EMEL. “Numa situação de emergência não deveríamos fazer nada?”

EMEL. “Numa situação de emergência não deveríamos fazer nada?”


Fonte da EMEL contou ao i que o envio da polémica mensagem antes da tempestade Leslie terá sido validado por “todos os organismos municipais” e que a proteção dos dados não terá sido posta em causa


A passagem do furação Leslie provocou estragos a norte de Lisboa, mas foi na capital que centenas de lisboetas receberam um SMS enviado pela EMEL a alertar para os perigos da chuva e vento forte. A mensagem, para alguns, só chegou na manhã seguinte à passagem da tempestade.

“Porque é que a EMEL fez isto? Porque é uma entidade que também tem responsabilidade na gestão do espaço público”, começou por explicar fonte da Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL) ao jornal i, deixando ainda a posição de que, para a empresa, a “proteção do cidadão é um bem maior”.

No final da manhã de 13 de outubro, dia da tempestade, os organismos municipais de Lisboa – Proteção Civil Municipal, Polícia Municipal, Regimento de Sapadores Bombeiros, Câmara Municipal de Lisboa (CML) e todas as juntas de freguesia da cidade – reuniram-se para decidir a melhor forma de alertar os munícipes.

 “Foi considerado relevante que se tomasse alguma precaução para avisar os lisboetas, dada a perspetiva que havia de entrar por Lisboa o furação Leslie”, conta fonte da EMEL. “De todos os serviços municipais presentes, a EMEL era a que tinha uma base de dados mais significativa, que resultava de todos os contactos, tanto das bicicletas partilhadas como dos residentes que pedem dístico e deixam contacto, e também do epark.”

A preocupação com as pessoas e as infraestruturas terá estado em cima da mesa durante a reunião e “entendeu-se que a melhor forma de chegar a um número maior de residentes seria, efetivamente, fazê-lo através da EMEL”. Nesta mesma reunião ficou também decidido qual o conteúdo do aviso.

 No entanto, o remetente da mensagem e o início da mesma, em que se podia ler “Aviso Proteção Civil”, causou alguma estranheza nas pessoas que a receberam entre as 18h de sábado e a manhã de domingo, um atraso que se deveu a “razões de natureza operacional e mecanismos de transmissão de mensagem” alheios à empresa municipal.

Depois de, para os lisboetas, a tempestade não ter passado de um susto e, para os habitantes de Figueira da Foz, Condeixa e Coimbra, ter sido uma noite de terror, em conferência de imprensa, Duarte Costa, comandante da Proteção Civil, disse que a autoridade “não teve qualquer responsabilidade naquilo que era a emissão das mensagens” e que teria ficado inclusive concluído que a tempestade teria rota incerta e que o envio da mensagem iria “levantar alarmismos”.

No início dessa semana, a EMEL viu o envio deste aviso ser investigado pela Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD).

A questão em cima da mesa diz respeito ao uso indevido e proteção dos dados de milhares de lisboetas.

“Não facultamos os dados a ninguém, legalmente não podemos ceder a nossa base de dados a ninguém”, disse a empresa, respondendo às notícias que davam conta do uso dos dados da EMEL por outrem.

“Caso a comissão de proteção de dados nos diga que em caso algum os podemos usar, obviamente que nós cumpriremos, mas não deixa de ser caricato como, numa situação de emergência, uma empresa que tem a gestão do espaço público esteja inviabilizada de usar esses meios”, afirmou a mesma fonte.

O processo de averiguações irá agora apurar em que circunstância terá sido tomada a decisão e enviada a mensagem.

“Mas o que estão a dizer-me? Que numa situação de emergência sinalizada não deveríamos fazer nada? O que é feito da humanidade das pessoas?”, questionou, dado o aceso debate à volta da pertinência e importância da mensagem e consequentes queixas recebidas.

 “Fizemo-lo na melhor das intenções e para prevenir algo”, “numa perspetiva de serviço público e de alerta para o que se passaria em Lisboa”.

O que aconteceu a posteriori noutras zonas do país é usado pela mesma fonte da EMEL como exemplo do perigo que a capital poderia correr e da necessidade de avisar a população para “os estragos de milhões e milhões de euros” que a tempestade poderia ter provocado na capital.

Do ponto de vista da segurança, “o que abunda não falta”, diz a fonte, apontando ainda um possível “preconceito em relação à empresa” face às 30 queixas, até agora contabilizadas, num universo de 370 mil mensagens enviadas.

O caso continua a ser investigado, mas durante a semana que passou foram muitas as reações de alguns órgãos municipais.

A CML defende ter sido “relevante” o uso da base de dados da EMEL, dada a “necessidade de alertar o maior número de pessoas”.

A opinião foi reforçada por Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa, em assembleia municipal, onde afirmou ser “absurdo” o debate à volta da mensagem e esclareceu que usará “todas as bases de dados” para cumprir a “principal missão, que é proteger a cidade de Lisboa”.

 “Absurdo é ouvir responsáveis da Proteção Civil do país a dizerem que não emitiram mensagens para as populações afetadas porque o protocolo com a Comissão Nacional de Proteção de Dados só lhes permite enviar mensagens em caso de fogos rurais”, vincou ainda.