Montserrat Caballé. A soprano que fugia da diva

Montserrat Caballé. A soprano que fugia da diva


A ópera perdeu uma das suas maiores vozes. A soprano Montserrat Caballé estava fragilizada há vários anos mas resistiu até ao último sábado. Versátil e límpida no timbre, era uma das grandes sopranos da clássica mas ao cantar com Freddie Mercury, em 1992, chegou ao grande público


“Não me considero uma lenda da ópera, nem a última diva, como os jornalistas às vezes escrevem. Cada época tem as suas divas e, no meu caso, a única coisa que fiz foi fazer bem o meu trabalho, da melhor forma possível, ao mais alto nível”, afirmava com a simplicidade que, de facto, a voz nunca teve.

Montserrat Caballé morreu na madrugada de sábado, dia 6 no Hospital Sant Pau, em Barcelona, onde se encontrava internada há um mês. Os últimos anos não tinham sido fáceis. Em outubro de 2012 sofreu um AVC durante um concerto na Rússia. Ao cair inanimada, fraturou o úmero, um dos ossos do braço. E a saúde não fora a única fonte recente de dor. Em 2015, tinha sido condenada a seis meses de prisão com pena suspensa e a uma multa de mais de 250 mil euros por fraude fiscal. A cantora não tinha declarado a totalidade dos rendimentos relativos a 2010 (meio milhão de euros, que entretanto já tinha entregue aos cofres do Estado espanhol).

Fragilizada, não compareceu nem deu qualquer justificação à primeira audiência. Mais tarde, o juiz foi a sua casa interrogá-la. O processo terminou com uma audiência por videoconferência, com Montserrat Caballé a aceitar por fim o acordo.

O que ficara para trás é uma carreira de mais de quatro mil concertos nas melhores salas do mundo. Chamavam-lhe diva mas ela não gostava. “Parece parvo”, recordava o jornal espanhol ABC na hora da morte. 

Formada no Conservatori Superior de Música del Liceu de Barcelona, estreou-se profissionalmente em 1956 em Basileia, ao interpretar Mimi em “La Bohème”, de Puccini. Os holofotes incidiram sobre Montserrat Caballé quando foi protagonista da ópera “Lucrezia Borgia”, de Donizetti, no Carnegie Hall em 1965. Ganhou um Grammy, o prémio nacional de música de Espanha em 1998 e o prémio Príncipe das Astúrias das Artes, a mais alta distinção concedida em Espanha, em 1991. 

Na relação com o grande público, o ano seguinte seria decisivo graças a um dueto com Freddie Mercury em “Barcelona”, hino da cidade que amou até ao fim, para os Jogos Olímpicos da capital catalã, só possível graças à versatilidade e poderio da voz que então a elevou à condição planetária. Foram escritas duas canções para a competição, a outra tinha sido “Amigos para Siempre”, de Andrew Lloyd Webber e Don Black, interpretada também em dueto por Sarah Brightman e José Carreras.

Caballé dividiu o palco com todas as grandes vozes da ópera e não se coibiu de confessar a relação especial com os três tenores Pavarotti, Plácido Domingo e José Carreras.

“Quando Plácido Domingo cantou em ‘Manon Lescaut’, que foi maravilhoso, disse-me que descobriu um novo mundo. Aconteceu a mesma coisa comigo. Com José Carreras, tive um relacionamento muito especial. Ficámos encantados a ouvir um ao outro. E Luciano Pavarotti era como um pai”, descreveu.

A morte da soprano motivou reações de todos os quadrantes. O chefe de estado espanhol, Pedro Sánchez, classificou a perda de “triste notícia” no Twitter. “Morreu uma grande embaixadora do nosso país, uma soprano de ópera reconhecida internacionalmente. Montserrat Caballé, a voz e a doçura permanecerão sempre connosco”, declarou nas redes sociais. 

O rei de Espanha, Felipe VI, também expressou as condolências. Caballé foi “a grande senhora da ópera, uma lenda da cultura universal, a melhor entre os melhores”, escreveu o monarca no Twitter. “A personalidade e a voz inigualável vão acompanhar-nos para sempre”. E o tenor José Carreras também reagiu, em declarações à rádio espanhola. “De todas as sopranos que escutei ao vivo em teatros, nunca ouvi ninguém cantar como Caballé”, defendeu. O Teatro do Liceu de Barcelona, onde Caballé deu mais de 200 espetáculos, também deixou uma declaração, lamentando a morte “de uma das sopranos mais importantes da história”.

O Ministério da Cultura espanhol propôs à família de Montserrat Caballé a celebração em Madrid e Barcelona de uma dupla homenagem. O ministro da Cultura, José Guirao, propôs esta iniciativa à família da diva da ópera durante sua visita ao local onde o corpo da cantora se encontra em câmara ardente.

Depois de cumprimentar e conversar com a família durante 45 minutos, Guirao disse, em declarações aos jornalistas, que a filha de Caballé, Montserrat Martí, foi recetiva à proposta.

Destacando a importância da figura de Caballé, descrevendo-a como “uma mulher única e uma voz perfeita”, Guirao afirmou ter sido “emocionante ver nas últimas horas como os grandes teatros em todo o mundo e os meios de comunicação internacionais se lembraram dela “.

O funeral realizou-se esta segunda-feira às 12h00. O corpo ficará no Cemitério de Barcelona.