A mais recente dança de cadeiras nos blocos de informação dos dois canais generalistas privados tem sido tema de várias notícias na comunicação social nas últimas semanas. O anúncio do regresso de Manuela Moura Guedes – que esteve 15 anos na TVI, passando para a RTP e estando depois cerca de dois anos fora dos ecrãs – e a mudança de Miguel Sousa Tavares – que fez parte da estação de Queluz de Baixo durante 11 anos e esteve os últimos sete na SIC –, foram duas alterações que ganharam muito mediatismo e agitaram as redes sociais.
Apesar de as opiniões expressas nos comentários das páginas oficiais dos meios de comunicação se dividirem, a curiosidade dos espetadores não tardou a fazer efeito quer nas audiências, quer nos hábitos de consumo. Os dados da GfK (uma empresa de estudos de mercado) a que o i teve acesso mostram que a estratégia adotada pelas duas estações se refletiu sobretudo no número de espetadores: no dia 8 de outubro, o “Jornal da Noite”, que faz parte da grelha de programação da SIC, liderou nas audiências apenas na segunda parte do noticiário – momento em que Moura Guedes se estreou na estação de Carnaxide. Nesse mesmo dia, a SIC registou mais de um milhão de telespetadores (depois do intervalo), ultrapassando o canal quatro na parte do horário nobre em causa.
Se a curiosidade acabou por ser um dos principais motivos para que a estação do grupo Impresa registasse um aumento na segunda metade do “Jornal da Noite”, o mesmo não aconteceu até ao fim do comentário de Moura Guedes. De acordo com os dados da GfK, “A Procuradora”, que reuniu junto do televisor um milhão e 178 mil espetadores, acabou por perder público no decorrer da emissão, ou seja, o número de telespetadores foi diminuindo à medida que Moura Guedes ia falando.
Como explicar o Pico de audiências durante a estreia? O facto de uma figura do espaço público aparecer no horário nobre nem sempre é sinónimo de uma aposta ganha, até porque os picos que se registam na estreia são expetáveis. E qual o objetivo destas apostas? “Trata-se, neste momento, de esticar o tempo dos serviços informativos no horário nobre, com audiências razoáveis e [com] menos custos do que a programação alternativa, que seria a ficção (telenovelas portuguesas)”, explica ao i uma fonte do canal público que prefere não ser identificada.
Ainda assim, os números do dia 8 de outubro mostram também que a estação de Queluz continuou a ser a mais vista na globalidade. A TVI contou com 10,7% de ranking e 22,9% de share – o que corresponde a uma média de um milhão de telespetadores –, contra os 10,2% de ranking e 22% de share da SIC – cerca de 960 mil espetadores.
Hábitos de consumo Não é de agora que as duas estações lutam pelas audiências. Aliás, esse é um dos trunfos das televisões generalistas, que tentam responder à programação da concorrência de forma direta. No entanto, nem sempre os portugueses estão de acordo com as mudanças e acabam por se registar alterações nos hábitos de consumo e até críticas nas redes sociais.
Se, por um lado, o regresso de Sousa Tavares à TVI não gerou uma grande polémica nas páginas online, por outro, a estreia de Manuela Moura Guedes na SIC levou muitos a escrever sobre a nova rubrica da ex-pivô da TVI.
E se houve quem considerasse o novo espaço de comentários da jornalista “interessante”, “leve”, “fácil de ouvir” e “simples”, houve também quem tenha considerado a mudança negativa. Nos comentários pode ler-se, por exemplo, que Moura Guedes “não tem perfil para estar num canal como a SIC” e que o novo formato não agrada aos telespetadores.
Opiniões à parte, os ventos de mudança podem mesmo chegar a alterar o comportamento do público. Quem o garante é Joana Martins, doutorada em Ciências da Comunicação e professora na Escola Superior de Educação de Viseu (ESEV), que dá como exemplo o seu próprio caso: a docente explica que passou “a ser espetadora do jornal da TVI pelo facto de o Miguel Sousa Tavares ter mudado de estação”.
