ADN. Vinte anos para provar que é filho de um padre

ADN. Vinte anos para provar que é filho de um padre


O americano Jim Graham escreveu uma página na História. Ontem, e depois de uma batalha de 25 anos contra a Igreja, conseguiu provar ser filho do padre Thomas Sullivan. O caso pode abrir um “precedente legal”       


A luta durou um quarto de século e acabou ontem. Jim Graham, o homem da Carolina do Sul  que emocionou o mundo no verão de 2017 quando contou ao jornal “The Boston Globe” como tentava provar, há 25 anos, que era filho de um padre, recebeu finalmente os resultados dos testes de ADN. 

E a ciência deu-lhe razão: Jim,  com 73 anos, é mesmo filho de Thomas Sullivan, um sacerdote católico que morreu em 1993. E o caso – que envolveu a exumação do corpo para recolha de amostras genéticas – poderá agora servir para abrir um precedente legal que permita a outros adultos provarem desconfianças de paternidade em relação a membros da Igreja Católica.

“A confirmação dos resultados de ADN, com 99,99% de fiabilidade, são um passo significativo no restabelecimento dos direitos e da dignidade que foram tirados a Jim Graham nos últimos 25 anos”, disse a médica Ann Marie Mires, responsável pela clínica de Paxton, no estado do Illinois, onde os testes foram realizados. Jim podia ter recebido os resultados por telefone, mas preferiu viajar desde a Carolina do Sul para os receber pessoalmente.  

“Conduziu desde a Carolina do Sul para saber se o padre Thomas Sullivan era seu pai e eu estou aqui para lhe dizer que era”, disse-lhe a médica quando o recebeu. Jim, descreve o “The Boston Globe”, respondeu com um sorriso e pediu-lhe um abraço. “Nunca tinha abraçado um médico antes. Obrigada”. 

 Terminada a luta de 25 anos (Graham começou a investigar a possibilidade de ser filho do padre aos 48 anos, em 1993), a história poderá não ter ainda chegado ao fim. Jim diz esperar que o seu caso “abra um precedente” para que adultos de todo o mundo que estejam na sua situação possam “fazer o mesmo” e reivindicar os seus direitos. Isto porque sempre se queixou de que a Igreja Católica sabia “de tudo”, mas fechou-lhe as portas, tendo-lhe negado os direitos. 

Em agosto do ano passado, o  “The Boston Globe” publicou uma investigação inédita. “Padre, meu pai: filhos de sacerdotes católicos vivem entre segredos e culpa” contava a história de Jim Graham e de dezenas de outros filhos de sacerdotes católicos, já adultos, que nunca foram assumidos. Depois de os pais morrerem, Jim passou a viver com uns tios na Carolina do Sul. E, em 1993, meses a seguir à morte da mãe, teve uma conversa com a tia, a quem perguntou por que razão o pai, John, nunca gostara dele. E a tia mostrou-lhe o obituário de um padre, Thomas Sullivan, que saíra há pouco tempo num jornal local.  “Este homem talvez possa ser o teu pai, mas não temos a certeza”, disse-lhe a tia. E  Jim garante que se reconheceu na fotografia do sacerdote. 

A partir desse momento, tentou provar a paternidade e reivindicar os seus direitos. Visitou hospitais, orfanatos, arquivos, paróquias e passou a pente fino a história da mãe, até encontrar documentos que o ligavam a Sullivan. Só que, como o padre morreu em 1993, nunca conseguiu ter direito a nada, uma vez que a Igreja Católica se recusou a reconhecê-lo. Jim garante, aliás, que a instituição fez “tudo por tudo” para encobrir a paternidade ao longo dos anos, sendo que o assunto é especialmente embaraçoso para a hierarquia da Igreja porque, na década de 1940, o padre Sullivan teve um caso com a mãe de Jim, sabendo que esta era casada. 

Entretanto, Graham juntou-se à “Coping International”, um grupo irlandês que apoia filhos ilegítimos de padres católicos e cujo presidente, Vincent Doyle, acusa a Igreja de desresponsabilizar os padres que são pais.

A maior batalha legal não tem assim tanto tempo: para que pudesse fazer testes de ADN, Jim precisou que o tribunal autorizasse a exumação do corpo do padre, enterrado num cemitério do Massachusetts. O procedimento foi aceite em junho. “É um sentimento agridoce. A Igreja sabia que ele era meu pai. Eu sou a voz de outros filhos de padres espalhados um pouco por todo o mundo”, confessou ontem.