Praxes. Os rituais académicos mais polémicos

Praxes. Os rituais académicos mais polémicos


As práticas de integração dos novos alunos da UBI e da UNEV têm sido notícia nos últimos dias. Mas estes estão longe de serem os únicos casos polémicos. O i relembra as atividades de integração que excederam o código da praxe


As reações à polémica das praxes da Universidade da Beira Interior (UBI) e da Universidade de Évora (UNEV), em que alguns caloiros se queixam de terem sido alvo de humilhações, geraram alguma controvérsia na comunicação social nos últimos dias. Esse é um tema que também tem vindo a ganhar relevo nas redes sociais, mas não pelas melhores razões. E apesar de os estudantes da maioria das universidades do país apresentarem um leque de propostas que têm como objetivo a promoção do bem-estar do aluno dentro da academia, as queixas que identificam determinados rituais como abusivos continuam a ser uma realidade.

A mais recente praxe que foi alvo de críticas envolveu um aluno da UBI, do curso de Ciências Biomédicas, que apresentou uma queixa à instituição depois de ter sido alvo de uma praxe violenta. O estudante foi levado durante a noite para a serra da Estrela, onde foi obrigado a despir-se e acabou por ser agredido com uma pá, no âmbito da atividade praxista. A universidade já abriu um inquérito interno para apurar o que aconteceu, tendo ainda apresentado queixa ao Ministério Público.

O outro caso foi denunciado pelo BE e diz respeito a um aluno da Universidade de Évora que foi forçado a ajoelhar-se em cima das próprias mãos e a colocar a cabeça no chão, em cima de farinha. Ambas as situações já foram encaminhadas para a Inspeção-Geral da Educação e Ciência, esperando-se agora que a entidade “desenvolva a atuação adequada nas situações em apreço”.

Em comunicado, o ministro da Ciência e do Ensino Superior, Manuel Heitor, “lamenta e repudia os dois eventos associados a ‘praxes académicas’”.

Mas os factos que ocorreram na UBI e na UNEV estão longe de ser únicos. Nos últimos anos houve vários rituais académicos que acabaram por exceder o código da praxe de cada instituição. Desde o início do presente ano letivo que a Direção-Geral do Ensino Superior (DGES) já recebeu cinco queixas sobre praxes violentas e abusivas. Já no último ano letivo, a DGES avaliou 18 queixas e em 2016/2017 foram registadas dez denúncias. Mas são os episódios públicos que revelam que as polémicas marcam as praxes, pelo menos, desde 1999.

De acordo com uma cronologia publicada na página oficial do Bloco de Esquerda (BE), em novembro de 1999, uma estudante da Escola Superior de Educação de Leiria afirma ter sido vítima de agressões físicas e humilhações nas práticas de integração: “num ‘tribunal de praxe’ a ‘sentença’ dita o corte do seu cabelo”, lê-se na publicação. Foi a primeira vez que um aluno universitário demonstrou vontade de iniciar um processo judicial – mas acabou por não ir para tribunal.

Já em janeiro de 2003, foi Ana Sofia Damião, na altura aluna do Instituto Piaget de Macedo de Cavaleiros, quem fez a sua denúncia pública: a ex-aluna confessa que foi insultada, obrigada a despir-se e a vestir-se novamente com a roupa interior do lado de fora e forçada a simular orgasmos e a fingir relações sexuais com os colegas que também participavam nas atividades académicas.

O caso acabou por ficar encerrado com uma repreensão escrita por parte da direção do Instituto Piaget: a Ana Sofia Damião, “pela forma subjetiva excessiva como relatou os factos, que sabia não terem a gravidade que decorre da sua exposição”, e aos agressores “por não terem a preocupação de avaliar se as ordens da praxe poderiam ferir suscetibilidades individuais”, lê-se na página do BE.

Na Escola Superior Agrária de Santarém (ESAS), uma aluna também decidiu expor a sua experiência. Em março de 2003, Ana Santos fez uma queixa na polícia, enviou uma carta para a direção da instituição e escreveu ao ministro do Ensino Superior. De acordo com as declarações da vítima, esta teria sido “esfregada” com dejetos, insultada e impedida de usar o telemóvel durante várias horas, além de ter sido deixada a muitos quilómetros de distância da sua casa.

O presidente do conselho diretivo da ESAS, Henrique Soares Cruz, abriu um inquérito e relembrou que, no seu tempo de estudante, também tinha “recebido bosta no corpo” por ser uma “tradição da escola”. No entanto, o Tribunal de Santarém acabou por condenar os estudantes que praticaram o ato, numa sentença confirmada em 2009 pela Relação de Évora. Foi a primeira vez que uma praxe foi condenada em tribunal e as multas oscilaram entre 640 e 1600 euros.
Na cidade de Coimbra, um aluno do Instituto Superior de Engenharia de Coimbra declarou que foi obrigado a atar um cordel no órgão sexual que, por sua vez, já estaria amarrado a um tijolo. O caso remonta a outubro de 2003, quando o aluno sofreu as alegadas agressões. Mais tarde, o pai do estudante acabou por enviar uma carta à então ministra da Educação, Maria do Carmo Seabra, que prometeu procurar esclarecimentos. Contudo, não se verificaram mais avanços.

Vítimas mortais nas praxes No ano de 2004 veio pela primeira vez a público um caso de homicídio que ocorreu durante as praxes. A antiga revista “Grande Reportagem” publicou um artigo em que revelou os detalhes da estranha morte de Diogo Macedo, membro de uma tuna da Universidade Lusíada de Famalicão. De acordo com a publicação, o estudante foi assassinado pelos seus colegas numa praxe da tuna em 2001. Onze anos depois, a justiça obrigou a Universidade Lusíada a pagar uma indemnização de mais de 90 mil euros à família da vítima.

Em 2013, seis estudantes que estavam sob a responsabilidade da organização das praxes da Universidade Lusófona morreram quando foram arrastados pelo mar na praia do Meco.

Na Universidade do Minho, em Braga, três alunos de Engenharia Informática acabaram por falecer após terem ficado soterrados pela queda de um muro nos arredores da instituição. O acidente ocorreu no decorrer de uma brincadeira entre cursos, em 2014.