Nasceu em Benfica…
Isso para um sportinguista era mau. Sportinguista e estorilista. Não, nasci oficialmente em Santos-o-Velho. No meu registo está a casa dos meus avós, que é em Santos-o-Velho, onde vivi com os meus pais. Na verdade, nasci na maternidade São Gabriel, que é ali junto da Almirante Reis, ou era, porque agora já fechou.
O que recorda dos primeiros tempos, antes de ir para São Domingos de Rana?
Fui para São Domingos de Rana com quatro ou cinco anos, mas lembro-me do tempo que passava em casa dos meus avós. Do ambiente de família. Em casa dos avós, uma casa grande, vivia-se muito o bairro. Lembro-me das marchas e dos santos populares, do fado de que tanto o meu avô como o meu bisavô gostavam. Ou seja, tenho sobretudo uma imagem desse ambiente familiar, de grande aproximação, de muita gente, mas de um bom ambiente familiar.
O seu pai era…
O meu pai foi administrador de um conjunto de empresas e trabalhou numa norte-americana, que se chamava Control Data, que fazia grandes computadores. Lembro-me dessa empresa porque foi uma funcionária portuguesa da Control Data, que trabalhava nos Estados Unidos, que bordou a bandeira americana que foi colocada na lua. Isso para um jovem era uma coisa extraordinária: Portugal tinha estado também na primeira viagem à Lua.
Já em São Domingos de Rana, do que se lembra da infância?
Aí já tenho algumas recordações, tanto do ponto de vista político como do ponto de vista comunitário. O meu pai tinha uma participação política ativa antes do 25 de abril. Fazia parte da Juventude Operária Católica e da Juventude Universitária Católica. Lembro-me bem da campanha de Humberto Delgado para a Presidência da República. Lembro-me, embora fosse muito novo, dos meus pais, por vezes, contestarem o antigo regime. Lembro-me dos votos que, na altura, se distribuíam nas caixas do correio. Entregavam as diferentes opções e a pessoa depois votava em quem queria votar. E lembro-me de andar a querer saber em qual dos papéis o meu pai e a minha mãe iam votar. Aquilo era feito tudo em segredo, mas lá íamos sabendo que o meu pai e a minha mãe votavam na oposição. Tenho também memórias de fazer parte de movimentos da comunidade, como os escuteiros, no agrupamento 113 de São Domingos de Rana. E depois com todo o evoluir da situação política em Portugal, estive nas primeiras equipas de recenseamento, ou seja, a ajudar os cidadãos a recensearem-se. Fiz também parte de um movimento que se fez a partir da paróquia de levar o desporto às escolas. Foi o início da aposta no desporto escolar. São Domingos de Rana, na época, tinha uma fortíssima presença do Partido Comunista e, portanto, o meu pai era considerado fascista. São memórias que tenho desses tempos e algumas delas vieram a ajudar-me nas funções de presidente de Câmara.
Era um adolescente rebelde. Foi estudar para os Salesianos e acabou por ser expulso.
Não, porque os salesianos não expulsavam ninguém. Convidavam a sair. Fui convidado a sair em 1975, tinha 14 ou 15 anos. Na altura era tudo novo. Ou seja, tinha sido dos primeiros a aderir à JSD e estive na sua formação. Os liceus estavam em greve. O nosso, como era particular, não estava. Todo aquele movimento distraiu-me um bocadinho daquilo que era a minha obrigação na época, que era estudar. Eu não era propriamente um bom aluno. Tinha um certo estatuto dentro do colégio, porque era jogador de hóquei em patins na Juventude Salesiana.
Mas por que foi convidado a sair?
Chumbei um ano, por causa de todas as distrações que já referi e por ter tido hepatite e ter estado muito tempo sem ir às aulas. E, já na época, os repetentes não eram vistos com bons olhos. Com este processo todo revolucionário, a minha rebeldia também aumentou. Além disso, nunca fui muito vocacionado para línguas.
Tinha um professor – que era padre – de Francês que disse uma frase e eu, dentro da minha rebeldia, perguntei se uma das palavras era outra que era uma asneira em português. O padre deu-me um estalo, uma coisa que na altura se fazia. E eu respondi: “Como me ensinaram aqui, quando nos batem numa face damos a outra”. O padre não se ensaiou e estava a preparar-se para me bater na outra face. Aí eu agarrei-lhe a mão, empurrei-o e foi uma cena que não me dignifica. O padre acabou por me expulsar da aula e eu, com má educação, empurrei a porta com bastante força. A porta tinha uma batente, mas estava solta. Portanto, a porta não parou na batente e o professor, que vinha atrás de mim, acabou por levar com a porta na cabeça. Gerou-se um trinta e um. Nessa época, não havia psicólogos e o colégio recomendou que eu fosse a um psiquiatra. Fui a um em Lisboa, que era um senhor, esse sim com um problema, e ele pôs-me muito à vontade. Infelizmente, fumo desde muito novo e o médico disse-me logo que eu podia fumar, que não dizia nada aos meus pais. A conversa lá se passou e eu no final perguntei: “Eu estou maluco?”. E ele respondeu: “Não, essa rebeldia é fruto da adolescência”. Pedi-lhe então para ele escrever uma carta a dizer que quem me mandou ao psiquiatra é que devia ir a uma consulta de psiquiatria. E o médico, que devia ter tido mais bom senso do que eu, passou-me a carta.
Ficou combinado que os meus pais não iam saber de nada. Peguei na carta e no outro dia fui entregar ao diretor do colégio. Claro que, depois disso, veio o convite para sair. Mas isto faz-me lembrar outra coisa engraçada. Um dia, já nestas funções de presidente da Câmara, o padre Taveira, um diretor dos Salesianos, pediu uma reunião comigo, porque precisavam de fazer uma série de intervenções no colégio. Na altura, disse-lhe que era um ex-aluno do colégio e ele ficou muito contente. E, a seguir, expliquei-lhe que tinha sido convidado a sair. Aí, a mesma cara de alegria do padre Taveira fechou-se imediatamente (Risos). Claro que eu referi que, nem pela primeira razão nem pela segunda, teria um tratamento diferenciado e, portanto, tudo o que a lei permitiu eu facilitei. Ainda relacionado com os Salesianos, há outro episódio curioso: vieram cá as Relíquias de Bom de São João Bosco, o fundador dos Salesianos, e fui convidado para falar numa cerimónia do colégio, como presidente da Câmara, mas não sabia quando é que seria a minha vez. Havia muita gente para falar. Às tantas, o apresentador disse “agora, temos a honra de chamar para dizer umas palavras alguém de que os Salesianos têm muito orgulho”. Pensei que ainda não era a minha vez e que ia ter de esperar mais um bom bocado, porque eram muitos elogios. Mas era mesmo para mim. Fiquei surpreendido, de tal forma que quando saí liguei para os meus pais – o meu pai na altura ainda era vivo – disse: “Fui convidado a sair aos 14 anos, mas agora aos 50 e tal fui reintegrado” (Risos). Os Salesianos eram a verdadeira escola de democracia do concelho, porque tinha alunos de todos os estratos sociais, tinha uma oferta de ensino de grande qualidade e diversidade.
Entretanto vai para o liceu de Carcavelos e torna-se trabalhor/estudante.
Sim, fui para o liceu de Carcavelos e foi lá que concorri a eleições pela primeira vez, para a Associação de Estudantes. Estava nesse movimento e também na JSD. Na altura, já combatíamos movimentos radicais que se apresentavam no país a nível da juventude, como o MIRN. Combatíamos esses movimentos radicais de direita da mesma forma que combatíamos outros movimentos radicais de esquerda. Eram movimentos que não tinham muita gente, mas eram muito ativos. Tive essa participação no liceu. Nessa época, opto por ir trabalhar, mas não por dificuldades financeiras, porque os meus pais eram da classe média e não passámos por dificuldades. Decidi ir trabalhar e estudar à noite.
Foi trabalhar para onde?
Comecei por trabalhar numa fábrica na Abrunheira, no concelho de Sintra. Era uma fábrica de produtos químicos, de lixa. Comecei com a função mais baixa na fábrica. Uma coisa que nunca percebi foi porque comecei como estagiário de terceiro biano. E depois fui promovido para estagiário de segundo biano. Nunca percebi o que isso significava. Depois terceiro escriturário, segundo escriturário, primeiro escriturário, na altura ainda havia essas designações. Até que cheguei a chefe de divisão. Depois disso, acabei o curso e candidatei-me para outro empresa, em que comecei como chefe de serviços, passei a diretor de serviços na área financeira e depois tive também responsabilidades na administração. O primeiro emprego foi esse da Abrunheira, em ambiente fabril.
Se não tinha dificuldades financeiras, o que o levou a ir trabalhar?
Não era propriamente um grande fanático a nível dos estudos, tanto que fiz o meu curso já casado e com filhas. Ou seja, saiu-me do pêlo o ter tido essa atitude de rebeldia na adolescência. Hoje, quando vou às escolas, conto isto aos alunos, no sentido de lhes dizer que, apesar de naquela idade ser muito mais “giro” ser rebelde, isso paga-se caro no futuro. Acho que é um bom contributo que possa dar à juventude de Cascais, que tenho o orgulho de ser o concelho com menos taxa de abandono escolar.
Nessa altura não tinha vida social?
Saía muito à noite em Cascais. Nessa década de 80, tudo o que Cascais oferecia eu vivi.
O que é “tudo”?
Tínhamos o Van Gogh, o Rolls Royce, o 2001… Havia depois discotecas… Quer dizer, na altura não se dizia discotecas, dizia-se boîte, uma coisa que as minhas filhas hoje acham que uma foleirice. Mas também sou do tempo das festas de garagem. Era aí a iniciação à noite. Depois, havia boîtes onde não se ia com as namoradas. Só se ia em certas épocas do ano, nomeadamente quando havia viagens de finalistas e de estudantes, por volta da Páscoa, e depois no verão, quando havia muitos estrangeiros. No caso em concreto, estrangeiras que estavam em Cascais. Ou seja, havia boîtes para levar as namoradas e as amigas e havia as boîtes para se ir conhecer outras culturas e outros povos.
E tinha muito sucesso com as estrangeiras? Como disse que não falava línguas?
