Jogou-se ontem, pela tarde, mais um Portugal-Escócia. Ou, neste caso, Escócia-Portugal. Bom dia para recordar a primeira vitória da seleção nacional sobre os escoceses. Até porque teve, em seu redor, um acontecimento muito mais mundano: a visita a Lisboa da princesa Margarida de Inglaterra, irmã da rainha Isabel ii. Já lá vamos.
3 de junho de 1959. Portugal já defrontara a Escócia por duas vezes, em 1950 e 1955, e não fora além de um empate (2-2) e de uma derrota (0-3). Em Alvalade, o encontro fazia parte do pomposo Festival Britânico. Estava marcado para umas inacreditáveis 22 horas e a imprensa anunciava: “O sr. Presidente da República e alguns membros do governo assistirão ao desafio integrado no programa de manifestações complementares da Feira das Indústrias Britânicas. Antes do jogo, exibir-se-á a banda dos Pipes and Drums, do Queen’s Own Cameron Highlanders”. Do quilé!
Páginas a fio entretinham os leitores com os pormenores da presença da real figura entre nós: que tinha aprendido algumas palavras portuguesas, mas falaria oficialmente no seu elegante francês; que tinha sido bem aconselhada pela irmã, Isabel, sobre os locais de interesse para visitar e que traria a máquina fotográfica a tiracolo para levar deles as melhores recordações; que iria chegar a bordo de um quadrimotor Heron, aterrando em Lisboa pelas 18h15, pontualmente britânicas, e a sua estadia duraria seis dias; que usaria sempre luvas brancas nas “garden parties” realizadas em sua honra.
Margarida Rosa era o nome que corria de boca em boca: “A princesa, que tem agora 28 anos, feitos em 21 de agosto de 1958, foi educada com a irmã, atual rainha, no culto da família que a adora e das suas predileções que todos respeitam.”
Ah! Não havia revistas, mas as páginas eram genuinamente cor-de-rosa. Já quanto ao respeito pelas predileções da moça, as coisas não eram tão cor-de-rosa assim, já que resolvera apaixonar-se por um tal Peter Townsend, palafreneiro da corte, o que deu muita sarna para coçar à Casa de Iorque. Seja como for, Margarida não foi à bola. E não perdeu grande coisa.
Matateu O povo que se deslocou a Alvalade levou logo um banho de água fria: os Pipes and Drums, do Queen’s Own Cameron Highlanders, baldaram-se principescamente. Ora batatas! Sem música, esperava-se que o futebol fosse de qualidade. Nem isso: “À luz dos projetores, a partida teve um desenho boçal, situando-se num plano impróprio das competições internacionais. Foi inferior, insípida e descolorida e, convém acentuá-lo, nada adiantou para o prestígio do futebol nacional. Não é surpreendente a inconsequente exibição do grupo português. Ela foi, afinal, o reflexo de uma preparação deficiente e de um discutível critério de escolha.”
O selecionador José Maria Antunes tinha as orelhas a ferver. E, no entanto, não foi assim tão verdadeiramente mau, convenhamos. Afinal, Portugal ganhou, mesmo com um resultado de trazer por casa (1-0), a uma equipa que nunca até aí havia vencido.
“Os escoceses, bons atletas, evidenciaram-se na toada da rispidez, por vezes a roçar pela violência (que o diga Carlos Duarte, alvo n.o 1), e no conceito técnico-tático quedaram-se numa confrangedora modéstia.” Em seguida, o pau voltava a cair com força sobre as costas do selecionador nacional: “O desarticulamento dos setores do onze nacional foi notório. Colheu-se a impressão de que cada jogador experimentava dificuldades para coordenar os lances. Deslocações erradas, desmarcações despropositadas de continuidade, enfim, um ror de deficiências que de maneira nenhuma refletem o real valor do futebol português.”
E, no entanto, a equipa de Portugal tinha alguns jogadores de inequívoca qualidade. Acúrsio, o guarda-redes do FC Porto, Virgílio, o capitão, Leão de Génova, Vicente, o central do Belenenses, Rocha, o driblador macaense da Académica, o enorme Coluna, Carlos Duarte, Ângelo, Mendes, Raul Figueiredo e o grande Hernâni, Furacão de Águeda.
O golo foi de Matateu, rematador emérito, ainda na primeira parte.
Apesar das críticas, a vitória portuguesa não mereceu reparos por parte dos adversários, que a reconheceram com todo o desportivismo próprio de quem vinha da terra dessa magnífica instituição que é o fair play. As caneladas dadas sobre a relva ficaram sobre a relva, como não poderia deixar de ser.
No dia seguinte, no Restelo, houve finalmente música num tattoo militar. O chefe de Estado esteve lá, já que perdera a banda em Alvalade. Com honras militares. A imprensa não esqueceu a desfeita. E malhou forte: “Os músicos não apareceram – ao que parece, foi falta de transporte – e, assim, todos ficámos privados de ver, no relvado do Sporting, as curiosas evoluções da famosa banda com os seus trajes típicos. Teria sido melhor do que o jogo…”
A malta queria era o solidó.