Carlos Carreiras. “Sei que não daria um excelente primeiro-ministro”

Carlos Carreiras. “Sei que não daria um excelente primeiro-ministro”


Na segunda parte de uma grande entrevista, Carlos Carreiras confessa que tem recebido vários incentivos para avançar para a liderança do PSD, mas diz que não terá outras responsabilidades de liderança para além da câmara de Cascais


Chegou a dizer que Catarina Martins e o BE estão no mesmo saco que Marine Le Pen. Acredita mesmo que ela é uma radical? 

Está neste sentido, são populistas, são radicais, não têm nenhuma perspetiva de médio e longo prazo, apenas têm uma perspetiva de curto prazo. Eu não distingo como melhor um radicalismo de direita ou de um radicalismo de esquerda, um populismo de direita ou um populismo de esquerda. Ambos são perfeitamente demagogos na forma como apresentam as suas propostas. 

O Bloco de Esquerda não é um partido democrático? 

O BE é uma coligação de partidos. Dentro dessa coligação, um desses partidos teve um dos seus dirigentes a propor que todos nós fossemos colocados no Campo Pequeno e que fossemos metralhados. Não é propriamente algo que corresponda à perspetiva que eu tenho de uma sociedade democrática e respeitadora dos direitos do homem. Eu estive à beira de criar uma plataforma, mas agora também com a situação que está no meu partido, entendi que seria mais barulho. Mas Portugal precisa de um grande movimento que seja um movimento 25-11, ou seja, 25 de Novembro de 75, que foi de facto quando o país entrou num verdadeiro regime democrático e respeitador da liberdade. Hoje, o Partido Socialista, que não são todos os socialistas, não se diferencia muito do BE e do PCP e nós estamos a ser condicionados por esses movimentos que tentaram inverter o rumo da democracia em Portugal e a que o 25 de Novembro veio por termo. Hoje, também há uma maioria silenciosa como a maioria silenciosa da época, que levou a que o 25 de Novembro viesse repor a democracia e os princípios de abril.  De facto, hoje cada vez nos aproximamos mais dessa necessidade absoluta.

Mas a criação desse movimento é a mesma coisa que dizer a criação de um novo partido. 

Não, não. 

Esse movimento 25-11 pode ser feito no próprio partido? 

O movimento 25-11 tem de comportar sociais-democratas, democratas cristãos, socialistas democráticos, liberais e tem de ser esta formação, até porque houve algo que alterou completamente o espetro partidário português nas últimas eleições. Até às últimas eleições, o partido que ganhava, ou a coligação que ganhava, governava, dentro daquilo que também está previsto na nossa constituição. 

Em que se traduz o movimento 25-11?

Acima de tudo em congregar um conjunto de vontades e de inspirações politico-ideológicas destas áreas que levem a que Portugal possa entrar num processo de desenvolvimento. 

Mas isso é muito vago. 

Enquanto militante do PSD, tenho obrigação de fazer com que o PSD obtenha o maior resultado possível, obviamente na perspetiva de que não acredito que o PSD nos próximos tempos consiga reunir condições para ter novamente maioria absoluta de deputados. Portanto, tem que concorrer no PSD para que ele possa ter esse desiderato eleitoral como outros militantes do CDS. Acredito que outros militantes de outros partidos dentro desta área, como o Aliança, também o façam. Agora, tem de haver necessariamente canais de comunicação, canais de convergência criados a nível destes vários partidos e eu ai tenho todo o interesse, até porque em Cascais é conhecido, eu estou em coligação com o CDS, com quem tenho as melhores relações. Todo esse movimento será no sentido de influenciar internamente cada um dos partidos consoante a militância que tem e ir buscar muitos outros que não têm militância politica mas que se identificam com esta área politica para tentarmos ter o maior resultado possível na soma dos deputados que estarão lá a representar os partidos na Assembleia. 

Insinuou que não acredita que a Catarina Martins seja a líder do BE. Porquê?