Há uma língua universal (risos). Ou seja, a exigência de línguas nessas matérias é muito baixa. Qualquer um tem capacidade para se desenrascar facilmente. Isso não era uma barreira.
Entretanto, o hóquei em patins tinha ficado para trás…
Levei o hóquei em patins até aos meus 18 anos. Ainda cheguei a ser sénior uma época, na Associação Desportiva de Oeiras (ADO). Acabei por não ter uma grande carreira no hóquei porque, na época de juniores, os jogos eram ao domingo de manhã. Por via das saídas à noite, eu muitas vezes chegava aos jogos de direta (risos). Mas ainda cheguei a fazer parte de algumas seleções distritais.
Foi um dos fundadores da JSD.
Sim, tive uma grande participação na JSD até aos meus 23 anos, quando casei. Tinha tudo estudado: bebia uns copos à noite, trabalhava de dia e depois a JSD. Mas a minha mulher não tem um grande gosto pela minha participação política ativa. Gosta de uma vida discreta e isto acaba por expor-me a mim e à minha família. Além disso, quando comecei na JSD, tinha muito pouco tempo disponível e tirar dessa fatia pequena de tempo para me dedicar à JSD era complicado. A minha mulher vai ficar zangada comigo quando ler isto. Mas lembro-me que um dia cheguei a casa e tinha na almofada um papel que dizia: “Tens de optar: ou eu ou a política”. Nessa altura, decidi deixar a política. Na verdade, já tinha interrompido a minha atividade por uns tempos, quando fui chamado para a tropa, aos 21 anos. Não me dava jeito nenhum ir. Custou muito ao princípio, mas realizou-me muito depois como homem, porque acabei por ir para o lar dos deficientes das Forças Armadas, no Lumiar. E isso confrontou-me muito jovem ainda, com 21 anos, com as sequelas da guerra, do ponto vista físico e psicológico. A minha geração tem a agradecer muito ao 25 de Abril por termos sido uma geração sem guerra. Todas as anteriores tinham passado por uma guerra. Quando saí da tropa, casei. Já namorava com a minha mulher desde os 16 anos. É um amor duradouro e bonito. Suspendi a minha atividade política aos 23. Depois nasceram as minhas filhas. Eu continuava a trabalhar e a estudar, já no Ensino Superior.
Dizem que assinou a inscrição de Paulo Portas na JSD.
Não, assinei a do Pedro Santana Lopes. Assinei com o Paulo Portas a inscrição do Pedro Santana Lopes na JSD. Na altura, veio uma indicação do Dr. Sá Carneiro a dizer que tinha lá um jovem que avaliava de forma muito positiva, em quem via um grande futuro e que gostava que ele tivesse uma participação mais ativa a nível da JSD Distrital.
E o que se recorda de Paulo Portas na JSD?
Na minha altura, havia vários jovens com uma grande capacidade política, mas havia dois que sobressaiam claramente. Um deles era Carlos Pimenta e o outro era o Paulo Portas. Evidenciavam já um conjunto de capacidades e de afirmação de liderança que sobressaíam. Existia um grupo de jovens na Distrital de Lisboa de grande qualidade, mas esses dois destacavam-se.
Carlos Pimenta foi dos primeiros ambientalistas do país.
Exatamente. O PSD colocou na agenda política as questões ambientais muito por conta dessa entrega de Carlos Pimenta.
Recorda-se por que razão Paulo Portas deixou o PSD?
Essa geração teve um período traumático que foi o assassinato de Sá Carneiro. Era de facto um líder com um carisma enorme, em quem nós tínhamos uma confiança absoluta. O Paulo era um “sacarneirista”. Considero que nunca fui “ista” a não ser “sacarneirista”. Embora depois tenha uma grande admiração por Pedro Passos Coelho. Sá Carneiro também reconhecia a Paulo Portas grandes qualidades que vieram a evidenciar-se e estão hoje evidenciadas. Depois, houve ali um conjunto de questões que se colocam sempre nos partidos que não foram do agrado do Paulo. E ele decidiu sair. Também aí com outra veia que ele já tinha muito desenvolvida. Há uma história curiosa até. Havia na altura o “Jornal Novo” e o Paulo Portas fez um artigo nesse jornal – cuja diretora era Helena Roseta – a criticar o general Ramalho Eanes, que não era apreciado dentro do PSD e por Sá Carneiro. Esse artigo levou a que Paulo Portas fosse processado, mas na altura não tinha sequer idade para ser processado. Quem acabou por ser processado e foi a própria Helena Roseta, porque era a diretora do jornal. Por isso, hoje tenho uma reação negativa quando dizem “ainda é jovem”, aos 20 e tal ou 30 e pouco. Eu com essas idades já era pai de não sei quantas filhas e já tinha de ganhar o dinheiro para a família. E o Paulo teria apenas 15 anos quando escreveu o artigo. Depois, enveredou pelo jornalismo em detrimento da política.
Acredita que Sá Carneiro foi assassinado?
Não sou eu que acredito. Houve comissões de inquérito na Assembleia da República que chegaram a essa conclusão.
Disse que Sá Carneiro anunciou que Santana Lopes tinha um grande potencial.
Exatamente, veio do gabinete de Sá Carneiro essa indicação para nós aproveitarmos aquele jovem em quem ele tinha uma avaliação muito positiva sobre o contributo que ele podia dar à JSD na época.
Chegou a trabalhar e viver em Angola e no Brasil.
Não, trabalhei em Angola e no Brasil. Nunca vivi lá, mas passava largos períodos lá.
Trabalhava para o grupo que tinha o hotel Trópico?
Sim, trabalhei na empresa que tinha o hotel, que era a Esta, uma empresa com participações na TAP e chegou a ter participações da Inatur. Basicamente, começámos com muito poucos hotéis, como o hotel Mundial, em Luanda, onde ficavam as tripulações da TAP. Era diretor financeiro e tinha de ir com muita frequência a África. Na verdade, nós tínhamos hotéis em todos os países de língua portuguesa, exceto Cabo Verde. Tive a oportunidade de conhecer todos esses países.
Depois no Brasil foi trabalhar para Sousa Cintra.
Depois da Esta, saio para ir para a Vidago Pedras Salgadas, em que o acionista era José Sousa Cintra. E estive no processo de alienação da Vidago Pedras Salgadas ao grupo Jerónimo Martins.
Como foi trabalhar com Sousa Cintra? Era fácil?
Tive sete bons anos, mas depois acabámos zangados. Quando a Vidago foi vendida, trabalhei ainda três meses para o grupo Jerónimo Martins. E tive das melhores relações com o Sr. Alexandre Soares dos Santos e ainda hoje tenho uma grande admiração por ele. Depois decidi seguir com José Sousa Cintra que tinha o objetivo de ir para o Brasil desenvolver os seus projetos.
Mas por que se zangaram?
Depois lancei com ele todo o projeto do Brasil. Lancei também com ele o projeto de Portugal, mesmo eu não o aconselhando a investir cá.
Está a falar do negócio das cervejas?
Sim. José Sousa Cintra é um homem superperspicaz, sobretudo na compra. Na área dos negócios divide-se muitas as pessoas entre os caçadores e os agricultores. E ele é um caçador. E, portanto, há coisas que nós agricultores temos de ir mantendo, temos de ir investindo e desenvolvendo. No Brasil, na altura, o mercado estava em grande crescimento. Tudo correu bem. Em Portugal, as coisas já não foram assim. E, por isso, ao fim de seis anos, tive uma conversa com José Sousa Cintra e disse-lhe que o caminho que ele estava a seguir eu não acreditava. Além disso, tinha com ele uma boa amizade e queria preservá-la e, por isso, anunciei que ia embora. Ele tentou por todos os meios que eu não o fizesse, mas eu estava determinado e saí. Passados seis meses, ele começou a insistir comigo para voltar, admitindo que tudo o que eu lhe tinha proposto de facto fazia sentido. Demorou seis meses a convencer-me, mas conseguiu e eu voltei. Foi aí que a coisa depois não funcionou, porque tudo o que ele se tinha comprometido a corrigir não corrigiu. As coisas acabaram mal.
Hoje já se falam?
Falamos, mas foi, para todo os efeitos, a pessoa que me causou mais sofrimento. Guardo dos outros sete anos belíssimas recordações, mas desses últimos tempos guardo as piores recordações e aquelas que mais me fizeram sofrer na vida.
De que sofrimento está a falar?
Fiquei desempregado com cinco filhas por não ceder contra aquilo que eram os meus valores e os meus princípios. Na altura, com quarenta e poucos anos. De um momento para o outro, senti que estava desamparado e isso fez-me sofrer bastante.
Mas ficou muito tempo desempregado?
Não, depois tive também a sorte, o privilégio e a amizade de o próprio filho de Sousa Cintra me ter convidado para trabalhar com ele. Depois, quando António Capucho se candidatou pela primeira vez à Câmara de Cascais, eu estava a gerir a construção de fábricas no Brasil e não pude aceitar ir para a Câmara, acabando por ir para a Assembleia Municipal. No segundo mandato de António Capucho, venho para a Câmara, como vice-presidente e tenho estado na Câmara desde essa altura.
Estamos a falar de que ano?
2005.
E chegou a ser presidente da distrital de Lisboa do PSD.
As coisas na Distrital do PSD de Lisboa não estavam a seguir o caminho que eu achava mais correto. E, portanto, concorri sabendo que não ia ganhar. Mas para mim só se perde quando se desiste. Além disso, tenho uma grande virtude que é ser teimoso. Por isso, não ganhei a liderança da Distrital do PSD de Lisboa à primeira, não ganhei à segunda e só ganhei depois à terceira, mas nunca perdi. É aí que depois tenho todo um envolvimento.
Quando vem para a Câmara, dava-se muito bem com António Capucho.
E não me dou mal ainda hoje.
Mas não se separaram?