Joana Martins confessa ainda que na altura em que Sousa Tavares era comentador da SIC, “era a esse jornal que [assistia]”. Mas, atualmente, vê “o ‘Jornal das 8’ da TVI às segundas-feiras à noite e [continua] a consumir o [noticiário] da SIC de terça-feira a domingo” – tudo porque, “independentemente [dos] comentários negativos ou positivos nas redes sociais”, a professora “não [se revê] nas opiniões” de Manuela Moura Guedes.
Exigência dos consumidores As preferências por um determinado canal podem ser ainda mais acentuadas se forem estudadas a nível nacional. Mesmo que “um bom comentador [continue] a ser uma mais-valia no espaço informativo de qualquer estação”, por vezes é difícil agradar a todos os públicos, afirma a docente da ESEV.
A constante incerteza no número de audiências e a contínua aposta em novas estratégias para atingir a liderança deixaram um novo desafio às estações de televisão: chegar a um tipo de consumidor que seja fiel, explica a fonte do canal público. A título de exemplo, conta que “se em tempos ‘O Preço Certo’, da RTP, era o que tinha mais audiência no final da tarde, nos dias de hoje, a TVI [conquistou esse patamar], após implementar o programa ‘Apanha se Puderes’” – que vai continuar em emissão até ao final deste ano, mesmo depois de ter sido anunciada a saída de Cristina Ferreira para a concorrência.
Para além de competir de forma direta com Fernando Mendes, o objetivo do programa da TVI é assegurar um público que não escolha aquela estação apenas na hora da novela, diz a mesma fonte. Desta forma, fixam-se as audiências ao longo de vários programas seguidos, e não apenas na ficção nacional.
Ficou ainda mais visível que a estação de Queluz de Baixo registou um aumento no número de audiências após ser analisado o share já com o programa “Apanha se Puderes” incluído na grelha do canal. Como revela a mesma fonte da RTP que preferiu não ser identificada, apesar de a novela ser a principal responsável por “alguma fidelidade nas audiências”, hoje em dia, a migração entre as estações de televisão é feita de forma “moderada”, porque os novos formatos conseguem alterar as estatísticas.
Joana Martins concorda com a explicação de que “[há] pessoas fidelizadas ao entretenimento” de um determinado canal, de tal modo que “acabam por consumir a informação [dessa estação] por uma questão de coerência ou de hábito”.
Ao i, a fonte do canal público acrescentou que existe ainda outro tipo de espetador que “[caminha] para os consumos alternativos, que já não se verificam sequer nos serviços de programas [generalistas]”, ou seja, as pessoas que preferem assistir aos restantes programas dos canais disponíveis no serviço por cabo.
A mesma fonte declarou ainda ao i que “a questão de fundo é que, para além da quebra dos shares dos quatro generalistas (RTP1, RTP2, SIC e TVI) no seu conjunto, em que já frequentemente não chegam a 50% do share de audiência medido pela GfK, temos cada vez menos espetadores”. Esse fenómeno verifica-se essencialmente pela contínua mudança do perfil do espetador. E afirma que existe, cada vez mais, o segundo tipo de espetador anteriormente descrito: aquele que prefere programas alternativos aos canais generalistas.
Telejornal moderno Num pequeno balanço sobre o espaço informativo moderno, os dois especialistas de comunicação acreditam que, hoje em dia, existe um maior peso “das notícias do quotidiano” em detrimento das grandes reportagens ou dos temas que são “mais complexos”.
Ambos concordam ainda que, devido a questões editoriais ou financeiras, o “jornalismo de hoje está mais virado para o grande público” – que acaba por consumir temas mais “leves” como, por exemplo, os “escândalos ou desporto”.
De uma forma geral, alguns especialistas ouvidos pelo i apontam o “elevado tempo de duração dos serviços noticiosos” como uma das principais fontes de rendimento do jornalismo de hoje em dia – isto é, acreditam que se dá grande importância às notícias que são menos relevantes para a sociedade.
Ainda assim, as estratégias agora seguidas pela SIC e pela TVI não são negativas. A integração de “especialistas, comentadores e até jornalistas durante as emissões” é uma “forma de trazer valor acrescentado à notícia”, afirma Joana Martins.