Eu identifiquei isso, porque o verdadeiro líder de esquerda é o professor Francisco Louçã. Foi o grande inspirador, muito na linha de alguém que já veio demonstrar que não foi capaz de executar aquilo que propunha, o Varoufakis na Grécia, com as consequências negativas que teve. Varoufakis conseguiu que o partido dele chegasse ao poder por si. Aqui, dificilmente o Bloco de Esquerda chegaria diretamente ao poder como o Syrisa na Grécia. Aliás, lembremos que o próprio atual primeiro-ministro, quando o Syrisa ganhou na Grécia, disse que se tinha aberto uma janela de esperança e uma janela de oportunidade. Veja-se o que é que os gregos sofreram versus o que é que os portugueses sofreram. Os portugueses sofreram, mas os gregos sofreram muitíssimo mais com essas derivações que por lá tinham. Portanto, percebendo que com o atual sistema não chegariam lá, o BE refez esse posicionamento: “Se nós, Bloco de Esquerda, não conseguimos ir pelos sistemas normais, então vamos ter de provocar o caos e do caos vamos construir o modelo de sociedade”. Ora, o modelo de sociedade do Bloco de Esquerda é exatamente o oposto do modelo de sociedade que eu defendo. Em vez de terem causas estruturantes, têm causas que são de oposição aos valores e aos princípios que eu defendo. E, portanto, dentro do ambiente politico, eu só tenho de estar envolvido e habilitado para conseguir ultrapassar democraticamente essa situação que eu acho que é absolutamente perniciosa para Portugal. 

O PCP não é tão nefasto como o BE? 

O PC tem uma estrutura completamente diferente e tem uma história diferente. Veja o que se passou no orçamento, agora, foi o um leilãozinho entre o BE e o PCP para ver qual dos dois conseguia limpar-se junto do sei eleitorado para dizer “não, foi graças a nós que”. Mas o que eles estão a provocar é um país estagnado, é um país parado, porque eles vão pelas causas fraturantes e não pelas causas estruturantes. E isso leva a que o país esteja hoje parado no mundo. Aliás, todo o sucesso que tem sido evidenciado, era curioso comparar quanto é que estão a crescer outros países da União Europeia versus quanto está a crescer Portugal, quanto continua a ser a divida portuguesa, porque a divida é o grande garrote do desenvolvimento do país. Isso ninguém compara. É vermos como estão os nossos amigos espanhóis, como estão os nossos amigos de outros países da União Europeia e perceber que nós estamos a ficar para trás. A única coisa onde estamos a ter sucesso é beneficiar de algumas reformas que foram feitas em momento muito difícil e impostas pela Troika, que por sinal foram negociadas pelo PS, que tinha levado à falência o país. E não vale a pena virem com as histórias de que na altura o governo liderado por Pedro Passos Coelho foi mais longe do que a Troika, porque também se quisermos comparar o défice de Portugal, e eu não sou a favor de haver défice, o défice de Portugal é muito menor do que o défice de Espanha, Itália ou França. Quer dizer, estão a ir muito além daquilo que é imposto pela própria União Europeia, sem nunca esquecer que foi no Governo de Passos Coelho que se fez o ajuste de um défice de 11%, que era um défice completamente suicida, que o governo socialista nos tinha deixado, para um défice de 3%. E nunca tivemos níveis tão baixos de investimento público como agora. Obviamente, porque quiseram chegar à questão do défice. 

Com a qual concorda.

Não, quer dizer, faz parte. No outro dia vi o desplante de um deputado socialista – que agora até foi premiado e chega a secretário de Estado de uma área em que não lhe é conhecida nenhuma competência -, João Galamba, a vir dar afirmar que quem tinha levado Portugal para o lixo nos ratings tinha sido o governo do PSD. Quer dizer, eu acho que quando alguém diz uma coisa destas só pode estar a gozar, porque sabe perfeitamente por que Portugal foi para o lixo e teve de recorrer à Troika. Porque ele era apoiante do próprio primeiro-ministro da época, José Sócrates. Era de uma intimidade de tal ordem que até teve um telefonema naquela época a dizer “olha, não venhas, porque eu tive uma informação que pode acontecer alguma coisa quando chegares a Portugal”. Estamos já a falar de irresponsabilidade, do tal populismo, do tal radicalismo, na tal demagogia que eu combato. 

Continua sem falar com Rui Rio? 

Até hoje, o presidente do partido não sentiu essa necessidade e eu confesso que também não. 

Não tem essa necessidade porque acha que Rui Rio está a ir num bom caminho? 

Não, não tenho essa necessidade porque não estão criados canais, e acho que é uma atitude que é legitima por parte do líder entender que não tem em mim alguém que lhe possa dar algum conselho bom, algum conselho positivo. E como tenho tanta coisa a que me dedicar aqui em Cascais e coisas positivas e coisas que são motivadoras, que quero que o presidente do partido siga a sua linha, porque é aquela em que ele acredita, sendo que eu não concordo.  

Escreveu em agosto “onde anda Rui Rio”…

Fiz um alerta, porque isto pode ir até linhas vermelhas. Eu achei que aí estávamos a ultrapassar as linhas vermelhas, nomeadamente no ataque que se fazia permanentemente dentro do partido. Fiz um alerta.

Dizer “onde anda Rui Rio, o que estão a fazer” não é uma crítica? 

