Pagar menos 50% de IRS não convence os emigrantes portugueses ouvidos pelo i. Apesar de reconhecerem que é um incentivo para regressarem ao seu país de origem a opinião é unânime: os salários praticados no mercado nacional continuam a ser muito baixos quando comparados com os valores que estão a receber lá fora. Em causa está a medida avançada por António Costa que fala em desconto de de 50% no IRS aos emigrantes que saíram do país entre 2011 e 2015 e que regressem entre 2019 e 2020.
Apesar de ainda não se saberem muitos detalhes sobre como é que esta medida poderá ser aplicada, tudo indica que a dedução dure entre três a cinco anos.
Para Filipa Baptista, a trabalhar fora há 17 anos, a medida peca por ser insuficiente. Depois de uma curta passagem pelo mercado português no último ano, garante: “é preciso muito mais para voltar a Portugal do que uma redução de 50% dos impostos. As casas são caras, os salários são baixos e a progressão na carreira é difícil”, diz ao i a técnica de turismo.
Na bagagem tem a passagem por várias cidades europeias, onde tem trabalhado em várias cadeias de hotéis: Dublin, Genebra, Tenerife, Paris, San Sebastian. Neste momento está em França e não hesita: “o mais importante seria criar condições para que os portugueses não sejam obrigados a emigrar. Além disso, não acho justo em relação a todos os que pagam os impostos a 100%”, refere.
Filipa garante que o único trabalho remunerado que teve em Portugal foi a recibos verdes num projeto de uma autarquia. “É triste quando o próprio Estado é cúmplice de trabalho precário. Este sistema não existe em nenhum outro país. Mas também é verdade que prefiro viver no estrangeiro. O estilo de vida, as condições de trabalho, a comunicação, a cultura, o lazer estão de acordo com as minhas expectativas. Portugal é ainda, nalguns domínios, um país elitista, fechado e excessivamente burocrático”.
Também para António Coelho, emigrante na Polónia, o regresso a Portugal, de onde saiu há cerca de três anos e meio, não está nos seus planos e o “desconto” de IRS não vai ter, no seu entender, qualquer impacto na decisão de muitos dos trabalhadores que estão fora do país.
A par do salário também as condições de trabalho e a mentalidade têm muita influência. E o engenheiro informático dá um exemplo: “quando trabalhava numa consultora em Portugal fazia horas a mais, trabalhava durante a noite e fim de semana e no final era capaz de ser compensado com mais um dia de férias. Aqui como na Alemanha, onde também estive empregado, os trabalhadores são mal vistos se tiverem de ficar até mais tarde. Só mesmo em situações muitos excecionais, sempre a pedido da entidade patronal e não por iniciativa do trabalhador como acontece em Portugal”, afirma ao i.
Outro obstáculo apontado pelo engenheiro informático para o seu regresso diz respeito ao elevado custo de vida no mercado nacional. “Os custos relacionados com a habitação são muito elevados. É quase incomportável comprar ou arrendar uma casa no nosso país com os ordenados que são pagos”.
Fazer contas
Sofia Nunes, emigrante em Londres desde 2015, ainda não sabe qual vai ser o impacto da medida, principalmente se for tido em conta os salários praticados em Portugal. “Ainda não fiz contas, mas acredito que mesmo com o incentivo de 50% do IRS, a diferença salarial vai ser muito significativa”, diz ao i. Ainda assim, a gestora de risco de crédito admite que está nos seus planos o regresso ao país. “Estou a pensar em voltar, não sei quanto é que estão a pagar na minha área, mas para quem tem esses planos este incentivo poderá dar um empurrão para que essa tomada de decisão seja tomada de forma mais rápida”, garante.
Carreira internacional
Ao contrário dos outros emigrantes ouvidos pelo i, Gonçalo Silva nunca trabalhou em Portugal, já que quis apostar numa carreira internacional. Em Londres há um ano, passou antes por Macau e por Budapeste.
Além das condições salariais, onde o ordenado mínimo em Londres rondam as mil libras (cerca de 1100 euros) Gonçalo destaca a possibilidade de progredir na carreira. “Trabalho na hotelaria. Nunca iria ganhar cá o que recebo fora, sem falar nas hipóteses de progressão de carreira. No nosso país os obstáculos são sempre muito grandes e a mentalidade é muito retrograda”, conclui.