A remodelação do governo


Em Portugal, a tradição é os chefes do governo acharem que é melhor preservar a relação pessoal com os seus ministros do que salvaguardar a dignidade do Estado.


Logo que ocorreram o incêndio de Pedrógão Grande e o roubo das armas de Tancos, escrevi neste jornal que os ministros da Administração Interna e da Defesa tinham de se demitir imediatamente. É isso o que acontece em qualquer país democrático quando ocorrem situações dessa gravidade, em que a demissão dos ministros é considerada imprescindível para a preservação das instituições. Tal não significa, naturalmente, que os ministros tenham culpa pessoal no ocorrido, mas apenas que a sua demissão é sempre essencial para corrigir a situação. Na verdade, um ministro fragilizado não consegue emendar o que correu mal e apurar responsabilidades, antes procura a todo o custo elidir as suas próprias e as dos seus colaboradores mais próximos. Pelo contrário, um novo ministro nada tem a ver com o ocorrido, pelo que está, naturalmente, em melhores condições de pôr a casa em ordem depois do desastre que a atingiu.

Em Portugal, no entanto, a tradição é os chefes do governo acharem que é melhor preservar a relação pessoal com os seus ministros do que salvaguardar a dignidade do Estado. Por isso, os ministros agarram-se aos seus cargos como lapas à rocha, apenas saindo quando a rocha entra em colapso total, para o que a sua teimosia e a do primeiro-ministro muito contribuem. É assim que assistimos a argumentos absurdos como o de que a ministra da Administração Interna não tinha de sair depois dos incêndios porque não era bombeira, ou que o ministro da Defesa nada tem a ver com Tancos uma vez que não lhe competia guardar o paiol. Este último chegou ao ponto de afirmar que assumia a “responsabilidade política” pelo sucedido, mas não tirou daí qualquer consequência, como se, em Portugal, assumir a responsabilidade política significasse precisamente o contrário do que é habitual, ou seja, permanecer totalmente irresponsável.

Era no entanto evidente que, a partir de Pedrógão Grande e de Tancos, estes dois ministros tinham passado a estar a prazo no governo, pelo que adiar a sua demissão era apenas adiar o inevitável, com sérios prejuízos para o país e para o próprio governo. Em política, o que tem de acontecer é melhor que aconteça logo. Com a teimosia que se lhe conhece, no entanto, António Costa fez permanecer Constança Urbano de Sousa mais quatro meses no governo depois de Pedrógão Grande, levando a que ocorresse outro grande incêndio sob a sua tutela e tendo precisado de um empurrão de Marcelo em directo para a fazer sair. Já Azeredo Lopes conseguiu permanecer mais 16 meses no cargo depois de Tancos, e ainda há dias António Costa lhe proclamava absoluta confiança. Mas o estado em que as Forças Armadas estavam a ficar com o prolongamento desta situação e os sucessivos inquéritos na Procuradoria-Geral da República era absolutamente calamitoso, tendo sido uma enorme irresponsabilidade ter-se deixado arrastar a situação até este ponto. Azeredo Lopes acabou por perceber que tinha de sair e a sua saída só peca por tardia.

Só que, mais uma vez, se passou do oito para o oitenta e António Costa não se limitou a substituir Azeredo Lopes, efectuando antes uma ampla remodelação no governo, onde se livrou dos ministros mais problemáticos, manifestamente por razões eleitorais. Há poucas semanas deu uma entrevista a garantir que nunca iria substituir Adalberto Campos Fernandes na Saúde e que “poderia tirar o cavalinho da chuva” quem esperasse o contrário. Pois bem, o cavalinho acabou posto na rua pelo próprio Costa e agora temos uma nova ministra da Saúde, Marta Temido. O ministro da Cultura,

Luís Filipe Castro Mendes, que tinha sido incapaz de conquistar o sector, é substituído por Graça Fonseca. O ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, a quem Costa tinha acusado de timidez há dois anos, já que nada se via da sua actuação, recebeu guia de marcha para ver se cura a timidez noutro lado qualquer, sendo substituído por Pedro Siza Vieira, sobre quem recai um processo de perda do cargo no Tribunal Constitucional por incompatibilidade na nomeação anterior. Tal não constitui, naturalmente, problema nenhum, uma vez que, à velocidade com que o Tribunal Constitucional decide os processos, é muito provável que ele venha a ser nomeado para muitos cargos ainda antes de a questão estar decidida.

Em qualquer caso, o que esta remodelação significa é que António Costa começou a girar a roleta para as eleições de 2019. “Les jeuxs sont faits.”