Não tenho nada na consciência que me leve a ter alguma reserva sobre essa matéria. Venho como vice-presidente no segundo mandato dele. Ele sempre disse que só fazia dois mandatos e o terceiro decidiu fazê-lo porque eu o convenci. Nessa altura, estávamos em 2010, ou seja, no início de um processo muito complicado em Portugal com a crise profunda que afetou, do ponto de vista social, muitas pessoas. A Câmara tinha de dar respostas às necessidades das pessoas e as receitas da Câmara também tinham caído muito. E o António Capucho, com as alterações que tinham sido feitas já com a Troika, a nível de acumulação de vencimentos com reformas, tomou a opção de sair da câmara, que eu respeitei. Não ficámos com uma relação próxima, até porque depois ele esteve envolvido no fomento de outras candidaturas ditas independentes que concorreram contra mim. Não ficámos com uma relação muito próxima, mas temos uma relação sem problemas. Eu e o João Dias Coelho conhecíamos António Capucho desde sempre e fomos nós que o desafiámos a candidatar-se à Câmara de Cascais. O PSD aqui não tinha nenhuma credibilidade e era preciso ter uma figura com essa credibilidade que aceitasse o desafio de ser candidato.
Quando António Capucho entra sucede a Judas, certo?
O primeiro mandato de António Capucho, quando eu estava na Assembleia Municipal, é o mandato em que o PS perde a Câmara de Cascais. O socialista José Luís Judas era o presidente, mas não quis ser candidato. António Capucho sucede a José Luís Judas.
José Luís Judas privatizou o lixo na altura. No seu mandato, voltou atrás nessa questão.
Isso de privatizar é agora uma terminologia que o PCP e o Bloco utilizam. Agora, concessionou, de facto, a recolha do lixo. Como concessionou as águas e o estacionamento à superfície. Mas foi concessão, não foi privatização.
Mas voltam atrás com isso. A Câmara agora é que é responsável pela recolha do lixo.
Foi logo a seguir. Como vice-presidente, um dos pelouros com que fiquei foi o do Ambiente e o contrato que havia nós considerámos que era injusto. Tinha custos muito agravados para a autarquia. E estava a terminar uma primeira fase, por isso podia ser renovado e eu optei por ir diminuindo os serviços que estavam contratados. Até que uma sexta-feira, às 17h00, recebi por fax – coisa que já não existe – um documento a dizer “ou ficamos com tudo ou não ficamos com nada”. Aí, a minha opção foi imediata, mas isso penso que ainda tem a ver com a minha rebeldia: entre a espada e a parece decidi lutar contra a espada. Decidi que se era “tudo ou nada” eu escolhia nada.
Não deixa de ser curioso que um homem que vem do PCP, Judas, concessiona o lixo e depois vem alguém do PSD, até considerado em tempos fascista, que volta a pôr o serviço na Câmara.
Mas temos mais casos destes. É claramente ter uma noção de onde deve estar o serviço público. Por exemplo, eu sou contra a concessão das águas e só não a posso reverter porque tem um custo de reversão muito grande para a Câmara de Cascais. Também não irei estar cá na época em que vai ser renovada ou não. Mas tenciono influenciar para que não seja renovada. Isto porque há serviços que considero que devem estar na esfera pública e estes são alguns deles. O estacionamento também deve estar na esfera pública, mas por questões diferentes, por poder aplicar ou não uma política de mobilidade. Acima de tudo sou um social-democrata e dentro da social-democracia não temos nenhum dogma nem para que seja tudo público nem nenhum dogma contra as coisas privadas. Há questões que consideramos que devem estar na esfera pública e outras na esfera privada.
Uma das coisas que deu mais polémica nos últimos tempos foi ter defendido as casas devolutas devem passar para a câmara. O PSD e o CDS até se manifestaram contra. Sendo Cascais uma zona mais elitista e conservadora, quando veem o presidente da Câmara a dizer isso e a mexer com famílias…
Cascais não é uma sociedade toda com as características que referiu. Por exemplo, o surgimento dos bairros de génese ilegal incluem toda uma comunidade que tem aspiração de criar melhores condições para a família, de arriscar e de se desenvolver. Temos muitos estratos sociais, talvez com menos amplitude do que outros sítios, mas com muitas assimetrias sociais e territoriais que queremos combater.
Foi praticamente considerado comunista.
A mim essas coisas não em incomodam. Há uma questão que é a minha consciência e dentro dela e da análise e diagnóstico que faço das realidades, tendo em conta também as ferramentas que tenho tenho para cumprir as minhas funções, vivo bem com isso. Até me podem chamar coisas piores. Não é isso que me condiciona. Dentro da rebeldia da juventude, isso para mim até funciona como um tónico e dá-me alguma energia para reagir. O problema foi que as pessoas não perceberam o que eu disse. Por um lado, talvez porque me terei explicado mal e, por outro, por não conhecerem a realidade no terreno.
Nós estamos a desenvolver um plano municipal de habitação, a tentar criar uma trajetória de inversão entre a lógica da habitação social para uma lógia de cumprir a função social da habitação. Pode parecer uma troca de palavras, mas não é. Na questão da habitação social, foi fundamental ter-se acabado com as “barracas”, um processo que começou no governo de Cavaco Silva, e ter-se criado condições de habitalidade para as pessoas que estavam a viver em condições muito precárias. Isso deve-se a um governo do PSD. Mas hoje as coisas são diferentes. Agora, até me questiono se essas medidas que foram aplicadas foram as mais corretas. Houve um investimento grande em termos de habitação social e de dotação de equipamentos fundamentais para descontinuar a pobreza, na área da educação, saúde, desporto, cultura… Mas a verdade é que muitas dessas comunidades ainda vivem na pobreza. Alguma coisa falhou neste processo. O que nós estamos a tentar desenvolver é o que está na Constituição, ou seja, cumprir a função social da habitação. Nesse sentido, são vários os caminhos que podemos seguir, sendo que a escassez de recursos é tão grande que nos obriga a ter que aproveitar todos. Um deles é alguém que tem uma propriedade, que não estima, que não lhe liga nenhuma e cuja propriedade causa até problemas de segurança pública, descaracterização do espaço, etc. Tendo em conta que essas propriedades afetam negativamente a comunidade vizinha, não vejo razão nenhuma para não expropriar. A própria lei da expropriação determina que se tem de pagar um valor justo ao proprietário. Proponho isso, como propus agora o mesmo em relação ao Parque Natural, mas por uma razão diferente.
Com o incêndio, arderam 428 hectares. Na verdade, o incêndio ao todo afetou 428,5 hectares, sendo que 0,5 foram em Sintra e 428 em Cascais. Acho que devemos aproveitar esta desgraça para fazermos aquilo que deve ser feito. Tem de haver uma estratégia de ordenamento do território em ambiente rural, no Parque Natural. É preciso uma estratégia de reflorestação e repovoamento em toda aquela área. Admito que a Câmara está disposta a comprar ou a ficar com a posse administrativa. Na verdade, em relação ao Parque Natural já estamos a negociar a compra de algumas habitações.
Ao esgotar estas opções, admito que se exproprie as terras, porque em muitos casos não se tratam da expropriação de ninguém, porque os proprietários já não existem. Por via das partilhas e das heranças sem herdeiros, hoje é património edificado que já não tem donos. Aí, não vejo nenhuma razão para o Estado não cumprir as suas obrigações. E, neste caso, não havendo outro mecanismo para acionar, a solução pode passar pela expropriação. No nosso plano municipal de habitação, que vai ser apresentando em breve, está lá a possibilidade de expropriarmos 230 edifícios abandonados e estamos a iniciar esses processos.
Ainda não concluíram nenhuma expropriação?
Não, porque estamos a acionar o plano municipal. Nestas coisas, temos de ser coerentes e não andar aos ziguezagues. Muitas vezes na política vivemos de fazer coisas giras, as que ficam bem e dão uma boa capa de jornal ou uma boa abertura de telejornal. Mas depois não são consistentes. Nós temos de ser persistentes e teimosos, porque os bloqueios que às vezes existem na lei obrigam-nos a isso. Estamos a avançar nesse processo do plano municipal de habitação. Como já avançámos noutro projeto que também propus, também para o edificado e o Parque Natural, que são os direitos de preferência. No caso do edificado, já acionámos direitos de preferência.
A propósito da tragédia dos incêndios aqui em Cascais, no dia seguinte surgiram notícias de que já havia terrenos à venda.
Isso tem a ver com uma análise mais vasta que temos estado a fazer em Cascais sobre tudo o que aconteceu com o incêndio. Tivemos uma perda de 428 hectares do lado de Cascais, felizmente não teve proporções mais graves por via do trabalho que foi feito ao longo de muitos anos e da coordenação que foi estabelecida entre as várias forças de Proteção Civil e de segurança. Houve uma perda grande, mas não foi tão grande como podia ter sido se não tivéssemos feito esse trabalho, que incluiu a limpeza da serra. Agora, ganhámos algo muito importante que não quero desperdiçar e defraudar, que foi confiança. Ou seja, tudo funcionou porque os cidadãos, as instituições e organizações que estiveram envolvidas estavam num grande clima de confiança e eu sou dos que acreditam que as sociedades só se desenvolvem se se conseguirem estabelecer níveis de confiança elevados. E uma das questões que alguns populistas, demagogos e desinformados levantaram é que todo o espaço do Parque Natural ia ser urbanizado. De acordo com os dados que tenho hoje, tudo aponta para que o incêndio não tenha sido um acidente, mas sim intencional. Mas essa intenção nada tem a ver com interesses imobiliários. Depois do incêndio, nós tínhamos que continuar a garantir que esse capital de confiança não pudesse ser desperdiçado.
Mas como é que legalmente pode impedir as pessoas de venderem os terrenos?
Eu não estou a proibi-las de venderem os terrenos.
Disse que nos próximos 10 anos ninguém pode vender, certo?
Não, o que eu disse é que área ardida não será construída. Não podem é construir. E decidimos isso usando mecanismos que estão na lei. Nós temos disponíveis para negociar, ou seja, a Câmara comprar. Aliás, num dos casos já estamos mesmo a negociar a compra do terreno. Claro que isto só é feito se não houver uma perspetiva especulativa por parte do proprietário na venda do terreno. Temos disponibilidade para tomar posse administrativa e implementar a estratégia de reflorestação do Parque Natural. E, no limite dos limites, estou disponível para expropriar e isso é uma frente de ataque ao problema em que utilizo todos os mecanismos que a lei me permite. Não vou fazer nada que a lei não permita. O objetivo é transmitir à população que a confiança que foi demonstrada em todo o processo, em que houve confiança no Estado central, no Estado local, em vários organismos dependentes do Estado local e do Estado central. Houve um nível de confiança brutal, que podia ter sido abalada até por experiências traumáticas que vivemos ainda não há muito tempo, com os incêndios do ano passado que ainda estão na ordem do dia. Este capital de confiança é algo que não pode ser desperdiçado nem desaproveitado.
