Paulo Rocha Cardoso. “Ninguém sai da Comic Con a dizer ‘isto não é para mim’”

Paulo Rocha Cardoso. “Ninguém sai da Comic Con a dizer ‘isto não é para mim’”


Começa já na quinta feira a 5.ª edição da Comic Con Portugal, que este ano assenta arraiais no Passeio Marítimo de Algés


Está por dias aquele que se apresenta como o maior evento da cultura pop do país. À 5.ª edição, a Comic Con Portugal mudou-se para o Passeio Marítimo de Algés e abre as portas a partir da próxima quinta-feira (termina domingo). Ainda não é desta que Paulo Rocha Cardoso, diretor-geral da Comic Con Portugal, geek assumido e pai de três meninas que já lhe roubam a BD, consegue trazer ao evento o seu convidado fetiche, Stan Lee. Mas tirando isso a nova edição do universo Comic Con não está para menos: o recinto de mais de 100 mil metros quadrados, dividido por “dez mundos” – Cinema & TV, Banda Desenhada & Literatura, Gaming, Anime & Manga, Pop Asia & Área Comercial, Mundo do Cosplay, New Media, Música, CCPT Experience e Comic-Con Kids – está preparado para receber este ano mais de 100 mil visitantes. Há lojas oficiais de marcas de brinquedos, desde a Lego à PlayMobil, uma representação sem precedentes da Play Station, lançamentos de filmes e séries, youtubers, muitos atores, autores de BD, concertos com as bandas sonora dos filmes e até velhinhas marcas portuguesas encontraram o seu lugar: a CTT vai lançar selos da Comic Con Portugal. Um evento que, cada vez mais, cruza gerações: afinal, não é essa uma das matrizes da cultura pop?

Como surgiu a ideia de trazer a Comic Con para Portugal?

A Comic Con não veio para Portugal. É um evento que nasceu em San Diego (Califórnia) que já existe desde 1970. Acima de tudo a Comic Con tem um conceito que é a promoção da indústria da cultura pop. Sempre acompanhámos aquilo que era feito, nós sempre crescemos com este universo.

Quando diz nós…

Acho que todos os portugueses cresceram com a banda desenhada, cinema e literatura. Falo de nós no plural porque este é um universo que não é desconhecido da maioria das pessoas. As Comic Conventions, que é o que acontece no mercado internacional, colocam a indústria deste universo no mesmo espaço que o público. Sou um colecionador de BD, sou um aficionado de filmes e videojogos, posso não parecer mas sou um geek, e há muito tempo que via esta experiência do que era feito lá fora. Em 2013 começaram a fazer-se diversos estudos sobre qual a possibilidade de fazer este tipo de evento em território nacional. Havia vários eventos de videojogos, de cinema, de literatura, mas não havia nenhum que comportasse todas estas áreas e representasse a cultura pop na sua amplitude. Por isso, em 2014, resolvemos criar a primeira edição do evento Comic Con Portugal.

Esta vai ser a primeira edição fora de Matosinhos. Qual é o grande desafio da nova localização e do novo recinto?

Tudo é desafiante, desde a altura em que se está a efetuar o evento, ao cartaz e ao próprio recinto em si, que já é conhecido da maioria das pessoas porque acolhe muitos festivais. Mas neste âmbito será um bocadinho diferente, porque a Comic Con tem algumas particularidades: há estruturas que têm que ser fechadas, outras que podem ser abertas. E esse é talvez o maior desafio que temos: desenhar todo um evento de novo, não perdendo a essência daquilo que é a Comic Con.

E qual é a essência?

São as pessoas. A própria indústria e os visitantes são a essência que faz o evento. Quem não vai à Comic Con porque acha que não é para si, quando entra num evento destes percebe que existe alguma coisa que o vai tocar: ou um youtuber que reconhece, um ator de cinema ou televisão com se identifica, um autor de literatura, os videojogos… O conteúdo é extremamente geracional, todos crescemos com Nintendo, com o Super Mario, o Indiana Jones, Star Wars, Dragon Ball, etc. Algumas pessoas identificam-se mais do que outras, mas dentro do recinto todos encontrarão sempre algo com se identifiquem e ninguém sai de lá a dizer “isto não é para mim”. 

