A deputada Helena Roseta bateu com a porta e saiu ontem da coordenação do grupo de trabalho sobre a habitação, depois de o PS, partido pelo qual foi eleita, ter pedido o terceiro adiamento das votações sobre o pacote de medidas para o arrendamento. Resultado? Helena Roseta fez o que a consciência lhe ditou: “Obviamente, demito-me.” Pediu a demissão não sem antes explicar os motivos. “Um partido não tem a maioria e pede o adiamento sucessivo das votações? Só por não ter a maioria? Acho que isto não se pode fazer. Em última análise, põe em causa a democracia. Não se pode fazer isto. Acho que é perigoso”, explicou a parlamentar ao i.
Em causa está um vasto pacote de medidas – 20 propostas – que preveem, por exemplo, a reintrodução de um período mínimo de um ano para os contratos de arrendamento e um máximo de 30, com a renovação automática do vínculo contratual “por um mínimo de três anos”. O problema não é a discussão em torno dos períodos de contratos. O consenso já foi garantido à esquerda.
O ponto de maior fricção resultou da proposta que permite isenções ou reduções de IRS e IMI para os proprietários que apostem em contratos de maior duração e rendas praticadas abaixo do preço médio de mercado. O PCP foi avesso, desde o início, à ideia de apoiar os senhorios com benefícios fiscais e também não aceitou adiar a votação. “Não podemos continuar a adiar uma decisão quando o que está em causa é a vida das famílias”, declarou a deputada comunista Paula Santos, insistindo na “ enorme pressão” que o atraso no processo representa. O adiamento foi alcançado com o aval do PSD, mas o deputado social-democrata António Costa Silva garantiu ao i que “não há negociações” com o PS.
O facto de o PS não ter convencido a esquerda nem o PSD de que a sua proposta era a melhor ditou o desfecho anunciado há cerca de uma semana. Helena Roseta, a coordenadora do grupo de trabalho e também presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, considerou que os socialistas, “se calhar, não abriram as portas que tinham de abrir” e o impasse aritmético atirou o debate para dezembro, já após a aprovação do Orçamento do Estado para 2019.
O Bloco de Esquerda não se conformou com a situação. “O PS parece querer mudar a agulha e entender-se para as leis da habitação com quem trouxe o país para a crise que se vive no acesso ao direito à habitação, com especial gravidade nos maiores centros urbanos. O resultado adivinha-se preocupante”, defendeu ao i o deputado Pedro Soares, do BE, e também presidente da comissão parlamentar de Ambiente. A coordenadora do Bloco colocou maior pressão no PS: “Há pessoas que não sabem onde vão morar”, disse, citada pela TSF. Por seu turno, Helena Roseta também sentiu que o esforço não foi levado a bom porto. Agora existem pessoas com “problemas gravíssimos” na habitação e “a Assembleia da República não desempata. Não pode ser”. Por isso, a deputada assegura ao i que vai continuar a trabalhar porque “a luta continua” e será necessário dar respostas à população.
Para Helena Roseta, a Assembleia da República “não pode ser cega e surda aos apelos de uma parte tão importante da sociedade portuguesa. É preciso arregaçar as mangas”. Para o efeito, a deputada vai entregar um requerimento ao presidente da Assembleia da República para que a Lei de Bases da Habitação, de sua autoria, seja agendada à revelia do PS.
PS promete lei em janeiro Os socialistas defenderam, por seu turno, que é preciso “uma maioria que sustente e apoie todo este conjunto vasto de medidas que se dirigem ao mercado de arrendamento”. Por isso, pediu–se o adiamento das votações. Mas o vice-presidente da bancada socialista João Paulo Correia assegurou aos jornalistas que o “compromisso é que estas novas leis estejam em vigor a 1 de janeiro [de 2019]”.
Os sociais-democratas deram a mão ao PS no adiamento das votações, mas António Costa Silva, o deputado do PSD encarregado do dossiê, assumiu que todo o processo foi “estranho”.
Para já, a única certeza é a de que o projeto-lei do CDS – que prevê descontos de IRS até 16 % para os senhorios com contratos de longa duração – vai hoje a votos na Comissão de Ambiente. A esquerda queria reverter boa parte da atual lei de arrendamento, conhecida por “lei Cristas”, mas hoje terá de votar a proposta do CDS na especialidade. O texto do CDS será votado artigo a artigo e o PSD “dificilmente votará contra”, afiançou ao i António Costa Silva. Para já, o PS não revela o sentido de voto.
“Adiar sucessivamente votações porque não se tem maioria é, em minha opinião, um comportamento contrário às regras democráticas” Helena Roseta Deputada do ps “Resta-me algo que não me pode ser retirado, e cito Miguel Torga, que é ‘o terrível poder de recusar’” Helena Roseta carta de demissão entregue ao partido socialista “É um sintoma do facto de o PS não estar a cumprir o compromisso que fez não só com o Bloco de Esquerda e com outros partidos” Catarina Martins coordenadora do bloco de esquerda “Não podemos continuar a adiar uma decisão quando o que está em causa é a vida das famílias” Paula Santos Deputada do pcp “O compromisso é que estas novas leis estejam em vigor no dia 1 de Janeiro e isso acontecerá” João Paulo Correia Deputado do ps “Achámos estranho e foi uma surpresa para nós porque estávamos em plena votação” António Costa Silva Deputado do psd“Adiar sucessivamente votações porque não se tem maioria é, em minha opinião, um comportamento contrário às regras democráticas”