Mas não tem sido pressionado pelos proprietários dos terrenos?
Os presidentes de câmara recebem sempre pressões, quer seja na perspetiva económica, social ou ambiental. Dessas pressões algumas são legítimas e outras nem tanto. As que nem tanto, não sendo legítimas, não têm nenhuma adesão por parte do município. As que são legítimas ou estão enquadradas na estratégia política que apresentámos para o desenvolvimento do concelho ou não estão. E se não estão também não são para seguir. Se estão são para aproveitar e desenvolver. Mas um presidente de câmara que não saiba viver com pressões mais vale não se candidatar. O interesse público não se pode subordinar a nenhum outro interesse, mesmo que seja económico e legítimo. Isso é muito importante de ter sempre presente nas decisões que tomamos.
Qual foi a última vez que andou de comboio aqui na linha de Cascais?
Já fui frequentador do comboio, quando era mais novo. Hoje, já não sou, mas até porque vivo muito perto aqui da Câmara. Tenho utilizado o comboio por via das funções que desempenho. Mas as minhas filhas, amigos meus e familiares utilizam muito o comboio. Além disso, contacto com muitos cidadãos que são frequentadores do comboio.
Enquanto nas casas devolutas e nos terrenos ardidos defende quase uma proposta de concessão, na linha da CP defende o contrário. Acha que as infraestruturas devem ficar com a CP e a exploração com privados.
Não tenho nenhum dogma em relação a isso. O que acho é que há hoje um problema grave das urbes. Apesar de Cascais ainda não ser cidade – ainda temos uma idiossincrasia de querermos continuar a ser vila – considero que o maior desafio das cidades, e aqui incluo Cascais, vai ser a mobilidade. No caso concreto de Cascais, a mobilidade é um constrangimento ao desenvolvimento do concelho. Temos que criar movimentos pendulares, através do transporte coletivo, em detrimento do transporte individual. Isso hoje é uma evidência. O que o transporte coletivo perdeu para o transporte individual leva a que haja grandes constrangimentos no acesso a Lisboa por via da A5 e da marginal. O que foi estabelecido com o anterior governo, liderado por Passos Coelho, quando éramos presidentes de câmara António Costa em Lisboa, Paulo Vistas em Oeiras e eu aqui em Cascais, foi desenvolvermos todo um processo em que concluímos que o Estado não tinha dinheiro para fazer o investimento necessário na linha de Cascais. Então, a única solução possível para resolver o problema era o Estado manter na sua órbita as infraestruturas, ou seja, a linha propriamente dita, e fazia uma concessão de exploração dessa linha a privados, através de um concurso público, respeitando indicações da União Europeia.
Isso foi estabelecido e foi acordado a um mês das eleições. Nessa altura, António Costa tinha sido substituído por Fernando Medina. Estávamos a um mês das eleições, com o processo todo fechado e o primeiro-ministro à época, Passos Coelho, entendeu que uma decisão desta natureza não devia ser executada tão perto das eleições. E que se devia esperar pelas eleições. Aconteceu o que aconteceu: Passos Coelho ganha as eleições, mas sem condições de formar um apoio parlamentar que suportasse o governo. E o PS, que tinha ficado em segundo nas eleições, tem maioria por via do apoio do PCP e do Bloco de Esquerda. E o PCP e o Bloco colocaram as questões ideológicas à frente de solucionar os problemas dos cidadãos. Mas o governo decidiu que não ia fazer o processo de concessão.
Aí afirmei que se não fazem esse processo de concessão, é porque vão ter dinheiro para fazer o investimento público que é necessário. O problema é que metade desse dinheiro estava consignado para fundos comunitários e pelo Orçamento do Estado e a outra metade era por via da concessão. Ou seja, o investimento a fazer na ferrovia seria público e o investimento feito nas carruagens seria feito por concessão. Ora, faltava metade do dinheiro e, como o governo não tinha esse dinheiro, decidiu também que o dinheiro dos fundos comunitários devia ser direcionado para transportes públicos na cidade de Lisboa e na cidade do Porto.
Há aqui um erro complexo. Este problema com a linha de Cascais e pendular para Lisboa é um problema de Cascais, mas é um problema maior ainda para Lisboa. E o governo, em vez de arranjar condições para conter a entrada de carros na cidade, foi reforçar os transportes públicos dentro de Lisboa, em vez de fazer os investimentos necessários para que os veículos não entrem na capital. Assim, não resolveu nada, porque os carros continuam a ir para Lisboa. Com a crise que se abateu no país por responsabilidade do PS, encontrámos uma solução que era metade investimento público e metade investimento privado através da concessão.
Se o atual governo, com a maioria parlamentar que lhe dá apoio, diz que não é fazer da concessão, então tinha de garantir o investimento através do dinheiro público, principalmente quando dizem que acabou a crise. São opções e o governo claramente optou por deixar a linha de Cascais “ao deus-dará”. Além disso, enquanto o anterior governo esteve em permanente negociação com as três câmaras – uma socialista, uma independente e uma do PSD – este governo não fala pelo menos com a Câmara de Cascais. Parece-me que fala com a Câmara de Lisboa. Com a de Oeiras penso que não. E com a de Cascais posso mesmo garantir que não fala. Inclusivamente já escrevi cartas ao primeiro-ministro e ele fez o favor de me responder, direcionando o assunto para o ministro da tutela. E eu na altura disse-lhe que, com essa resposta, devia estar a antecipar uma remodelação governamental, porque com esse ministro já percebi que não vamos ter nenhum problema resolvido. Houve agora a remodelação e esse ministro ficou. Este assunto deixou de ser responsabilidade política do ministro para passar a ser responsabilidade política do primeiro-ministro. António Costa passou a ter que suportar a não solução da linha de Cascais. Ele será, na minha interpretação, o responsável político por aquilo que vier a acontecer na linha de Cascais.
Mas não acredita que vá ser consigo, enquanto presidente, que esse problema vá ser resolvido?
Não tenho dúvidas nenhumas que não vai ser comigo enquanto presidente que ele vai estar resolvido. E explico porquê. A questão que se coloca é que desde o momento em digam “está tudo decidido, há dinheiro, há tudo isso, o plano de financiamento está feito, está garantido, etc”, desde o carregar no botão até estar concluído o processo, numa avaliação muito otimista dos especialistas, são pelo menos dez anos. Ora, eu tenho um máximo possível de sete anos. Portanto, eu não tenho dúvidas nenhumas de que eu já não verei enquanto presidente de Câmara, essa ou qualquer solução implementada. Razão pela qual surge a outra alternativa que é a tal linha dedicada na A5.
Esse corredor bus não é uma ideia um bocado louca?
Louca, não. Quando eu proponho as coisas, não as proponho porque um dia acordo de manhã e “achei que”, que é um bocadinho o mal nacional, ou “é giro”. Nós estudámos isso da forma que eu gosto de fazer. Já o fazia nas empresas e faço na Câmara: juntar as academias do fazer com as academias do saber, ou seja, chamar os universitários para esta matéria e chamar os cientistas. Ou seja, quem tem competências técnicas fortes, e Portugal tem a sorte de ter grandes profissionais com essas competências. Juntar toda uma equipa multidisciplinar e estudar a situação. Depois de estudar a situação já me desloquei a locais onde essa solução foi implementada e foi implementada com sucesso. Portanto, fui verificar in loco.
Onde?
Um dos casos, que foi o caso mais grave em termos de concentração de movimentos foi o Brasil. Tinha tido o campeonato do mundo, tinha tido os jogos olímpicos e eles precisaram de montar um modelo, até porque lá não têm ferrovia muito desenvolvida, como sabemos. E, portanto, fui lá ver também essa situação. Mas há exemplos, temos aí exemplos de muitos outros lados de cidades europeias. A questão que se coloca aí é: fizemos esse estudo, aprofundámos esse estudo, chegámos à conclusão que não era louco, portanto que era algo bastante consistente e abordámos a Câmara de Lisboa nesse sentido. E, quando chegámos à Câmara de Lisboa, sem nós sabermos, a Câmara de Lisboa tinha começado a desenvolver estudos exatamente na mesma direção e os estudos eram perfeitamente compatibilizados. E viemos a perceber outra coisa, que isso agora já é a minha interpretação, não quero estar a meter foice em seara alheia, porque o trajeto que está pensado por Lisboa, leva, não só pela Segunda Circular, mas com isso permite também resolver problemas de acesso a Lisboa de concelhos como Vila Franca, Loures, Odivelas, Amadora. Ou seja, tem uma resposta para Lisboa, no sentido que há pouco estava a falar.
Esse bus não será só na A5?
Na A5, Segunda Circular e poderá, por ventura, chegar à A1.
Como é que eles chegam à A5?
Cabe ao município criar canais de espaço dedicado para que eles cheguem rapidamente.
Vamos ter paragens na A5?
Não, o objetivo é não ter paragens na A5. O objetivo é haver um fluxo suficiente que leve a que a pessoa vá da partida ao destino. Não precisa de ir parando.
Chegou a dizer que Catarina Martins e o BE estão no mesmo saco que Marine Le Pen. Acredita mesmo que ela é uma radical?
Está neste sentido, são populistas, são radicais, não têm nenhuma perspetiva de médio e longo prazo, apenas têm uma perspetiva de curto prazo. Eu não distingo como melhor um radicalismo de direita ou de um radicalismo de esquerda, um populismo de direita ou um populismo de esquerda. Ambos são perfeitamente demagogos na forma como apresentam as suas propostas.
O Bloco de Esquerda não é um partido democrático?
O BE é uma coligação de partidos. Dentro dessa coligação, um desses partidos teve um dos seus dirigentes a propor que todos nós fossemos colocados no Campo Pequeno e que fossemos metralhados. Não é propriamente algo que corresponda à perspetiva que eu tenho de uma sociedade democrática e respeitadora dos direitos do homem. Eu estive à beira de criar uma plataforma, mas agora também com a situação que está no meu partido, entendi que seria mais barulho. Mas Portugal precisa de um grande movimento que seja um movimento 25-11, ou seja, 25 de Novembro de 75, que foi de facto quando o país entrou num verdadeiro regime democrático e respeitador da liberdade. Hoje, o Partido Socialista, que não são todos os socialistas, não se diferencia muito do BE e do PCP e nós estamos a ser condicionados por esses movimentos que tentaram inverter o rumo da democracia em Portugal e a que o 25 de Novembro veio por termo. Hoje, também há uma maioria silenciosa como a maioria silenciosa da época, que levou a que o 25 de Novembro viesse repor a democracia e os princípios de abril. De facto, hoje cada vez nos aproximamos mais dessa necessidade absoluta.