É um alerta. Eles não podiam abandonar o terreno politico da forma como foi abandonado durante quase dois meses, com situações graves a passarem-se no país, em que era preciso de facto vir dizer “cuidado que estes senhores do governo e desta maioria parlamentar estão a provocar estas situações que nós consideramos que são perigosas e muito negativas e a nossa solução é esta”. Eu achei que era tempo demais para estarmos ausentes deste cenário politico em Portugal. Ainda para mais num momento em que se começam a definir as opções de cada um dos eleitores. Quem acompanha estes movimentos sabe que o eleitor não decide nos dois meses, três meses, quatro meses anteriores o seu voto. Começa a formar a sua decisão de voto  com alguma antecedência. 

Está convencido de que com este rumo Rio vai ter o resultado de que fala? 

Não quero ser ambíguo. A acreditar nas declarações que eu vi e que apreciei por parte do presidente do PSD, ele está motivado e está orientado para ganhar eleições. Sabendo que não é fácil, mas foi isso que ele disse. A minha preocupação é seguindo os caminhos que temos vindo a seguir que estejamos longe, muito longe de isso ser alcançado. Daí esses alertas que achei que naquela altura deviam ser dados. T

Onde é que está o rebelde que foi convidado a deixar os Salesianos? 

Se foi coisa que eu nunca fui na vida foi ser politicamente correto. Tive muito mais derrotas do que vitórias. Eu estava habituado a derrotas do ponto de vista político-partidário. Vou naquilo que a minha convicção me diz que é o sentido correto. Tenho a dizer, sobre essa matéria, o seguinte: a um ano das últimas eleições legislativas não havia ninguém em Portugal que dissesse que a coligação que estava a governar o país ia ser a mais votada. Eu próprio tinha grandes duvidas de que isso viria a acontecer. O que é certo é que aconteceu. Ouvi o líder do partido a dizer que ele tem consciência de que ele está numa posição de grande fragilidade eleitoral, mas pede que lhe deem esse voto de confiança, porque acredita que o PSD até às eleições vai conseguir recuperar essa diferença eleitoral. Eu, sendo católico, tenho uma fé enorme nos homens, portanto tenho de acreditar que isso é possível. Se me perguntarem se eu acho que é o caminho certo, eu acho que não, acho que até pode ser perigoso o resultado que nós tivermos daqui a um ano, ao ponto de por em causa, não digo a sobrevivência do PSD, porque o PSD já passou por muitas crises e soube ultrapassar todo esse processo, mas condicionar muito a própria qualidade de participação do PSD na vida politica nos próximos largos anos. Nesse sentido estou preocupado. Agora, onde é que anda o rebelde? O rebelde está em Cascais, onde quer estar, onde quer continuar a estar, onde se diverte, no sentido em que se realiza enquanto homem, enquanto cidadão, enquanto politico.

Defende a descentralização que diz ser diferente da regionalização. E diz que a descentralização só não avança por causa do BE e do PCP. Mas também diz que é contra o acordo de descentralização que Rui Rio fez com António Costa.

Eu não disse que era totalmente contra. Eu disse é que o PSD não colocou nessas negociações nenhuma matéria em que tenha ganho de causa. A informação de que eu disponho é que o PSD se limitou apenas e só a assinar o que foi proposto pelo governo. Isso sou contra, como é óbvio. 

Vamos imaginar que o governo apresentou propostas que podem ser boas para o país.

 Mas no caso da descentralização, o que manifestamente aconteceu foi que, tendo o PC e o BE a condicionar o governo e o primeiro-ministro, levou a que aquilo de que estamos aqui a falar não é propriamente uma descentralização. E o PSD aceitou esta descentralização que depois veio a criticar, porque a própria direção do partido já veio a criticar, porque se sentiu enganado naquilo que tinha assinado com o governo. A preocupação maior foi aparecer numa fotografia a assinar um acordo. Aí estou manifestamente em oposição. O que não impede de ter feito outra coisa a que a lei não me obrigava: fiz questão de aprovar em reunião de câmara e em assembleia municipal a posição de que Cascais aceita toda a descentralização que o governo quiser fazer. Até porque, no caso de Cascais, nós já nos substituímos ao governo em muitas áreas que estão agora na descentralização, porque o governo central faltou aos cidadãos de Cascais nessas áreas. Cascais não recebe dinheiro do Orçamento do Estado, é um dos três municípios que não recebe, os outros dois são Lisboa e Oeiras, vá-se lá perceber porquê. É um dos municípios que mais contribui para o fundo de estabilidade municipal, que é o FAM. Ninguém nos pode acusar de falta de solidariedade nacional, somos os que mais têm apostado nessa matéria. Mas, de facto, esta descentralização, se o Estado a quer fazer, então que a faça e que venha agora pôr as verbas que essa descentralização obriga. Nós estamos a fazer investimentos – e não é só Cascais, há mais municípios no país – que seriam da obrigação do Estado fazer, tanto na área da saúde como na da educação, por exemplo.

