Irão: técnica e prática do golpe de Estado


Nos EUA permanece a resistência às “lessons learned”, rapidamente transformadas em “lessons forgotten”


Em Agosto de 1953 a CIA e o MI6 levaram a cabo um golpe de Estado para depor o primeiro-ministro Mossadegh que em 1951 promovera a nacionalização, por via parlamentar, da Anglo-Iranian Oil Company (AIOC, a antepassada da BP e que começara como Anglo-Persian Oil Company, APOC). O golpe reforçou os poderes de Rezha Palevi e a AIOC foi redistribuída pelas quatro maiores petrolíferas dos EUA (as três Standard Oil regionais e a Texaco, mais tarde conhecidas como Chevron, Exxon, Mobil e Texaco, 8% cada), a BP (40%), Shell (14%) e a Compagnie Française des Pétroles (a actual Total, com 6%). Este condomínio internacional entre as sete irmãs garantiu um aumento dos lucros pagos aos iranianos de 20 para 25% e, mais tarde para, nominalmente, 50% com a propriedade dos recursos e das instalações a ser atribuída à National Iran Oil Company (NIOC) e a operação a ser feita pelo consórcio das sete manas (Iranian Oil Participants, IOP). Em 1979 a revolução islâmica levou à nacionalização da IOP cujos bens passaram a ser geridos pela NIOC.

Em 2018 as sanções dos EUA atrasam a modernização da indústria petrolífera iraniana (e por consequência o aumento das exportações) e reduzem o valor do petróleo exportado que só é comprado pelos que podem viver sem recear o efeito extraterritorial das sanções aplicadas por Washington (China, Rússia e Índia). As contramedidas da União Europeia para evitar o efeito extraterritorial das sanções dos EUA não convencem ninguém. As grandes empresas ocidentais (Total, Daimler, Siemens, PSA, Renault,…) fugiram já, a British Airways e a Air France acabam de anunciar o cancelamento das rotas para Teerão. A economia vegeta e a frustração da sociedade civil iraniana já levou à recente demissão (por via parlamentar) dos ministros do trabalho e da economia, à perda de poder da ala reformista e ao reforço da autoridade dos conservadores. A aposta de Trump nas sanções é também uma aposta numa revolta dos iranianos. Curzio Malaparte explicava o golpe de Estado como sendo um problema técnico e não político. Por Washington há quem não aprenda com a história e aposte no virtuosismo da técnica, apagando a memória do golpe de 1953, o antídoto para qualquer novo golpe forçado pelas sanções promovidas pelo “Grande Satã”.

A história repete-se. Em 1951 foi o Reino Unido que levou o Irão ao Tribunal Internacional de Justiça, solicitando medidas provisórias contra a nacionalização da AIOC e o cumprimento de um acordo bilateral de 1933 que fundaria a competência do TIJ. Em 2018 é o Irão que, ao abrigo de um tratado de amizade do tempo do Xá, pretende ver declarada pelo TIJ a ilicitude das sanções dos EUA.

O falhanço das sanções deixa o campo livre para a ala radical da administração Trump, liderada por Bolton, autor de um artigo de opinião, publicado em 2015, no New York Times, intitulado “To Stop Iran’s Bomb, Bomb Iran”. À semelhança de outras experiências recentes (Afeganistão, Iraque, Síria,…) o Irão não é derrotável por uma campanha aérea, só com “boots on the ground”. Tal implica pagar o preço político das baixas e assumir o risco de um resultado incerto (qual é a métrica da vitória dos EUA no Afeganistão ou no Iraque?). De caminho há quem considere que o Pentágono não tem recursos suficientes para uma guerra com o Irão. E muitos consideram que a derrota das forças convencionais iranianas daria lugar a resposta assimétricas e não convencionais no Líbano, Israel, Síria, Iémen, Arábia Saudita,…

Um conflito armado reforçará os extremistas em Teerão, elevará Putin à condição de patrono nuclear da Pérsia e porá o Médio Oriente a ferro e fogo. Ao fazer aumentar o preço do petróleo dará um contributo inestimável para o abandono das energias fósseis…