Mas a criação desse movimento é a mesma coisa que dizer a criação de um novo partido.
Não, não.
Esse movimento 25-11 pode ser feito no próprio partido?
O movimento 25-11 tem de comportar sociais-democratas, democratas cristãos, socialistas democráticos, liberais e tem de ser esta formação, até porque houve algo que alterou completamente o espetro partidário português nas últimas eleições. Até às últimas eleições, o partido que ganhava, ou a coligação que ganhava, governava, dentro daquilo que também está previsto na nossa constituição.
Em que se traduz o movimento 25-11?
Acima de tudo em congregar um conjunto de vontades e de inspirações politico-ideológicas destas áreas que levem a que Portugal possa entrar num processo de desenvolvimento.
Mas isso é muito vago.
Enquanto militante do PSD, tenho obrigação de fazer com que o PSD obtenha o maior resultado possível, obviamente na perspetiva de que não acredito que o PSD nos próximos tempos consiga reunir condições para ter novamente maioria absoluta de deputados. Portanto, tem que concorrer no PSD para que ele possa ter esse desiderato eleitoral como outros militantes do CDS. Acredito que outros militantes de outros partidos dentro desta área, como o Aliança, também o façam. Agora, tem de haver necessariamente canais de comunicação, canais de convergência criados a nível destes vários partidos e eu ai tenho todo o interesse, até porque em Cascais é conhecido, eu estou em coligação com o CDS, com quem tenho as melhores relações. Todo esse movimento será no sentido de influenciar internamente cada um dos partidos consoante a militância que tem e ir buscar muitos outros que não têm militância politica mas que se identificam com esta área politica para tentarmos ter o maior resultado possível na soma dos deputados que estarão lá a representar os partidos na Assembleia.
Insinuou que não acredita que a Catarina Martins seja a líder do BE. Porquê?
Eu identifiquei isso, porque o verdadeiro líder de esquerda é o professor Francisco Louçã. Foi o grande inspirador, muito na linha de alguém que já veio demonstrar que não foi capaz de executar aquilo que propunha, o Varoufakis na Grécia, com as consequências negativas que teve. Varoufakis conseguiu que o partido dele chegasse ao poder por si. Aqui, dificilmente o Bloco de Esquerda chegaria diretamente ao poder como o Syrisa na Grécia. Aliás, lembremos que o próprio atual primeiro-ministro, quando o Syrisa ganhou na Grécia, disse que se tinha aberto uma janela de esperança e uma janela de oportunidade. Veja-se o que é que os gregos sofreram versus o que é que os portugueses sofreram. Os portugueses sofreram, mas os gregos sofreram muitíssimo mais com essas derivações que por lá tinham. Portanto, percebendo que com o atual sistema não chegariam lá, o BE refez esse posicionamento: “Se nós, Bloco de Esquerda, não conseguimos ir pelos sistemas normais, então vamos ter de provocar o caos e do caos vamos construir o modelo de sociedade”. Ora, o modelo de sociedade do Bloco de Esquerda é exatamente o oposto do modelo de sociedade que eu defendo. Em vez de terem causas estruturantes, têm causas que são de oposição aos valores e aos princípios que eu defendo. E, portanto, dentro do ambiente politico, eu só tenho de estar envolvido e habilitado para conseguir ultrapassar democraticamente essa situação que eu acho que é absolutamente perniciosa para Portugal.
O PCP não é tão nefasto como o BE?
O PC tem uma estrutura completamente diferente e tem uma história diferente. Veja o que se passou no orçamento, agora, foi o um leilãozinho entre o BE e o PCP para ver qual dos dois conseguia limpar-se junto do sei eleitorado para dizer “não, foi graças a nós que”. Mas o que eles estão a provocar é um país estagnado, é um país parado, porque eles vão pelas causas fraturantes e não pelas causas estruturantes. E isso leva a que o país esteja hoje parado no mundo. Aliás, todo o sucesso que tem sido evidenciado, era curioso comparar quanto é que estão a crescer outros países da União Europeia versus quanto está a crescer Portugal, quanto continua a ser a divida portuguesa, porque a divida é o grande garrote do desenvolvimento do país. Isso ninguém compara. É vermos como estão os nossos amigos espanhóis, como estão os nossos amigos de outros países da União Europeia e perceber que nós estamos a ficar para trás. A única coisa onde estamos a ter sucesso é beneficiar de algumas reformas que foram feitas em momento muito difícil e impostas pela Troika, que por sinal foram negociadas pelo PS, que tinha levado à falência o país. E não vale a pena virem com as histórias de que na altura o governo liderado por Pedro Passos Coelho foi mais longe do que a Troika, porque também se quisermos comparar o défice de Portugal, e eu não sou a favor de haver défice, o défice de Portugal é muito menor do que o défice de Espanha, Itália ou França. Quer dizer, estão a ir muito além daquilo que é imposto pela própria União Europeia, sem nunca esquecer que foi no Governo de Passos Coelho que se fez o ajuste de um défice de 11%, que era um défice completamente suicida, que o governo socialista nos tinha deixado, para um défice de 3%. E nunca tivemos níveis tão baixos de investimento público como agora. Obviamente, porque quiseram chegar à questão do défice.
Com a qual concorda.
Não, quer dizer, faz parte. No outro dia vi o desplante de um deputado socialista – que agora até foi premiado e chega a secretário de Estado de uma área em que não lhe é conhecida nenhuma competência –, João Galamba, a vir dar afirmar que quem tinha levado Portugal para o lixo nos ratings tinha sido o governo do PSD. Quer dizer, eu acho que quando alguém diz uma coisa destas só pode estar a gozar, porque sabe perfeitamente por que Portugal foi para o lixo e teve de recorrer à Troika. Porque ele era apoiante do próprio primeiro-ministro da época, José Sócrates. Era de uma intimidade de tal ordem que até teve um telefonema naquela época a dizer “olha, não venhas, porque eu tive uma informação que pode acontecer alguma coisa quando chegares a Portugal”. Estamos já a falar de irresponsabilidade, do tal populismo, do tal radicalismo, na tal demagogia que eu combato.
Continua sem falar com Rui Rio?
Até hoje, o presidente do partido não sentiu essa necessidade e eu confesso que também não.
Não tem essa necessidade porque acha que Rui Rio está a ir num bom caminho?
Não, não tenho essa necessidade porque não estão criados canais, e acho que é uma atitude que é legitima por parte do líder entender que não tem em mim alguém que lhe possa dar algum conselho bom, algum conselho positivo. E como tenho tanta coisa a que me dedicar aqui em Cascais e coisas positivas e coisas que são motivadoras, que quero que o presidente do partido siga a sua linha, porque é aquela em que ele acredita, sendo que eu não concordo.
Escreveu em agosto “onde anda Rui Rio”…
Fiz um alerta, porque isto pode ir até linhas vermelhas. Eu achei que aí estávamos a ultrapassar as linhas vermelhas, nomeadamente no ataque que se fazia permanentemente dentro do partido. Fiz um alerta.
Dizer “onde anda Rui Rio, o que estão a fazer” não é uma crítica?
É um alerta. Eles não podiam abandonar o terreno politico da forma como foi abandonado durante quase dois meses, com situações graves a passarem-se no país, em que era preciso de facto vir dizer “cuidado que estes senhores do governo e desta maioria parlamentar estão a provocar estas situações que nós consideramos que são perigosas e muito negativas e a nossa solução é esta”. Eu achei que era tempo demais para estarmos ausentes deste cenário politico em Portugal. Ainda para mais num momento em que se começam a definir as opções de cada um dos eleitores. Quem acompanha estes movimentos sabe que o eleitor não decide nos dois meses, três meses, quatro meses anteriores o seu voto. Começa a formar a sua decisão de voto com alguma antecedência.
Está convencido de que com este rumo Rio vai ter o resultado de que fala?
Não quero ser ambíguo. A acreditar nas declarações que eu vi e que apreciei por parte do presidente do PSD, ele está motivado e está orientado para ganhar eleições. Sabendo que não é fácil, mas foi isso que ele disse. A minha preocupação é seguindo os caminhos que temos vindo a seguir que estejamos longe, muito longe de isso ser alcançado. Daí esses alertas que achei que naquela altura deviam ser dados. T
Onde é que está o rebelde que foi convidado a deixar os Salesianos?
Se foi coisa que eu nunca fui na vida foi ser politicamente correto. Tive muito mais derrotas do que vitórias. Eu estava habituado a derrotas do ponto de vista político-partidário. Vou naquilo que a minha convicção me diz que é o sentido correto. Tenho a dizer, sobre essa matéria, o seguinte: a um ano das últimas eleições legislativas não havia ninguém em Portugal que dissesse que a coligação que estava a governar o país ia ser a mais votada. Eu próprio tinha grandes duvidas de que isso viria a acontecer. O que é certo é que aconteceu. Ouvi o líder do partido a dizer que ele tem consciência de que ele está numa posição de grande fragilidade eleitoral, mas pede que lhe deem esse voto de confiança, porque acredita que o PSD até às eleições vai conseguir recuperar essa diferença eleitoral. Eu, sendo católico, tenho uma fé enorme nos homens, portanto tenho de acreditar que isso é possível. Se me perguntarem se eu acho que é o caminho certo, eu acho que não, acho que até pode ser perigoso o resultado que nós tivermos daqui a um ano, ao ponto de por em causa, não digo a sobrevivência do PSD, porque o PSD já passou por muitas crises e soube ultrapassar todo esse processo, mas condicionar muito a própria qualidade de participação do PSD na vida politica nos próximos largos anos. Nesse sentido estou preocupado. Agora, onde é que anda o rebelde? O rebelde está em Cascais, onde quer estar, onde quer continuar a estar, onde se diverte, no sentido em que se realiza enquanto homem, enquanto cidadão, enquanto politico.
