirada: “O Sporting perdeu algumas ocasiões de golo mas, em boa verdade, os seus avançados não se mostraram muito decididos a rematar nos raros momentos em que o adversário deu possibilidades de o fazer.”
Como se dizia na altura, em tom de lamento, a força superiorizava-se à técnica, seja lá o que isso quer dizer na prática. “Enquanto se discutem dois tipos de jogo – o futebol técnico e o futebol- -força –, as equipas britânicas são as que em mais elevado grau se mostram possuidoras de ambas as virtudes, exibindo um domínio de bola que pede meças aos mais hábeis latinos e uma capacidade física que suporta todos os confrontos.”
Bem dito! E mais ainda: “Este Arsenal não será o que se chama uma grande equipa, pois não tem jogadores excecionais, fora de série, e os seus avançados não são bons rematadores, mas é, para qualquer, um opositor difícil de vencer pela incessante movimentação das suas pedras, que se ajudam mutuamente, tapando todos os caminhos às tentativas de penetração dos adversários.”
Setenta e dois minutos: Storey derruba Marinho na grande área do Arsenal. Peres, o fantástico Fernando Peres, confiou demais na sua infalibilidade. A bola colocada mas sem força foi fácil para Barnett. O Sporting desperdiçava a maior oportunidade de viajar até Londres em vantagem e condenou-se ao destino que aí vinha. O jogo da segunda mão foi de sentido único. Na noite fria de Highbury, amputado de José Carlos e de Hilário, o leão não evitou a derrota pesada: 0-3, golos de Graham (2) e Radford. Mais um sonho perdido.