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990


A remodelação do governo


Em Portugal, a tradição é os chefes do governo acharem que é melhor preservar a relação pessoal com os seus ministros do que salvaguardar a dignidade do Estado.


Logo que ocorreram o incêndio de Pedrógão Grande e o roubo das armas de Tancos, escrevi neste jornal que os ministros da Administração Interna e da Defesa tinham de se demitir imediatamente. É isso o que acontece em qualquer país democrático quando ocorrem situações dessa gravidade, em que a demissão dos ministros é considerada imprescindível para a preservação das instituições. Tal não significa, naturalmente, que os ministros tenham culpa pessoal no ocorrido, mas apenas que a sua demissão é sempre essencial para corrigir a situação. Na verdade, um ministro fragilizado não consegue emendar o que correu mal e apurar responsabilidades, antes procura a todo o custo elidir as suas próprias e as dos seus colaboradores mais próximos. Pelo contrário, um novo ministro nada tem a ver com o ocorrido, pelo que está, naturalmente, em melhores condições de pôr a casa em ordem depois do desastre que a atingiu.

Em Portugal, no entanto, a tradição é os chefes do governo acharem que é melhor preservar a relação pessoal com os seus ministros do que salvaguardar a dignidade do Estado. Por isso, os ministros agarram-se aos seus cargos como lapas à rocha, apenas saindo quando a rocha entra em colapso total, para o que a sua teimosia e a do primeiro-ministro muito contribuem. É assim que assistimos a argumentos absurdos como o de que a ministra da Administração Interna não tinha de sair depois dos incêndios porque não era bombeira, ou que o ministro da Defesa nada tem a ver com Tancos uma vez que não lhe competia guardar o paiol. Este último chegou ao ponto de afirmar que assumia a “responsabilidade política” pelo sucedido, mas não tirou daí qualquer consequência, como se, em Portugal, assumir a responsabilidade política significasse precisamente o contrário do que é habitual, ou seja, permanecer totalmente irresponsável.

Era no entanto evidente que, a partir de Pedrógão Grande e de Tancos, estes dois ministros tinham passado a estar a prazo no governo, pelo que adiar a sua demissão era apenas adiar o inevitável, com sérios prejuízos para o país e para o próprio governo. Em política, o que tem de acontecer é melhor que aconteça logo. Com a teimosia que se lhe conhece, no entanto, António Costa fez permanecer Constança Urbano de Sousa mais quatro meses no governo depois de Pedrógão Grande, levando a que ocorresse outro grande incêndio sob a sua tutela e tendo precisado de um empurrão de Marcelo em directo para a fazer sair. Já Azeredo Lopes conseguiu permanecer mais 16 meses no cargo depois de Tancos, e ainda há dias António Costa lhe proclamava absoluta confiança. Mas o estado em que as Forças Armadas estavam a ficar com o prolongamento desta situação e os sucessivos inquéritos na Procuradoria-Geral da República era absolutamente calamitoso, tendo sido uma enorme irresponsabilidade ter-se deixado arrastar a situação até este ponto. Azeredo Lopes acabou por perceber que tinha de sair e a sua saída só peca por tardia.

Só que, mais uma vez, se passou do oito para o oitenta e António Costa não se limitou a substituir Azeredo Lopes, efectuando antes uma ampla remodelação no governo, onde se livrou dos ministros mais problemáticos, manifestamente por razões eleitorais. Há poucas semanas deu uma entrevista a garantir que nunca iria substituir Adalberto Campos Fernandes na Saúde e que “poderia tirar o cavalinho da chuva” quem esperasse o contrário. Pois bem, o cavalinho acabou posto na rua pelo próprio Costa e agora temos uma nova ministra da Saúde, Marta Temido. O ministro da Cultura,

Luís Filipe Castro Mendes, que tinha sido incapaz de conquistar o sector, é substituído por Graça Fonseca. O ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, a quem Costa tinha acusado de timidez há dois anos, já que nada se via da sua actuação, recebeu guia de marcha para ver se cura a timidez noutro lado qualquer, sendo substituído por Pedro Siza Vieira, sobre quem recai um processo de perda do cargo no Tribunal Constitucional por incompatibilidade na nomeação anterior. Tal não constitui, naturalmente, problema nenhum, uma vez que, à velocidade com que o Tribunal Constitucional decide os processos, é muito provável que ele venha a ser nomeado para muitos cargos ainda antes de a questão estar decidida.

Em qualquer caso, o que esta remodelação significa é que António Costa começou a girar a roleta para as eleições de 2019. “Les jeuxs sont faits.”

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990