Defende a descentralização que diz ser diferente da regionalização. E diz que a descentralização só não avança por causa do BE e do PCP. Mas também diz que é contra o acordo de descentralização que Rui Rio fez com António Costa.
Eu não disse que era totalmente contra. Eu disse é que o PSD não colocou nessas negociações nenhuma matéria em que tenha ganho de causa. A informação de que eu disponho é que o PSD se limitou apenas e só a assinar o que foi proposto pelo governo. Isso sou contra, como é óbvio.
Vamos imaginar que o governo apresentou propostas que podem ser boas para o país.
Mas no caso da descentralização, o que manifestamente aconteceu foi que, tendo o PC e o BE a condicionar o governo e o primeiro-ministro, levou a que aquilo de que estamos aqui a falar não é propriamente uma descentralização. E o PSD aceitou esta descentralização que depois veio a criticar, porque a própria direção do partido já veio a criticar, porque se sentiu enganado naquilo que tinha assinado com o governo. A preocupação maior foi aparecer numa fotografia a assinar um acordo. Aí estou manifestamente em oposição. O que não impede de ter feito outra coisa a que a lei não me obrigava: fiz questão de aprovar em reunião de câmara e em assembleia municipal a posição de que Cascais aceita toda a descentralização que o governo quiser fazer. Até porque, no caso de Cascais, nós já nos substituímos ao governo em muitas áreas que estão agora na descentralização, porque o governo central faltou aos cidadãos de Cascais nessas áreas. Cascais não recebe dinheiro do Orçamento do Estado, é um dos três municípios que não recebe, os outros dois são Lisboa e Oeiras, vá-se lá perceber porquê. É um dos municípios que mais contribui para o fundo de estabilidade municipal, que é o FAM. Ninguém nos pode acusar de falta de solidariedade nacional, somos os que mais têm apostado nessa matéria. Mas, de facto, esta descentralização, se o Estado a quer fazer, então que a faça e que venha agora pôr as verbas que essa descentralização obriga. Nós estamos a fazer investimentos – e não é só Cascais, há mais municípios no país – que seriam da obrigação do Estado fazer, tanto na área da saúde como na da educação, por exemplo.
Como o Campus da Nova. O que esta obra representa para a câmara de Cascais?
Pode parecer algum pretensiosismo da minha parte, mas aqui o que marca é um movimento de desenvolvimento do concelho que eu consigo equiparar a outros dois grandes movimentos que ainda hoje têm um forte impacto em Cascais. Um deles é a escolha do rei Dom Luís e depois do rei Dom Carlos de virem de férias para cá. Até aí era uma pequena vila piscatória e, a partir dessa decisão dos reis, teve um grande desenvolvimento. O segundo grande movimento, que fez agora 100 anos, foi o pensamento estratégico que Fausto Figueiredo, que desenvolveu não só o turismo no Estoril como criou uma centralidade global. A Nova aqui vai ter esse efeito. Já se consegue percecionar, mas isto vai ter ainda um maior impacto nos próximos anos, por este ser o terceiro grande movimento em Cascais e abre um novo ciclo de desenvolvimento. Nós acreditamos que é captando conhecimento, experiência e criatividade para o concelho que estamos mais preparados para tempos caracterizados por uma grande indefinição. A Nova é o novo polo de centralidade para o concelho. E a obra é extraordinária.
Disse que não acredita que o PSD possa voltar a governar sozinho. E afirmou ainda que acha muito difícil que algum partido consiga maioria absoluta. Pensa mesmo isso? Acha que o PS não chegará à maioria absoluta com os erros que o PSD está a cometer?
Acho que faltou ao PS explicar a algum eleitorado essa alteração que promoveu que quem ganha não governa. Depois, têm de satisfazer um conjunto de várias clientelas, sem porem em primeiro lugar o interesse nacional. Trabalham por interesses setoriais. O PS não consegue satisfazer tantos grupos setoriais que leve a que o somatório desses apoios o levem à maioria absoluta. Entretanto, o leilão entre quem é o campeão das esquerdas, no campeonato que o PCP e o Bloco promovem e que é também promovido pelo primeiro-ministro, tem um limite. Passando o limite passa a ser ingovernável. Eu não acredito que o PS tenha maioria absoluta.
Qual poderia ser o fator determinante para terem ou não terem maioria? Os professores, os médicos…?
Eu acho que não há nenhum setor que tenha força suficiente. O que conta é a conjugação de todos esses setores, daí António Costa ter decidido fazer esta remodelação do governo mais profunda do que era expectável. Até na remodelação o primeiro-ministro cumpriu as exigências do PCP e do Bloco. Percebe-se que eles entram porque representam uma área mais do socialismo democrático e outros que entram porque representam uma área mais bloquista dentro do PS. Costa entra na compensação, ou seja, mete uns de um lado e outros de outro. Mete também muitos do passado: são muitos os ex-governantes de José Sócrates que estão a regressar ao governo, para tentar também compensar alguma contestação interna. Ou seja, António Costa neste momento é um gestor de compensações e isso sabemos que na política pode funcionar num primeiro momento, mas dificilmente funciona a médio prazo. Os eleitores hoje são muito mais esclarecidos do que eram há um tempo atrás.
Como político, como é que diz que está muito bem na sua vida de Cascais e não acha que pode ter um papel importante no país para combater essa situação? Por que não pensa, por exemplo, em candidatar-se a primeiro-ministro?
Posso responder em duas vertentes, a política e a pessoal. Na vertente política, eu sempre defendi que nós devemos assumir os nossos compromissos. E eu, para já, tenho um compromisso de três anos com Cascais. Segundo, eu considero, de uma forma muito sincera, que nós devemos ter uma capacidade de avaliar onde é que fazemos a diferença e acrescentamos valor e onde é que isso não acontece. Eu considero, sem falsa humildade, que estou a desempenhar um excelente papel enquanto presidente de câmara e não seria capaz de desempenhar um excelente papel enquanto primeiro-ministro. Tenho essa consciência.
Acha que não dava um bom primeiro-ministro?
Tenho a certeza que não dava um bom primeiro-ministro. Do mesmo modo que tenha a convicção que estou a marcar a história – nem que seja da minha comunidade mais próxima – e a criar modelos de desenvolvimento que terão repercussões muito positivas no futuro.
Qual é a diferença entre gerir uma câmara e gerir o país?
Eu acho que também há câmaras que são muito difíceis de gerir também. Eu em Cascais conhecia bem, e hoje conheço ainda melhor, todas as variáveis e as dinâmicas que Cascais tinha e tem. No país é muito difícil de ter essa perceção e, portanto, teria aí uma dificuldade. Segundo, eu tinha muito claro para Cascais qual era a estratégia em que nós devíamos apostar. E uma coisa que não acontece no país é essa clareza de estratégia e eu também não tenho. Além disso, estou consciente que a política nacional é muito influenciada pelo poder supranacional e eu não tenho essa experiência. São mecanismos que não domino e que acho que hoje um primeiro-ministro tem de dominar por completo, especialmente a nível da União Europeia, mas também a nível da política internacional. Não é claramente uma área em que eu tenha capacidade acrescida.
Acredita, como já disse várias vezes, que vai ganhar as próximas autárquicas?
Estou a trabalhar para isso. Isto não é só dizer que se vai ganhar, é trabalhar para que isso possa acontecer. Fazendo uma análise das várias variáveis de Cascais e dos vários contactos que eu tenho feito de forma muito permanente com a população, leva-me a acreditar que sim. Se tiver cá os sete anos que faltam para completar o máximo, os 12 anos, saio da câmara com 64 anos. Ou seja, com uma idade que me permite ainda ir repor, voltando a trabalhar no privado, um rendimento que me possibilite ter uma velhice simpática, sem grandes preocupações financeiras. Para isso, preciso de voltar à atividade privada. Agora, isto não quer dizer que não queira ter uma participação ativa na política. Não deixarei de ter essa participação, inclusive dentro do meu partido. Mas não assumirei nenhum lugar de liderança nem com responsabilidades executivas, depois de sair da câmara de Cascais.
Quem passa pela política depois tem o caminho bem encaminhado.
Isso foi uma alteração significativa desde as últimas eleições. Se no passado se consegue identificar muitos políticos com responsabilidades governativas que depois melhoraram o seu rendimento quando voltaram à vida privada, do último governo já é difícil.
Mas de governos recentes não faltam exemplos.
Não, eu estou a falar do mais recente, liderado por Pedro Passos Coelho. Tem pessoas que hoje nem sequer conseguiram recuperar a posição e o rendimento que tinham antes de irem para o governo. Quando a tendência no passado era que o nível de rendimentos dos políticos aumentasse significativamente quando saiam do governo.
Chegou a atacar militantes que atacavam Passos Coelho, como Marques Mendes. O que pensa do abandono de militantes, como o Martins da Cruz? E como vê os ataques de Rui Rio aos críticos a aconselhá-los a sair do PSD?
Vejo mal. Aliás, na altura escrevi sobre isso, porque senti a necessidade de fazer um alerta para que não insistissem nesse caminho.
Mas ainda há duas semanas continuava nesse caminho.
A meu ver, é por duas razões. Primeiro, é porque não aprendeu. Continua convicto de que o caminho que quis seguir é o certo. E a segunda razão é que o presidente do PSD não valoriza os meus conselhos, razão pela qual não sentiu a necessidade de falar comigo até agora. Mas isso não torna uma má atitude numa boa atitude.
E sobre a saída de Santana Lopes, de quem penso que é amigo pessoal?
Não somos propriamente amigos. Temos uma boa relação, do tempo da JSD. Mas essa relação também já teve os seus picos e as suas variáveis de maior proximidade e menor proximidade, o que é natural.
Mas como encara a criação da Aliança?
Em primeiro lugar, não concordo e tive oportunidade de lhe transmitir isso. Sempre fui defensor de que a luta se faz por dentro e não por fora. Portanto, acho que ele tinha ainda um capital para desenvolver dentro do partido e, por isso, não posso estar de acordo. Mas claro que respeito a liberdade de cada um e as opções que cada um quer tomar. Outra coisa diferente é não compreender que a formação de um partido como a Aliança pode ser favorável a este ambiente político. Ou seja, a Aliança pode vir a ser muito positiva se for buscar franjas de abstenção que não se identificam neste momento nem com o PSD nem com o CDS. Agora, isto exige que a Aliança – que eu acredito que não é só um homem, mas sim uma estrutura partidária – faça mais do que tem feito nos últimos meses.
