Spotify. A década da mudança

Spotify. A década da mudança


Parecendo ontem, foi há dez anos que o Spotify ofereceu um novo serviço baseado no acesso sem restrições. Dez anos depois, tudo mudou e, tal como o vinil ou CD alteraram as regras do jogo, o streaming obrigou a indústria a adaptar-se


7 de outubro de 2008 parecia a pior data possível para um novo serviço entrar no mercado com planos de mudança. A 15 de setembro, o banco de investimento Lehman Brothers abrira falência, provocando um cataclismo financeiro com epicentro nos EUA e estragos visíveis na Europa e resto do mundo.

Era também um período de transição na indústria musical: as vendas caíam a pique, o modelo de negócio no digital carecia de afinação e os concertos serviam de tábua salvadora.

É neste quadro que, fundado pelo sueco Daniel Ek, o Spotify se apresenta como uma plataforma baseada no acesso a um extenso acervo e não na posse, após dois anos de desenvolvimento. Reino Unido, Suécia, França, Espanha e Noruega foram os primeiros territórios a ter acesso. Na verdade, o Spotify não foi inteiramente inovador. Enquanto o YouTube se fixava como a plataforma central de publicação e visualização de vídeos, e o MySpace era uma rede social embrionária, o Rhapsody testava sem sucesso o modelo que o Spotify haveria de fixar. Hoje tem cerca de 200 milhões de utilizadores, dos quais 86 milhões pagam para ouvir música sem publicidade.

Nos primeiros anos, o Spotify apalpou terreno. Conquistou os ávidos consumidores das últimas novidades tecnológicas, também conhecidos como geeks. Dialogou e seduziu as editoras multinacionais, construindo um catálogo sólido e extenso. Enquanto sites pirata como Napster, Kazaa, Audiogalaxy ou Soulseek foram recebidos como uma ameaça, e alvo de inúmeros processos em tribunal, o Spotify foi o aliado que a indústria tardou em encontrar e não foi capaz de inventar ela própria, obrigando o conteúdo a adaptar-se à forma. Os EUA deram o exemplo ao passar a incluir os números de streaming nos tops de vendas, e a partir daí, as associações fonográficas de cada país, adotaram o mesmo método – Portugal incluído. 

O acesso à música foi democratizado e embora 38% dos consumidores de música na Internet continuem a descarregar ficheiros de forma ilegal, a pirataria baixou drasticamente graças à reforma dos hábitos. O Spotify encontrou um meio-termo entre o acesso livre à música – com ou sem publicidade – e as necessidades de uma indústria que após a resistência inicial, não só aceitou as regras do jogo – isto é, negociar os seus catálogos, como foi obrigada a contar com o streaming para efeitos de cálculo. 75 por cento das receitas da indústria já provêm do streaming que, ao tornar a música acessível a qualquer utilizador, fez disparar a base de ouvintes e os artistas ouvidos. 

Dez anos de Spotify correm em paralelo com a revolução digital e a replicação de um modelo. Primeiro, foi Jay-Z a entrar no jogo ao comprar o Tidal a uma empresa norueguesa e a relançá-lo como concorrente direto e de alta fidelidade sonora, com a especificidade de não ter uma modalidade gratuita com publicidade. E, em junho de 2015, o gigante tecnológico Apple, tornou-se no terceiro grande serviço de streaming ao introduzir o Apple Music, adicionando aos catálogos conteúdos exclusivos como a rádio online Beats 1, com programas de autor como por exemplo o de Drake, além de playlists dos próprios artistas. 

O conteúdo adaptou-se à forma e o Spotify reformou um mainstream onde há agora uma predominância de música de origem afro-americana e de regiões sonoras como o hip-hop e r&b, emergindo novos gigantes como Drake, Kendrick Lamar, Beyoncé, Rihanna, Post Malone ou Migos, outsiders como Ed Sheeran e restos da velha indústria como os Coldplay. Clássicos como U2, Pearl Jam ou Guns N’Roses continuam a ser os reis da estrada mas estão longe das listas dos mais ouvidos. Na era do streaming, não só o rock ficou para trás como as bandas deixaram de ser o modelo.

Após um encaixe financeiro de 400 milhões de dólares (cerca de 350 milhões de euros) em 2015, o Spotify passou a valer, em bolsa, mais do que toda a indústria americana. No entanto, continuou a acumular perdas. Já este ano, o prejuízo líquido foi de 169 milhões de euros e o operacional de 41 milhões de euros no primeiro trimestre.

Instituído o modelo, o grande desafio do Spotify é o balanço económico. Como equilibrar 4, 3 mil milhões de euros de cotação em bolsa e prejuízos anuais na ordem de 800 milhões de euros. Não é só o Spotify que está em causa, é toda a indústria musical. E o cómodo acesso no sofá ou no avião.