O que aprenderam nas anteriores quatro edições?

Todos os anos fazemos diversas análises sobre como podemos melhorar o evento, e todos os anos fica aquela sensação de que poderíamos ter feito melhor. Quando vemos um visitante muito emocionado a dizer que tinha vivido um sonho porque conheceu este ou aquele talento ou conteúdo, aí percebemos que fizemos o nosso trabalho bem feito. O que queremos sempre é que essa emoção passe por todos os visitantes, o que não é fácil. Este ano estamos a tentar fazer isto: em cada uma das dez grandes áreas representadas ter conteúdos que criem experiências únicas. Gerir expectativas, alterações das agendas dos convidados que não são da nossa parte mas nós temos que perceber que as pessoas estavam à espera, e tentar sempre aumentar as emoções.

Qual é a média de idade dos visitantes? Aparecem famílias?

Há uma grande faixa etária mais jovem, o que é natural, tendo em conta o mundo das séries e dos filmes.Mas é extremamente gratificante quando vemos uma família em que temos o avô, o pai e os filhos em que vão todos muitas vezes trajados a preceito, ou seja como costume players [cos play], encarnado alguma personagem ou tema e estão em diversos painéis. Aconteceu isto no passado, os pais num painel da série “1986” do Nuno Markl; os filhos à espera de atores e youtubers, outros na área gaming [dos jogos] e estava toda a família dentro do recinto mas separada consoante as preferências. É muito gratificante quando conseguimos ter conteúdo que atinge todos os públicos.

Noutros países é muito comum as pessoas irem mascaradas. Acontece muito no evento?

Desde a primeira edição que uma grande parte dos visitantes encarna uma personagem. Isso aconteceu desde o início: as pessoas não vão só como visitantes, vão fazer parte do evento. Algumas têm quatro fatos diferentes para cada um dos dias, fatos extremamente elaborados. Ontem estivemos num programa com algumas pessoas que vão representar algumas personagens e é arrepiante ver como alguém se dedica desta forma. Isto também mostra que todos temos ídolos, temos personagens com que nos identificamos. Estas pessoas transpõem isso: é a ideia de que podes ser aquilo que tu quiseres, e esse é o mote da Comic Con. “Be whatever you want”. É o único espaço onde eu posso ter uma Sailor Moon com um Darth Vader ou um Dragon Ball, todos à vontade, todos a poderem ser quem quiserem.

É uma espécie de Carnaval antecipado que vamos ter aqui no Passeio Marítimo de Algés?

Não, não…

Mas é feio dizer que as pessoas vêm mascaradas?

É que o cosplay é muito mais do que isso. Não é só um hobby, é uma representação de algo que é emotivo para as pessoas. O cosplayer é alguém que constrói o seu fato e que o não só o veste como também os maneirismos das personagens, encarna-as. E é isto que diferencia o cosplay de um mascarado.

Sente que o grande público percebe a Comic Con e valoriza o evento? Por exemplo, eu não tinha noção de que no ano passado em Matosinhos receberam mais visitantes do que a Web Summit. 

Existem muitos eventos que, obviamente, já têm muito mais tempo do que a Comic Con em Portugal. Este é um conceito direcionado a massas, mas costumo dizer que estamos sempre no início. Estamos a criar o nosso próprio espaço e o público tem aderido muito: no ano passado tivemos 100.748 pessoas. A própria indústria cada vez está a apostar mais na Comic Con Portugal, e isso vai-se sentir muito este ano, e a própria comunicação social também tem dado destaque. Acredito que as pessoas podem nem saber o que se passa dentro do recinto mas que a Comic Con muito rapidamente vai ser conhecida. No ano passado, já 75% da população portuguesa reconhecia a Comic Con. Há uma ideia geral de ‘o que é que é aquilo’ mas, volto a dizer, somos muito novos e estamos ainda a mostrar ao público o que poderá ser isto.

A maioria dos visitantes são portugueses?