Acha que eles não têm feito muito?
Até agora, tirando a declaração de princípios, não conheço outras propostas que tenham vindo a ser produzidas.
Penso que não vai tirar votos ao PSD? Acha que é apenas à abstenção?
Não, alguns votos certamente tirará. Eu até cheguei a ver uma sondagem que dizia que a Aliança tirava votos ao PSD, ao CDS e ao Bloco de Esquerda. Por isso, eu não tenho essa capacidade de clarividência de dizer que ao PSD não vai tirar nem um voto. Acho que não será onde terá maior impacto. Onde pode ter maior impacto – e isso depende do trabalho e sucesso da Aliança – é na forma como pode ir buscar votos à abstenção de pessoas que não se reveem no PSD e CDS. Pode ser polémico o que eu vou dizer, mas eu até desejo que sim. Ou seja, uma vez que esses votos estão perdidos quer para o PSD quer para o CDS, ao menos que não vão para abstenção, porque a abstenção favorece as esquerdas.
Mas qual acha que foi o motivo para Santana Lopes deixar o PSD?
Na minha interpretação, ele aspirou que, depois das eleições internas, pudesse haver uma lógica de complementaridade com o líder do partido eleito, Rui Rio. E isso não veio a verificar-se por, segundo o que percebi, falta de vontade de Rui Rio. Depois disso, Santana Lopes sentiu que já não havia um bom ambiente.
No seu caso, o líder do partido também não fala consigo e não foi por causa disso que deixou o partido e é o presidente da câmara mais importante do PSD.
Mas eu não fiz a mesma avaliação que Pedro Santana Lopes fez. Para mim, é possível continuar a seguir os ideais da Social-Democracia e a lutar por dentro.
Recentemente, houve militantes mais idosos que abandonaram o partido, porque foram obrigados a apresentar o IRS para não terem de pagar quotas. Mesmo com todas estas polémicas acha que Rui Rio pode chegar a primeiro-ministro?
Eu acho que cada vez fica mais difícil, por isso é que eu fui fazendo alertas. Já percebi que Rui Rio não é um formador de equipas, ou seja, o partido não funciona com equipas. Já eu sempre me habituei a liderar em equipa. Respeito o método e até conheço líderes que se afirmaram não liderando em equipa, mas não conheço nenhum líder que sem equipas se consiga afirmar, mesmo não as liderando. Portanto, acho que está cada vez mais perigoso o resultado que o PSD possa ver a obter nas eleições. Ao mesmo tempo, ele tem legitimidade para escolher as opções que está a escolher. Depois, terá a responsabilidade das decisões que tomou e dos resultados que obtiver.
Rui Rio é um pacóvio, como diz Martins da Cruz?
Eu não levo as coisas para esses termos. Eu acredito que Rui Rio foi presidente de uma câmara que é a quarta maior câmara do país. Eu sou líder de uma câmara que é a quarta maior câmara do país. A primeira é Lisboa, a segunda Sintra e a terceira Gaia, de acordo com o número de habitantes. Eu sinto que não tenho capacidades para ser primeiro-ministro e Rui Rio, numas circunstâncias muito idênticas às minhas, acha que tem. Mas isso é uma avaliação que cada um tem de fazer sobre si próprio. Eu sou cada vez mais defensor de que o líder do partido não tem de ser o candidato a primeiro-ministro. Hoje, as razões que levam alguém a atingir a liderança de um partido são muito diferentes daquelas que garantem que tem as condições necessárias para ser primeiro-ministro.
Isso nunca foi feito em Portugal.
Não. Ainda admiti, por breves momentos, numa meia hora má que tive, poder ser candidato a líder do partido, assumindo que não seria eu o candidato a primeiro-ministro. Mas a tradição e a experiência em Portugal não apontam nesse sentido.
Dentro do PSD, quem é que acha que teria as competências para ser primeiro-ministro? Se não fosse Rui Rio o candidato, quem é que podia ser?
Eu acho que, nas próximas eleições internas, que serão cerca de cinco meses depois das legislativas – marcantes para o que acontecerá internamente –, no cenário de não vitória do PSD, Rui Rio quererá ser candidato novamente.
Carlos Carreiras não admite poder ser candidato à liderança do partido?
Isso está completamente afastado. É preciso perceber a dinâmica de eleições no PSD. Acho que é muito difícil pedir-se a alguém que tenha no seu projeto de vida a aspiração de ser líder do PSD que não o faça. Portanto, eu respeitarei todos os candidatos, em alternativa a Rui Rio. De acordo com os estatutos do PSD, se não houver maioria do vencedor tem de haver segunda volta. É necessário que esses projetos alternativos construam linhas que lhes permitam que, passando à segunda volta, tenham o apoio dos restantes. Essa vai ser a minha preocupação nessa altura, se as coisas acontecerem como eu estou a dizer. Mas não estive como apoiante de Rui Rio. Até agora não vi nenhuma razão para vir a estar e o mais provável é não ser apoiante de Rui Rio nas próximas eleições internas do PSD.
Acha que Rui Rio é democrata? Não acha que tem tiques de autoritário?
Há democratas com tiques de autoritarismo. Eu não ponha isso nessa dicotomia de “não é democrata porque tem tiques de autoritarismo”.
Mas Rui Rio tem tiques de autoritarismo?
Ele já o tem vindo a demonstrar ao longo da sua carreira política, quer como presidente da câmara do Porto quer como líder do partido. Agora, o que acho mais grave nisso é que eu considero que isso acontece não por defeito, mas por feitio. Ou seja, é muito mais difícil de corrigir. E, por isso, reduzo o meu campo de esperança de que possa ser coerente com aquilo que disse que estava consciente de que o PSD não tinha ainda uma apreciação positiva dos portugueses, mas que chegaria às próximas eleições com essa apreciação positiva.
Admite que ele um dia o convide a sair do partido?
Na teoria, posso admitir tudo, mas o grau de eficácia disso é nenhum. Não há convite nenhum de nenhum presidente do partido que me fará abandonar um património que eu também ajudei a construir.
A deputada Teresa Morais escreveu um texto onde diz que há uma perseguição dentro do PSD e que tudo o que tem a ver com Passos Coelho é para abater. O que pensa disso?
Eu subscrevo essa perceção que a Teresa Morais exprimiu. Eu acho que é uma das coisas que eu considero mais irresponsáveis por parte da atual liderança. E quando falo na atual liderança não me refiro só a Rui Rio, mas sim a ele e aos que estão à volta dele. Desbaratar o património que foi construído pelo PSD e por Passos Coelho, em circunstâncias de uma enorme dificuldade, que conseguiu conduzir o país evitando ruturas sociais graves, criando motores de desenvolvimento económicos – muitos deles de que o governo atual está a beneficiar – e que reduziu em três anos um défice de mais de 10% para 3%, é falta de senso. E isso eu vejo com preocupação. Tenho muitos militantes a contactar-me e a incentivar-me a assumir responsabilidades que não quero assumir. Quando vejo o único órgão do partido que faz oposição, que é o grupo parlamentar, a ser desvalorizado pelo partido, não é algo que possa encarar de forma positiva.
Mas dentro do partido todos percebem que as coisas estão mal e não fazem nada?
Tudo o que se faça contra Rui Rio acho que é ainda mais prejudicial para o partido. Trata-se de uma contenção de danos. Muitos militantes defendem que se devia fazer um movimento para alterar significativamente a situação.
Já foi criado um movimento por André Ventura.
Não sou defensor de que se ataque populismo apostando no populismo. Não vou por aí. Na política como na vida, nós não temos uma folha em branco onde podemos desenhar o que quisermos, temos um conjunto de circunstâncias. Nas circunstâncias atuais, eu considero que seria muito mais prejudicial ao PSD estar a criar um movimento dessa natureza e uma descredibilização ainda maior do que a já existe.
Estão para o Rui Rio como o Bloco e o PCP estão para o PS?
Eu acho que o Bloco de Esquerda e o PCP estão ainda melhor para o primeiro-ministro do que nós estamos para o líder do partido, porque eles condicionam e influenciam de forma determinante. Nós não influenciamos de maneira nenhuma.
Já esteve totalmente ao lado de Marcelo quando muitos estavam contra, na altura em que ele era líder do PSD. Hoje ainda está assim tão próximo do Presidente?
Estou, completamente. O Presidente da República é hoje o único líder político em Portugal de quem uma parte substancial do eleitorado se revê.
Concordou com a posição do Presidente de não recondução da PGR?
É uma matéria que eu não domino tecnicamente e politicamente. A área da justiça não é a minha especialidade. Acho que sobre essa matéria o que faltou acima de tudo foi um assumir de explicações de todo o processo. Eu tenho para mim que Joana Marques Vidal não queria continuar e que informou a ministra da Justiça que, com alguma impreparação política, deu essa informação. Foi aí que tudo começou. Aí, houve falta de preparação política da ministra que lançou isso na agenda de forma extemporânea.
Mas acha que Marcelo esteve bem no papel da não recondução? Ele disse que escolheu a nova PGR.
Eu não fiquei com essa ideia de que foi ele que a escolheu. O que eu percebo deste processo é que houve uma vontade de Joana Marques Vidal, que admiro muito, de não prosseguir no cargo.
Acha que o Presidente da República não tem estado colado ao governo?
Acho que um Presidente da República não é um órgão de oposição. O Presidente da República é um órgão que tem de criar condições para que o governo governe bem, dentro dos limites e do respeito da Constituição. Portanto, se alguém pensa que é no Presidente da República que vai colocar a obrigação de ser o líder da oposição, na falha das que deveriam ser as lideranças da oposição, então vê o processo de forma invertida. E tem de avançar para uma maioria parlamentar para evoluir para uma Constituição completamente diferente desta. Não é isso que é suposto fazer um Presidente da República. Eu não conheço nenhum Presidente da República que, numa primeira fase, não tenha sido um garante de bom governo para o governo mesmo que fosse de cor diferente, como Cavaco Silva com José Sócrates ou Mário Soares com governos do PSD. Foi essa a maneira que arranjaram. E depois têm de obedecer apenas à Constituição.
