“Going, going, gone…”. O entusiasmo do leiloeiro da Sotheby’s ao vender “Girl With Balloon” por 1,042 milhões de libras (1,2 milhões de euros), a licitação mais alta não durou mais que um fôlego. A sala espantou-se ao ver a obra ser rasgada em tiras no instante seguinte a ser arrematada. Ao soar do martelo a obra autodestruiu-se. graças a uma trituradora de papel habilmente escondida na moldura.
“Parece que fomos Banksyados,“ resignou-se Alex Branczik, da Sotheby’s, citado pelo “Financial Times”. “Estamos a tentar perceber o que isto significa no contexto do leilão”, referiu sem tirar outras conclusões. “Já falámos com o comprador que ficou surpreendido. Estamos a discutir os próximos passos”, declarou ainda ao jornal.
A partida de Banksy deixou o mundo da arte (e não só) pasmado. Horas depois da sabotagem, Banksy explicou no Instagram como tudo fora congeminado, sem no entanto mostrar como foi acionado o mecanismo de destruição da obra. aparentemente ativado por controlo remoto, publicando um vídeo do momento, Enquanto a venda por números astronómicos era efetuada, o artista sem rosto nem nome assistia da sala. Não se vê mas pode imaginar-se uma sonora gargalhada para dentro (para não levantar suspeitas desnecessárias) à medida que o vídeo vai mostrando expressões faciais de surpresa, apreensão ou apenas desespero. Banksy citou uma frase de Picasso para ilustrar a subversão. “A urgência de destruir é também uma urgência criativa”.
No site oficial, a Sotheby’s não ignora o ato. “O inesperado incidente entrou instantaneamente para a história da arte mundial e marca certamente a primeira vez que, na história dos leilões de arte, uma obra se destruiu a si própria após ter sido licitada”, é a reação oficial. As opiniões dividem-se sobre a participação da Sotheby’s no acontecimento. Há quem defenda que seria impossível a casa de leilões não ter encontrado o dispositivo ao verificar a autenticidade da obra, adicionando, desse modo, a questão do marketing à operação.
Sob que pretexto? Para Banksy, seria uma tomada de posição sobre a institucionalização da arte e da contra-cultura, em particular; para a Sotheby’s, a colaboração num ato de grande espetacularidade e uma forma audaz e performativa de valorizar ainda mais a obra.
John Brandler, o diretor das galerias de arte Brandler, defendeu à BBC que “quanto mais publicidade uma obra de arte recebe, mais tende a valorizar-se” e descreveu Banksy como “o perfeito artista publicitário”, capaz do truque “absolutamente brilhante”.
Por enquanto, o domínio é o das teorias mas Banksy voltou a ser capaz de agitar o circuito da arte contemporânea poupando nas palavras para assumir o desconforto para com a apropriação da cultura de rua por parte das galerias e outras instituições clássicas.
“Girl With Balloon” (2006) é a variação de um célebre mural pintado no bairro londrino de Shoreditch em 2002 em que uma menina tenta apanhar um balão vermelho em forma de coração. Deu origem a milhares de reproduções e esta, do próprio Banksy, foi pintada com spray e acrílico em tela.
Como sempre, o tema reacendeu a curiosidade sobre Banksy. Quem é Banksy? É quase unânime que se trata de alguém oriundo do subúrbio de Bristol. A tese ganhou mais força quando, no ano passado, um mapa traçava uma geografia similar entre o artista e 3D, o cérebro dos Massive Attack. Todas as cidades onde Bansky deixara marca nas paredes, tinham sido visitadas pelos Massive Attack em digressão, o que podia ser uma simples coincidência a não ser o facto de haver uma similaridade não só no espaço mas também no tempo, já que a autoria dos murais correspondia ao momento do coletivo de Bristol liderado por 3D na cidade.
De resto, há um caso muito semelhante na música com Burial, o produtor de música eletrónica lenta e interior, de quem não se conhece a real identidade e que até já trabalhou com os Massive Attack em duas canções. Mais pistas para jogar ao quem é quem.
Sobre Banksy, o que se passou sexta-feira na Sotheby’s é o inverso do que fez há cinco anos em Central Park quando vendeu obras avaliadas em milhares de euros a 60 dólares.
O que há em comum entre as duas manifestações é uma reação não só à institucionalização da arte, como a uma rejeição do luxo e da mercantilização.
Na Internet das coisas, debate-se a autoria do vídeo dentro da galeria. Seria Bansky? Um duplo? Um enviado especial? Possivelmente, nunca saberemos mas nem todas perguntas têm respostas, nem todas as charadas têm resolução, nem todos os finais são fechados.