Como o Campus da Nova. O que esta obra representa para a câmara de Cascais?

Pode parecer algum pretensiosismo da minha parte, mas aqui o que marca é um movimento de desenvolvimento do concelho que eu consigo equiparar a outros dois grandes movimentos que ainda hoje têm um forte impacto em Cascais. Um deles é a escolha do rei Dom Luís e depois do rei Dom Carlos de virem de férias para cá. Até aí era uma pequena vila piscatória e, a partir dessa decisão dos reis, teve um grande desenvolvimento. O segundo grande movimento, que fez agora 100 anos, foi o pensamento estratégico que Fausto Figueiredo, que desenvolveu não só o turismo no Estoril como criou uma centralidade global. A Nova aqui vai ter esse efeito. Já se consegue percecionar, mas isto vai ter ainda um maior impacto nos próximos anos, por este ser o terceiro grande movimento em Cascais e abre um novo ciclo de desenvolvimento. Nós acreditamos que é captando conhecimento, experiência e criatividade para o concelho que estamos mais preparados para tempos caracterizados por uma grande indefinição. A Nova é o novo polo de centralidade para o concelho. E a obra é extraordinária. 

Disse que não acredita que o PSD possa voltar a governar sozinho. E afirmou ainda que acha muito difícil que algum partido consiga maioria absoluta. Pensa mesmo isso? Acha que o PS não chegará à maioria absoluta com os erros que o PSD está a cometer?

Acho que faltou ao PS explicar a algum eleitorado essa alteração que promoveu que quem ganha não governa. Depois, têm de satisfazer um conjunto de várias clientelas, sem porem em primeiro lugar o interesse nacional. Trabalham por interesses setoriais. O PS não consegue satisfazer tantos grupos setoriais que leve a que o somatório desses apoios o levem à maioria absoluta. Entretanto, o leilão entre quem é o campeão das esquerdas, no campeonato que o PCP e o Bloco promovem e que é também promovido pelo primeiro-ministro, tem um limite. Passando o limite passa a ser ingovernável. Eu não acredito que o PS tenha maioria absoluta.

Qual poderia ser o fator determinante para terem ou não terem maioria? Os professores, os médicos…?

Eu acho que não há nenhum setor que tenha força suficiente. O que conta é a conjugação de todos esses setores, daí António Costa ter decidido fazer esta remodelação do governo mais profunda do que era expectável. Até na remodelação o primeiro-ministro cumpriu as exigências do PCP e do Bloco. Percebe-se que eles entram porque representam uma área mais do socialismo democrático e outros que entram porque representam uma área mais bloquista dentro do PS. Costa entra na compensação, ou seja, mete uns de um lado e outros de outro. Mete também muitos do passado: são muitos os ex-governantes de José Sócrates que estão a regressar ao governo, para tentar também compensar alguma contestação interna. Ou seja, António Costa neste momento é um gestor de compensações e isso sabemos que na política pode funcionar num primeiro momento, mas dificilmente funciona a médio prazo. Os eleitores hoje são muito mais esclarecidos do que eram há um tempo atrás.

Como político, como é que diz que está muito bem na sua vida de Cascais e não acha que pode ter um papel importante no país para combater essa situação? Por que não pensa, por exemplo, em candidatar-se a primeiro-ministro?

Posso responder em duas vertentes, a política e a pessoal. Na vertente política, eu sempre defendi que nós devemos assumir os nossos compromissos. E eu, para já, tenho um compromisso de três anos com Cascais. Segundo, eu considero, de uma forma muito sincera, que nós devemos ter uma capacidade de avaliar onde é que fazemos a diferença e acrescentamos valor e onde é que isso não acontece. Eu considero, sem falsa humildade, que estou a desempenhar um excelente papel enquanto presidente de câmara e não seria capaz de desempenhar um excelente papel enquanto primeiro-ministro. Tenho essa consciência.

Acha que não dava um bom primeiro-ministro?

Tenho a certeza que não dava um bom primeiro-ministro. Do mesmo modo que tenha a convicção que estou a marcar a história – nem que seja da minha comunidade mais próxima – e a criar modelos de desenvolvimento que terão repercussões muito positivas no futuro. 

Leia a entrevista na íntegra na edição impressa do i, já nas bancas