Marcelo Rebelo de Sousa pode ser reeleito com votos do PS?
Só alguém muito desatento é que não percebe que a Presidência de Marcelo tem hoje uma adesão muito generalizada por parte dos cidadãos do país. E essa tendência é demonstrada nas sondagens. Acompanhando o Presidente da República, por exemplo, quando vem ao concelho de Cascais – certo que é um concelho sociologicamente e politicamente mais próximo – percebe-se isso.
As pessoas diziam que Isaltino “roubava mais fazia”. E depois apareceu Carlos Carreiras que tem a fama de “fazer sem roubar”. O que acha de Isaltino?
Isaltino Morais não foi condenado por nada que tivesse a ver com roubos, corrupção, usurpação do poder… Foi por questões fiscais. Devemos ter em conta também outra coisa. A forma como as coisas se processavam num passado não muito distante é muito diferente de como se processa hoje, quer em termos de fiscalização quer em termos de funcionamento do Estado. Acredito que um conjunto de práticas que eram absolutamente admissíveis num passado não muito distante mudaram de uma forma muito radical. Eu tenho a sorte de já ter entrado na vida política e executiva depois dessa parede ter caído abruptamente. Depois, todos os que vinham de trás bateram contra a parede. Os que vieram a seguir já não tinham esse problema. Agora, é preciso reconhecer que Isaltino Morais foi muito importante para Oeiras. E a população reconheceu esse trabalho que ele fez em Oeiras.
Põe a hipótese de André Ventura fazer parte de um bloco de centro-direita se avançar com um partido?
Acho que, se quer enveredar pelos populismos e por dizer coisas que acha que uma fatia do eleitorado gosta de ouvir e se defende e pensou realmente aquilo que disse, não está em nenhum ambiente político que eu defenda ou em que eu possa estar presente.
Disseram-me que num passado bem recente esteve próximo das ideias do PT no Brasil. Continua a defender Lula?
Essa questão tem de ser datada. Isso começou num dia em que fiz uma visita a um distribuidor da empresa onde trabalhava, no estado de Mato Grosso do Sul, no Brasil. Nessa visita, fiquei lá a dormir e fomos jantar. Eu estava longe de saber qual era a inclinação política dessa pessoa. Estávamos em pré-campanha eleitoral no Brasil, que levou à primeira vez que Lula foi eleito e ele pergunta-me como é que eu via a situação política brasileira, nomeadamente a possibilidade de Lula poder ganhar. E eu disse que via bem, porque ele não ia ter condições de alterar a política económica de Fernando Henrique Cardoso – que era muito positiva para o Brasil – e tem um conjunto de preocupações de ordem social que, até pela origem dele, pode dar um sinal positivo: o Lula fará uma distribuição da riqueza com maiores preocupações sociais, o que levará a que muitos cidadãos brasileiros que hoje não são consumidores – e não eram consumidores naquela altura – passem a ser consumidores e o mercado interno do Brasil tenha uma evolução muito positiva. Nesse sentido, até vejo como positivo ser o Lula ganhar. Ora, eu não sabia, mas essa pessoa com que eu estava a jantar era do comité… dos órgãos nacionais do PT e, na altura, o PT estava a ser acusado de que, se ganhasse, o investimento estrangeiro afastava-se do Brasil. Então essa pessoa disse: eu sou desses órgãos.. não sei o nome exato… do PT e aquilo que você me está a dizer é muito interessante e para nós é muito importante. Você não se importava de fazer umas palestras em que explicava essa sua teoria de que…? Ao fim e ao cabo o que ele queria era que o capital estrangeiro não foge, antes pelo contrário sobe, porque o mercado interno brasileiro vai aumentar de uma forma substancial. Eu respondi: olhe, eu não sou político, tem de falar com o meu acionista para saber se posso fazê-lo. E eu acabei por fazer três, quatro sessões nesse sentido.
Nunca se encontrou com Sócrates nessa altura?
Não, nunca me encontrei. Só aqui em Cascais nas funções de vice-presidente e ele primeiro-ministro. Bom.. mas até fiquei algo preocupado com o marketing brasileiro, porque em pelo menos uma dessas sessões eu fui apresentado como sendo um grande investidor, que não era (risos) e em que o senhor Américo Amorim, o engenheiro Belmiro de Azevedo e o senhor Alexandre Soares dos Santos eram meus funcionários… E eu dizia: vocês têm de ter atenção na forma como me apresentam, porque eu ainda me convenço disso, começo a gastar com o cartão de crédito e quando chegar a Portugal sou preso.
Hoje, se fosse brasileiro, votava Haddad?
Não. Para já, nessas coisas gosto muito de respeitar o país, a sua autodeterminação e a sua independência. Vejo com muita preocupação, porque gosto muito do Brasil e aprecio o povo brasileiro. E, mais do que isso, acho, por outra lógica, a comunidade afro-ibero-latino-americana é uma superpotência que não se tem afirmado e dentro desta comunidade o Brasil é, obviamente, um dos maiores. Enquanto membro desta comunidade, vejo com muita preocupação a evolução das coisas no Brasil, porque qualquer uma das soluções que se apresenta não é boa.
Os brasileiros são uma força aqui em Cascais, não são? São uma das maiores comunidades aqui? Grandes investidores…
Não, não são.
Mas os brasileiros gostam muito de Cascais?
Mas quem é que não gosta? Cascais tem mais de 80% das nacionalidades do mundo. E eu costumo dizer que, em Cascais, ninguém é estrangeiro porque estão todos integrados na nossa comunidade.
Você é o presidente do Mónaco de Portugal?
Não faço a mínima ideia. Para já, porque sou republicano, não sou monárquico. Segundo, sou dos que, por exemplo, acredita que Lisboa tem grandes vantagens por estar na periferia de Cascais.
Cascais não será, à semelhança de Loulé, das terras que mais dinheiro recebem de estrangeiros?
Infelizmente não há essa estatística apurada a nível nacional, não é? Mas temos uma presença estrangeira em Cascais muito importante, que tem sido importante ao longo dos tempos, mas também caracterizada por aquilo que é a componente sociológica de Cascais, que são… nós não temos só estrangeiros, digamos, ricos, também temos estrangeiros pobres, não é por aí que a coisa vai… Temos é de garantir que haja uma boa coesão social e uma boa integração em Cascais e isso é através de políticas que desenvolvemos. Ainda hoje a minha filha, que não gosta de política, disse isto numa entrevista (e mostra vídeo da filha)…
Sai ao pai, portanto…
(Continuando a mostrar o vídeo) Ela vai dizer que gosta de fazer política…
A propósito de filhos, tem na sua câmara as filhas de Balsemão e de Helena Roseta?
Temos na Câmara duas excelentes profissionais, por quem tenho grande respeito do ponto de vista política e que, por sinal, são filhas das pessoas que referiu. Não estão na Câmara por serem filhas de quem são, mas pelo valor que têm.
Claro. O Mónaco é um território que tem grandes restaurantes e animação noturna. Porque é que Cascais não tem animação noturna?
A noite que nós identificamos no nosso tempo de juventude já não é a noite de hoje.
A minha continua a ser.
Você tem essa particularidade. Eu já não sou frequentador da noite como fui em tempos. Mas a noite, hoje, já não é igual à do meu tempo de frequentador da noite. Até porque hoje a noite começa a partir das três da manhã e antes acabava às três da manhã, se tanto. Depois, não cabe a uma autarquia…
Mas tem a ver com licenças, também…
Não cabe à autarquia tomar iniciativa de investimento, não é propriamente de interesse público o investimento na noite. Até hoje não travei, incentivei, mas é uma resposta que tem de vir do privado.
E a sua relação com o Casino é ótima, não é?
Tenho uma boa relação com o Estoril Sol, não só por via do conhecimento que tenho há muito nos em relação a alguns administradores, mas acima de tudo pelo reconhecimento que faço da importância do Estoril Sol para o concelho.
Gostava de lhe perguntar ainda sobre os passes da Grande Lisboa e Porto.
Não são do Porto e de Lisboa, são do país. Em 100, Lisboa tem uma comparticipação para aí de 60, o Porto de 35, o resto do país 15. A área metropolitana de Lisboa leva 60% da fatia, o Porto 35% e no resto do país todo, para resolver o mesmo problema são para aí 15%. Mas é uma medida muito positiva, aliás defendi-a a seu tempo e só posso elogiar o governo… (já me estou a aproximar do dr. Rui Rio) na medida que tomou. Foi uma medida que defendi e ajuda. Mas, para o lado de Cascais, a pergunta que fica é: a medida é boa, a medida é importante, mas pode ter pouca eficácia. Se eu não tiver transportes públicos para utilizar a medida, não adianta nada.
A curiosidade pela maçonaria chegou a fazê-lo ser iniciado nesta sociedade secreta? Faz ou não parte de uma organização do Opus Dei?
Curioso fazer-me essa pergunta, com essa associação. De facto, quando cheguei à Câmara de Cascais como vice-presidente assumi pelouros tão importantes como o urbanismo e o ambiente, a maioria das pessoas não me conhecendo, só encontraram uma explicação para ter tanto poder na opinião delas: ou era da Opus Dei ou era da Maçonaria, mas de facto não era, nem sou de nenhuma das duas, embora tenha tido contactos com qualquer uma delas e tenha formado a melhor opinião sobre as pessoas que conheci nas duas. Aliás penso que têm um deficit de informação e de afirmação que seria muito benéfico para a comunidade, por via dos valores e dos princípios que as norteiam. Sou um homem religioso e com a minha mulher frequentamos a Equipa de Nossa senhora, que é um movimento de leigos católicos. Uma vez por mês reunimo-nos com outros casais católicos e rezamos juntos. Já agora o fundador das Equipas de Nossa Senhora foi o Padre Caffarel, também conhecidas como Equipes de Notre-Dame.
O que tem a dizer do envolvimento do seu nome no caso Vistos Gold?
O meu envolvimento no caso Vistos Gold? Não tive. Apenas fui indicado pelo Ministério Público como testemunha da acusação, mas de facto nada tive a ver com os Vistos Gold, a não ser ter uma posição política contrária aos mesmos pela forma como estava estabelecido o acesso, embora perceba que na época foram muito importantes para fazer ingressar no país meios financeiros que eram muito escassos.