Seja em que estação for, Portugal é conhecido por dias de céu azul e sol. Ainda assim, existe no país “uma quase epidemia de pessoas com baixos níveis de vitamina D”. O alerta é do presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo (SPEDM), Davide Carvalho, que está preocupado com a relação entre essa carência e o desenvolvimento da diabetes tipo 1.
“O nosso estilo de vida e os nossos hábitos modificaram-se. Durante muitos anos, o homem trabalhava ao ar livre, estava exposto ao sol e conseguia garantir a vitamina D necessária, que é produzida por ação das radiações ultravioletas sobre o nosso organismo. Com o trabalho no interior, a exposição ao sol diminuiu, acompanhada por uma ingestão reduzida de vitamina D – uma vez que está presente também em quantidades relativamente pequenas nos peixes gordos como a sardinha, o bacalhau ou o salmão. E assim acabamos por desenvolver deficiência de vitamina D”, explica ao i o médico endocrinologista. Vários estudos recentes mostram mesmo que os portugueses têm níveis desta vitamina inferiores às populações dos países nórdicos, com uma menor incidência solar mas onde os suplementos estão amplamente massificados entre a população.
Mas afinal, de que forma é que a deficiência desta vitamina se relaciona com a diabetes tipo 1? É que, segundo o especialista, a vitamina D atua na prevenção de doenças autoimunes – entre as quais se encontra a diabetes tipo 1 -, pelo que a sua carência pode contribuir para o desenvolvimento da doença.
Mas existe também uma ligação entre a vitamina D e a diabetes tipo 2. “Com o aumento da frequência da obesidade – que potencia este tipo de diabetes -, o que acaba por acontecer é que o tecido adiposo, que aumenta nas pessoas com obesidade, retém a vitamina D, impedindo-a de entrar na circulação do sangue. Isso traduz-se, então, no facto de, habitualmente, os indivíduos obesos terem níveis de vitamina D mais baixos. Para agravar a questão, um outro problema: devido ao estigma de serem obesas, essas pessoas expõem-se menos ao sol, captando então também menos vitamina D por essa via”, refere Davide Carvalho.
Apanhar sol sem protetor De que forma é possível então produzir a vitamina D necessária para evitar carências no organismo? Colocar protetor, assinala o especialista, impede a produção da vitamina, uma vez que protege das radiações ultravioleta, que estão na base do processo. “Sabemos que a exposição prolongada ao sol não é saudável: vários estudos demonstram que o cancro da pele resulta sobretudo da queimadura resultante da exposição excessiva, particularmente antes dos oito anos. No entanto, aquilo de que aqui falamos é de uma exposição sem protetor de cerca de 20 minutos por dia”, diz Davide Carvalho. “Essa exposição deve ser feita até às 11h – entre essa hora e as 17h a exposição solar é desaconselhada -, evitando fazê-lo também antes das 9h e ao fim da tarde, uma vez que a essas horas os raios solares estão muito inclinados, resultando numa produção reduzida de vitamina D”. Cumprido esse requisito, bastam então os tais 20 minutos diários de exposição nos braços ou nas pernas. “A nossa recomendação é no sentido de que as pessoas façam, por exemplo, o seu exercício físico com os braços e as pernas parcialmente desnudados, em t-shirt ou calções, e assim conseguem ter essa exposição”. Outra hipótese é “fazer o percurso do carro até à praia com os braços e as pernas expostos à luz solar”.
Mas o rol de problemas para os quais a carência de vitamina D pode contribuir não se fica pela diabetes tipo 1: potencia, também, outras doenças autoimunes e inflamatórias como a artrite reumatoide e pode estar na base da osteoporose. Contribui ainda, por exemplo, para a diminuição da absorção de cálcio. Por isso, esteja atento aos sinais: como o especialista explica, sintomas como dores e espasmos musculares, cãibras, dificuldade em andar e fraturar ossos com maior facilidade podem indicar que o corpo não está a produzir a quantidade de vitamina D de que necessita.
A vitamina D é de tal forma importante que as pessoas com níveis mais elevados da vitamina têm habitualmente uma mortalidade menor do que o resto da população. Por isso, em países com uma menor incidência solar, têm sido criadas medidas que procuram garantir que a população obtém a quantidade de vitamina D necessária. É o caso da Finlândia, onde “todos os produtos para barrar no pão são fortificados com vitamina D”, exemplifica o especialista.
Obesidade e diabetes: um problema crescente Por todo o mundo, os casos de obesidade estão a aumentar. Com ela, aumenta também a diabetes tipo 2. Em Portugal, mais de 50% da população adulta tem excesso de peso ou é obesa e 90% dos doentes com diabetes tipo 2 são simultaneamente obesos. “A diabetes tipo 2 tende a aumentar sobretudo porque ela resulta da obesidade, que advém das modificações do estilo de vida: as pessoas andam menos a pé, fazem menos exercício físico, têm acesso a alimentos mais ricos em açúcar e gordura e portanto têm tendência a aumentar de peso”, explica Carvalho.
Por cá, os médicos portugueses estão especialmente preocupados com as crianças: é que o país está entre os que têm maior prevalência de obesidade infantil na Europa. “As crianças obesas de hoje vão ser os adultos obesos de amanhã. E vão ser diabéticos. Estamos a ver cada vez mais adolescentes com diabetes porque já são obesos desde muito cedo”, nota o presidente da SPEDM. É por isso que o representante da entidade apela à criação de mais medidas como a da taxação de produtos açucarados. “É urgente a criação de outras medidas como essa, que acabam por ser uma fonte de financiamento. As nossas propostas, aliás, têm sido no sentido de que o dinheiro que advém desses impostos seja utilizado para fazer campanhas de prevenção da obesidade, propiciando eventualmente condições até mesmo para que se reduzam os impostos de produtos hortofrutícolas, que são aqueles que combatem a obesidade”, defende Davide Carvalho.