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990
 


Irão: técnica e prática do golpe de Estado


Nos EUA permanece a resistência às “lessons learned”, rapidamente transformadas em “lessons forgotten”


Em Agosto de 1953 a CIA e o MI6 levaram a cabo um golpe de Estado para depor o primeiro-ministro Mossadegh que em 1951 promovera a nacionalização, por via parlamentar, da Anglo-Iranian Oil Company (AIOC, a antepassada da BP e que começara como Anglo-Persian Oil Company, APOC). O golpe reforçou os poderes de Rezha Palevi e a AIOC foi redistribuída pelas quatro maiores petrolíferas dos EUA (as três Standard Oil regionais e a Texaco, mais tarde conhecidas como Chevron, Exxon, Mobil e Texaco, 8% cada), a BP (40%), Shell (14%) e a Compagnie Française des Pétroles (a actual Total, com 6%). Este condomínio internacional entre as sete irmãs garantiu um aumento dos lucros pagos aos iranianos de 20 para 25% e, mais tarde para, nominalmente, 50% com a propriedade dos recursos e das instalações a ser atribuída à National Iran Oil Company (NIOC) e a operação a ser feita pelo consórcio das sete manas (Iranian Oil Participants, IOP). Em 1979 a revolução islâmica levou à nacionalização da IOP cujos bens passaram a ser geridos pela NIOC.

Em 2018 as sanções dos EUA atrasam a modernização da indústria petrolífera iraniana (e por consequência o aumento das exportações) e reduzem o valor do petróleo exportado que só é comprado pelos que podem viver sem recear o efeito extraterritorial das sanções aplicadas por Washington (China, Rússia e Índia). As contramedidas da União Europeia para evitar o efeito extraterritorial das sanções dos EUA não convencem ninguém. As grandes empresas ocidentais (Total, Daimler, Siemens, PSA, Renault,…) fugiram já, a British Airways e a Air France acabam de anunciar o cancelamento das rotas para Teerão. A economia vegeta e a frustração da sociedade civil iraniana já levou à recente demissão (por via parlamentar) dos ministros do trabalho e da economia, à perda de poder da ala reformista e ao reforço da autoridade dos conservadores. A aposta de Trump nas sanções é também uma aposta numa revolta dos iranianos. Curzio Malaparte explicava o golpe de Estado como sendo um problema técnico e não político. Por Washington há quem não aprenda com a história e aposte no virtuosismo da técnica, apagando a memória do golpe de 1953, o antídoto para qualquer novo golpe forçado pelas sanções promovidas pelo “Grande Satã”.

A história repete-se. Em 1951 foi o Reino Unido que levou o Irão ao Tribunal Internacional de Justiça, solicitando medidas provisórias contra a nacionalização da AIOC e o cumprimento de um acordo bilateral de 1933 que fundaria a competência do TIJ. Em 2018 é o Irão que, ao abrigo de um tratado de amizade do tempo do Xá, pretende ver declarada pelo TIJ a ilicitude das sanções dos EUA.

O falhanço das sanções deixa o campo livre para a ala radical da administração Trump, liderada por Bolton, autor de um artigo de opinião, publicado em 2015, no New York Times, intitulado “To Stop Iran’s Bomb, Bomb Iran”. À semelhança de outras experiências recentes (Afeganistão, Iraque, Síria,…) o Irão não é derrotável por uma campanha aérea, só com “boots on the ground”. Tal implica pagar o preço político das baixas e assumir o risco de um resultado incerto (qual é a métrica da vitória dos EUA no Afeganistão ou no Iraque?). De caminho há quem considere que o Pentágono não tem recursos suficientes para uma guerra com o Irão. E muitos consideram que a derrota das forças convencionais iranianas daria lugar a resposta assimétricas e não convencionais no Líbano, Israel, Síria, Iémen, Arábia Saudita,…

Um conflito armado reforçará os extremistas em Teerão, elevará Putin à condição de patrono nuclear da Pérsia e porá o Médio Oriente a ferro e fogo. Ao fazer aumentar o preço do petróleo dará um contributo inestimável para o abandono das energias fósseis…

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990