Circo Paraíso. Um thriller vindo do país real

Circo Paraíso. Um thriller vindo do país real


Depois de um verão sem novas séries nacionais, estreia hoje a primeira produção da RTP desta nova temporada. Da criadora da premiada “Madre Paula”, Patrícia Müller, que ao i falou sobre este circo a que chamou paraíso


Algo há de correr mal aqui, e disso saberemos logo de início. Aqui, nesta pequena vila perdida não interessa onde, algures em Portugal – o importante é o que vai acontecer. Uma série de acontecimentos estranhos, que em comum entre si têm apenas um dia. O dia da chegada do circo à aldeia. Para quê? Pergunta de todos, dos habitantes da aldeia aos próprios artistas, resposta na cabeça de um homem: Emílio Garibaldi, que é José Raposo a dirigir um circo. E só isso seria razão para assistir a partir hoje, às 22h, a “Circo Paraíso”. A nova série das noites de quarta-feira da RTP1. Criada por Patrícia Müller e realizada por Tiago Alvarez Marques, a dupla que com “Madre Paula” ganhou o prémio de Melhor Série nos últimos Prémios Sophia.

“Circo Paraíso” é completamente diferente de “Madre Paula”. Qual foi o início desta história?

Começou por uma questão prática. A certa altura percebi que a RTP tinha dois slots, o das 23h e o das 21h. Propus-me [a pensar uma série] para o das 21h e cheguei à conclusão de que uma coisa de thriller psicológico, de mistério, seria o ideal. Sendo que não tem mortes, não é uma coisa sanguinária.

É um policial.

Exatamente. Um policial, só que um policial sem sangue. Essa foi a primeira ideia. A segunda foi onde é que poderia fazer isto num contexto e num local o mais original possível — original no sentido de visualmente atraente. Aí veio uma coisa que adoro, que é o circo. Acho que é um universo muito interessante porque não sabes de facto o que se passa ali, porque eles vivem vidas de saltimbancos mesmo. Por outro lado, há uma magia… São artistas que muitas vezes nem são vistos como artistas. O que fiz foi juntar as duas coisas.

Como foram dar a este lugar?

A série foi gravada em Sintra, mas é tudo ficcionado. A aldeia não existe. Não há nada de inspiração real ali. Para mim foi engraçado porque venho de um universo com uma grande inspiração no real, em factos, e aqui fui eu que os criei. Até nas novelas tens que ter sempre os temas sociais, etc., aqui não. Foi uma grande liberdade e isso foi muito porreiro.

Apesar disso, tudo aqui é bastante realista. Se olharmos para os décors, para a mercearia, por exemplo, não é um lugar bonitinho. É uma mercearia qualquer.

Tinha de haver um cunho de realismo para compor este universo. Sabemos que as mercearias de aldeia são mesmo assim. Juntámos isso ao tal realismo do não-realismo do circo.

O próprio circo é bonito mas um bonito que não deixa de ser decadente ao mesmo tempo. Pode ser tudo ficcionado mas há muita verdade nesta história.

É. Isto passa-se numa aldeia perdida no nada, como há tantas num Portugal mais interior que acaba por se recriar pouco nas séries e na televisão. Mostrá-lo de uma maneira falseada também não interessava. Além disso, tudo isso ajuda também à ideia do mistério.

Voltando àquela ideia inicial de fazer um thriller, e um thriller psicológico: olhando para o que fizeste antes, é uma novidade este género, surpreendente até.

Sempre adorei policiais. Adoro duas coisas, e são os filmes que vejo: ação e policiais. Gosto muito de filmes de porrada ou de thrillers. Agora está a dar nos TV Cine toda a saga do “Alien vs. Predador”. Estamos a ver um por dia cá em casa. Toda a gente é obrigada a ver.

Ninguém diria.

Ninguém. Já se têm feito algumas coisas dentro do género, mesmo dentro das novelas, mas não é assim tão comum na ficção televisiva nacional. Sobretudo sem sangue e sem mortes. Uma coisa em que passas um bocadinho por cima disso também te obriga a puxar um bocadinho mais pela cabeça — a mim e à minha equipa.

Esta é mais uma colaboração com Tiago Alvarez Marques, que tinha realizado já “Madre Paula”. Ele fez parte do projeto desde o início? Propuseram-se a fazê-lo juntos já à partida?

Sim, a equipa que começou foi a equipa que acabou. Tive também uma equipa de quatro guionistas a trabalhar comigo. Fiz um bocadinho como fazem nos Estados Unidos, que é cada guionista escreve um conjunto de episódios. O Hugo Gonçalves, a Sara Simões, a Ana Vasques e a Catarina Peixoto, guionistas vindos de diferentes áreas e muito talentosos, que me ajudaram imenso a compor tudo isto.

Além disso, também esta figura de criador é pouco comum por cá. Não os vemos aparecer nos genéricos das séries.

Não. Tens, por exemplo, “uma novela de”, isso tens. A autoria é uma coisa muito importante, em tudo. Claro que estou sempre a puxar aqui por mim, e pelos meus, mas acho que muitas vezes em Portugal o argumentista é um elo um bocadinho fraco. Quanto mais conseguirmos puxar o trabalho do argumentista e da autoria para cima — sou autora como todas as pessoas que escreveram os seus episódios na série — melhor.

Tem-se falado frequentemente sobre como a aposta na produção de séries nacionais foi boa para os atores. Também foi boa para os argumentistas?

Sim, isto pôs a escrever muita gente. Gente que vinha das novelas ou que vinha do humor, do cinema… Foi um pontapé de saída incrível e espero que a aposta continue. E isto não é só sobre a escrita. Tens equipas técnicas e criativas de várias áreas, pessoas que vieram do cinema, por exemplo, e que nunca tinham feito televisão. Isto é muito bom. Já chega daquela divisão entre as novelas e o resto. Ou parece que também só conseguimos fazer novelas.

A série conta com um elenco extraordinário, encabeçado pelo José Raposo.

Nunca tinha trabalhado com o José Raposo. Tinha-o visto no “País Irmão” e o Hugo [Gonçalves], que também escreveu “País Irmão”, tinha-me dito que o José Raposo é incrível. E, de facto, não é daquelas coisas que se dizem só por dizer. É mesmo. Foi uma ótima opção. Mas mesmo os miúdos menos conhecidos, além da Madalena Almeida e da Filipa Areosa, que são mais conhecidas, são todos muito bons. E na segunda temporada vais ver outros também muito bons.

Um compromisso raro esse de gravar duas temporadas logo à partida.

Logo de raiz havia duas ideias para duas temporadas. Foi uma aposta enorme da RTP — do Daniel Deusdado, do Nuno Artur Silva e do Virgílio Castelo, principalmente. A eles devo o “Circo Paraíso”, não me posso esquecer disso.