No ano passado tivemos 12% de público internacional, os restantes eram portugueses de todas as partes do país, incluindo ilhas. O público internacional veio de Espanha, dos EUA, da Europa e até da Austrália. Acreditamos que este ano Algés trará outro tipo de envolvência, até porque o turismo é extremamente representativo na região.

E acha que as acessibilidades terão uma palavra a dizer relativamente ao número de visitantes?

Sim, é um recinto que as pessoas já conhecem. Um dos maiores festivais de verão acontece aqui, as pessoas já têm essa experiência. Estamos a criar algumas parcerias, nomeadamente com a CP, que vão ajudar as pessoas a estarem cá.

Quem coordena os conteúdos que estão presentes no evento? 

Está a perguntar-me se sou eu que escolho um conteúdo ou outro?

Pelo que explicou, a Comic Con é um evento que vem desde 1970, que não foi criado em Portugal…

E que em Portugal não tem nada a ver com o mercado norte-americano.

Mas depois é a organização que escolhe os convidados?

Tenho sempre ídolos que gostava de ter cá, mas a Comic Con tem exatamente na sua génese a promoção da indústria. Em termos de conteúdo, são efetuadas diversas reuniões com todos os players que fazem parte da indústria para perceber o que faz ou não sentido estar este ano ou no próximo.

A organização reúne então com os parceiros para ver o que faz sentido ou não, imagino que há sempre clássicos que não passam de moda…

Sim. Há sempre conteúdo que é intemporal: Star Wars e Indiana Jones são dois bons exemplos. Há dois anos envolvemos a música, que foi o último grande tema que acrescentámos na Comic Con e que fazia sentido porque a cultura pop é transversal. Este ano, as pessoas vão poder ter experiências com os grandes conteúdos musicais de cinema, como o “Senhor dos Anéis”, “Harry Potter”… 

E haverá concertos com essas bandas sonoras?

Vai haver um concerto com a Lisbon Film Orchestra em que serão interpretados os grandes temas do cinema [sábado].

Vamos então às grandes novidades deste ano. Com que podem contar os visitantes?

Este ano tudo é novo (risos). Mesmo as pessoas que foram às últimas edições vão sentir que tudo é diferente, primeiro pelo próprio espaço, depois pelo formato. Em cada uma das áreas tudo está a ser pensado para criar mais emoções nas pessoas. No mundo do cinema vamos ter ante-estreias exclusivas de filmes: posso dizer que no primeiro dia as pessoas poderão ver um filme em ante-estreia que ainda não posso relevar – e também serão lançadas séries na Comic Con. Teremos apresentações e lançamentos de jogos, no mundo da literatura também. A Porto Editora em conjunto connosco vai lançar na sexta-feira um exclusivo, em que a autora assinou todas os exemplares, para oferecer aos visitantes. Não temos uma área que seja superior a outra, todas têm conteúdos relevantes.

Não há nenhuma que sintam que tem mais adeptos, por assim dizer?

Penso que às vezes o próprio conteúdo é comum: se falarmos por exemplo de Harry Potter, conseguimos ver no cinema, na televisão, na banda desenhada, começamos a ver nos videojogos – e, obviamente, nos livros.

São os heróis multiplataforma.

Exatamente! Não posso dizer: vou à Comic Con por causa do gaming, ou vou por causa do cinema ou da música. Vou por algo com que me identifique, independentemente da área em si. 

Quer deixar-nos os destaques de cada área?

