Portugal, a Europa e as interligações elétricas com França


A abertura ao “mercado elétrico europeu” vai pôr em causa vários interesses instalados que têm vivido protegidos, nomeadamente pelas FIT, que são por si só o maior atentado à livre concorrência, pelo que resta alguma expetativa sobre a concretização do que ficou acordado na Cimeira de Lisboa


A realização da cimeira em Lisboa, a 27 de julho de 2018, que contou com o presidente de França, o primeiro-ministro espanhol, o comissário europeu para a Energia e a vice-presidente do Banco Europeu de Investimento, para reforçar drasticamente as interligações elétricas entre a França e a península Ibérica foi muito relevante para Portugal e para a Europa.

Nunca os mais altos responsáveis de França, de Espanha e de Portugal se haviam encontrado para darem urgência a um projeto estratégico da maior relevância prática: construir uma nova interconexão elétrica com uma potência de 5500 MW que irá ligar o sul de França a Espanha, ao longo da costa do golfo da Biscaia.

Numa altura em que perde terreno relativamente aos gigantes económicos – os Estados Unidos da América e a China –, é da maior importância que a União Europeia não se deixe afundar ainda mais e aposte em projetos que reforcem a competitividade económica e a utilização racional de todas as formas de produção de eletricidade na Europa.

No caso português, as empresas e as famílias têm sido vítimas, há mais de 12 anos, duma política nefasta que visa introduzir sob ”pressão legislativa” as renováveis intermitentes no sistema elétrico, obrigando os consumidores a pagar por esse facto um preço exorbitante e a acumular uma enorme dívida tarifária que atinge ainda 3800 milhões de euros.

O que esteve na origem desta desgraça foi o “cocktail explosivo” dos preços de eletricidade, proveniente da “mistura” das feed-in tariffs (FIT) concedidas às renováveis intermitentes com os CAE/CMEC concedidos às centrais térmicas clássicas, que não vai ser resolvido pelo reforço em 5500 MW das interligações elétricas com França.

Todavia, esta nova interligação elétrica com França vai proporcionar, logo após a sua concretização, quatro importantes vantagens:

a) Os 15% de eletricidade que estão em mercado passarão a estar sujeitos a mais ofertas, o que permitirá uma baixa do respetivo preço;

b) Dado que as FIT abrangem hoje 6000 MW de potência intermitente – muito mais do que os 3800 MW de consumo nas horas de vazio –, esta nova interligação permitirá alargar os potenciais compradores dos excedentes assim artificialmente criados;

c) Os produtores elétricos sem FIT, sempre que fiquem sem consumidores em Portugal devido à entrada no sistema de fontes intermitentes com FIT, poderão ter alternativas de consumo de forma a reduzir o número de situações de pára–arranca a que estão sujeitos;

d) Esta redução do número de paragens/arranques contribuirá para reduzir o desperdício de energia primária de que o sistema tem sido vítima devido à intermitência das eólicas e das fotovoltaicas.

Esta abertura ao “mercado elétrico europeu” vai pôr em causa vários interesses instalados que têm vivido protegidos, nomeadamente pelas FIT, que são por si só o maior atentado à livre concorrência, pelo que resta alguma expetativa sobre a concretização do que ficou acordado na Cimeira de Lisboa.

E foram dois os vetores de atuação a curto prazo definidos nesta cimeira:

– Elaborar o projeto de engenharia da conexão elétrica de 280 km que vai ligar Cap Breton a San Sebastián e passar depois à fase de adjudicação dos equipamentos e à respetiva instalação no terreno;

– Negociar as cláusulas comerciais que definirão as regras das transações de eletricidade entre França e o atual Mibel. Sendo certo que o princípio básico será a regra do “preço mais baixo em cada momento”, haverá que definir ainda quais os agentes que poderão atuar nesse mercado e em que condições serão negociadas, executadas e liquidadas essas transações.

Note-se que, com esta nova interligação, a potência da totalidade das interligações entre a França e a península Ibérica passará a ser da ordem dos 9300 MW, o que exigirá certamente “plataformas de negociação” altamente eficazes e fiáveis.

Mas, aqui chegados, voltamos a uma questão fundamental:

Se os dirigentes europeus preveem que este Mercado Elétrico do Sudoeste Europeu, envolvendo França, Espanha e Portugal, entre em funcionamento até 2023, como irá ele articular-se com o “cocktail explosivo” do Sistema Elétrico Português que, no atual quadro legal, se irá prolongar até 2033?

Este é certamente um problema da mais alta importância que a Cimeira de Lisboa não irá só por si resolver, até porque só menos de 15% da produção de energia elétrica portuguesa é negociada em mercado.

O que a Cimeira de Lisboa revela é que este enorme problema que há anos estava esquecido neste canto da Europa passou a ter uma dimensão europeia e, por isso, foram agora concedidos 578 milhões de euros para esta nova interligação.

E a forma como este problema vai ser resolvido vai depender da qualidade da democracia em Portugal, bem como da determinação dos dirigentes europeus para resolverem os problemas concretos dos cidadãos e das empresas europeias, neste momento crucial de preparação das eleições para o Parlamento Europeu, que irão decorrer em maio de 2019.

Professor do Instituto Superior Técnico

Subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”