Os socialistas não gostaram de ouvir Cavaco Silva chamar “medroso” a António José Seguro e “artista” a António Costa e não poupam críticas ao ex-Presidente da República. A mais dura é que Cavaco revelou falta de sentido de Estado ao revelar conversas privadas no segundo volume do livro “Quinta-feira e outros dias”.
O presidente do PS foi o primeiro a reagir e acusou Cavaco de “uma infeliz falta de sentido de Estado”. Carlos César, no seu habitual comentário na SIC, classificou a atitude do ex-chefe de Estado como “delação presidencial”. E acrescenta: “Zurziu no caráter e personalidade de pessoas com quem privou. Nunca se esperaria. É perfeitamente lamentável”.
António Costa também não ficou indiferente às memórias de Cavaco. O primeiro-ministro, que é descrito como “um artista” e um “mestre” em empurrar os problemas para a frente, condenou implicitamente a revelação de conversas privadas. “Todas as conversas que mantive com o atual Presidente da República, com o anterior Presidente da República, ou que venha a manter com futuros Presidentes da República com quem venha a trabalhar, serão conversas a dois, exclusivamente a dois, e nunca com mais alguém para além dos dois”, afirmou António Costa umas horas antes do lançamento da obra em Lisboa. O primeiro-ministro não se alongou em comentários porque é “uma questão de sentido de Estado” não comentar “qualquer atuação de um Presidente da República com quem tenha trabalhado”.
INACEITÁVEL As divergências entre Cavaco e os socialistas são antigas. A última vez em que o clima azedou foi no final do mandato quando o ex-chefe de Estado fez tudo para evitar a criação de um governo socialista com o apoio dos partidos de esquerda. É na análise desse período que Cavaco faz algumas críticas ao líder socialista. “Revelar conversas privadas, institucionais, quando ainda passou tão pouco tempo é inaceitável”, diz ao i Edite Estrela.
A deputada do PS leu pelos jornais as críticas feitas a António Costa, nomeadamente por encarar os problemas com uma atitude descontraída. “É melhor do que ter uma atitude crispada como o anterior Presidente”, responde a socialista.
Vitalino Canas, deputado socialista, também faz duras críticas às memórias. “Parece que o ex-Presidente quer prolongar o estatuto de membro ativo da oposição que já exerceu em momentos da sua presidência. Talvez esteja desiludido com a liderança do PSD, mas não é nesse registo de aparente challenger como líder de oposição que um ex-Presidente pode ser relevante”, afirma o deputado do PS. Canas acusa ainda Cavaco de “estar sedento de protagonismo e, se calhar, desiludido com a presidência que fez”. José Junqueiro também alinha com os que condenam a revelação das reuniões de quinta-feira. “Estranho que um Presidente torne público aquilo que eram conversas privadas. É um ex-Presidente que continua a dividir o país”, afirma ao i o ex-vice-presidente do grupo parlamentar do PS.
PASSOS NO LANÇAMENTO O livro foi apresentado ontem, na Fundação Calouste Gulbenkian, pela ex-ministra Leonor Beleza. A assistir ao lançamento estiveram, entre outros, Ramalho Eanes, Pedro Passos Coelho, Manuela Ferreira Leite e Margarida Balseiro Lopes.
Cavaco Silva respondeu às críticas com a convicção de que as revelações feitas servem para “prestar contas aos portugueses. É um imperativo de quem exerce altos cargos públicos”. E deu a entender que não tem medo de ser desmentido ao afirmar que nunca receou ser “submetido ao exame da consistência intemporal das posições assumidas”.
Passos Coelho, um dos principais protagonistas do período abordado nestas memórias, foi dos primeiros a chegar ao evento. Ao contrário dos socialistas, o ex-primeiro-ministro considera que o livro dá uma “contribuição muitíssimo relevante” para se perceber os tempos da troika e garantiu fará mais revelações sobre esse período. “Terei muito para dizer e para juntar, em complemento do que agora fica conhecido. Julgo que poderei dar um contexto mais alargado também, de entendimento sobre aquilo que se passou no país nesses anos”, afirmou Passos Coelho.
“Há uma coisa que posso garantir: é que todas as conversas que mantive com o atual Presidente da República, com o anterior Presidente da República, ou que venha a manter com futuros Presidentes da República com quem venha a trabalhar, serão conversas a dois, exclusivamente a dois, e nunca com mais alguém para além dos dois”