Ui… Vamos começar por cinema e TV: ante-estreias que ainda não posso mencionar, nos filmes internacionais teremos cá Dan Fogler que vem representar “Fantastic Beast”, o filme mais recente do universo Harry Potter, Nicholas Hoult sobre X Men; Dolph Lundgreen que irá representar “Aquaman” e “Creed II”. No cinema nacional teremos o “Solum” do Diogo Morgado e ainda outros nomes que não foram anunciados. No mundo da televisão teremos três estreias exclusivas: “Siren”, “ The Outpost” e “Beyond”. Estamos a preparar algumas surpresas em termos de elenco e conteúdos nacionais em termos de séries da “RTP” como a “1986”. Na BD teremos Maurício de Sousa, da “Turma da Mónica”, que vai estar cá os quatro dias; Chris Claremont de “X Men”, Mark Wade de “Capitão América”, Filipe Melo que apesar de ser um autor de banda desenhada também estará na área de new media, temos um espaço para os artistas independentes mostrarem o seu trabalho e muitos conteúdos de vários parceiros, como a Saída de Emergência. Já no internacional temos o Sergio Loki, que é um cosplayer extremamente conceituado que até adota o próprio nome – faz o cosplay do Loki, uma personagem dos “Vingadores”. Depois há o concurso dos heróis do Cosplay que é muito, muito procurado e tem reunido muitos adeptos, com as pessoas a querem mostrar [os fatos] que fizeram durante um ano!

Há pessoas que se preparam durante um ano?

Mais de um ano! Isto é um status quo, é um alter ego. É uma atividade muito interessante: as pessoas têm o seu emprego, a sua família e vida normal, mas depois termina chegam a casa e vestem o alter ego da personagem com que se identifica. Em termos visuais é incrível. Há fatos de dois e três mil euros [por motivos de segurança, há adereços, que estão proibidos, por isso o melhor verificar a lista de itens proibidos]

Voltando aos destaques…

Falta falar do gaming! Teremos torneios de qualificação para torneios internacionais; um outro que será pela primeira vez efetuado em Portugal que é de PUBG; o lançamento do jogo do Spider Man com a Playstation; a Nintendo também estará a apresentar um jogo acabado de lançar e há ainda um Museu do Videojogo onde podemos interagir desde com as primeiras consolas até ao que será o futuro do videojogo, com a realidade aumentada e a realidade virtual. No mundo de New Media – estou sempre a dizer “o mundo” porque a Comic Con é o universo da cultura pop (risos) – teremos a maioria dos youtubers que estão em voga no panorama nacional. E na área Kids teremos “Força Ralph”, que é um jogo de um filme e um casting para escolher novas vozes para entrar no filme que sai no final de novembro. 

Qualquer pessoa pode fazer o casting?

Sim! É uma oportunidade de as pessoas poderem entrar neste universo cinematográfico e se aproximarem. E acho que isto é importante: a Comic Con é uma das poucas oportunidades para as pessoas de falarem com um ator ou um talento. Para os jornalistas estar com essas pessoas é o dia a dia, mas para um visitante nunca acontece: as pessoas podem pedir autógrafos, fotos, fazer questões.

Agora no âmbito mais pessoal: o Paulo já nos disse que é o verdadeiro geek. Tem quantos títulos de BD em casa?

Segundo a minha esposa mais do que deveria (risos)! Tenho três filhas, uma com dez anos e gémeas de um ano, e a mais velha já lê a minha BD. Mas já percebi que tenho que ter tudo em duplicado porque as gémeas já destroem tudo (risos). Isto para mim não é um trabalho, é um sonho. A parte de que menos gosto é não poder desfrutar do evento.

Gostava de ir à Comic Con como convidado?

Adoraria ser visitante, seria a pessoa mais feliz dentro do recinto! 

E encarnaria alguma personagem?

Várias! Respeito e revejo-me muito nos valores internos do cosplay. Muita da minha infância foi passada a adotar determinados heróis e os valores que eles representavam. Cresci em várias partes do mundo – na Venezuela, em Braga, no Porto – e a BD, o cinema e os videojogos sempre foram umas constante. Sempre quis ser super-herói e lembro de, perante a dúvida na minha infância, me perguntar o que fazia esta ou aquela personagem. Se formos a pensar, ninguém gosta do Indiana Jones por ele ter um chicote ou um chapéu, mas pelos valores que representa e por e ser aventureiro, audaz, por reagir com humor. Ainda noutro dia me diziam que a Comic Con era o meu alter ego, ou vice-versa, e é um pouco assim. Não é só uma questão de negócio, há uma envolvência muito grande. 

Quem adoraria ter um dia como convidado na Comic Con?

Obviamente é o Stan Lee, que fez muito deste universo acontecer. Sempre tentámos e é o convidado que tem um convite aberto no tempo.