Na Senhora do Ó, freguesia da Carvoeira, concelho de Mafra, o costume mantém-se há vários séculos: de 17 em 17 anos, lá vem a imagem de Nossa Senhora da Nazaré prestar uma visita à localidade, passando lá um ano, tal como manda a tradição do Círio da Prata Grande. Agora, a aldeia diz adeus à imagem devota: as festas já começaram dia 25 de agosto, mas continuam até dia 2 de setembro, com as mais diversas atividades, como concertos, passeios de BTT e bailes. Esta zona do concelho de Mafra faz questão que esta passagem fique marcada e seja relembrada até à próxima visita da santa, daqui a 17 anos. Por isso, é tudo feito com pompa e circunstância.
A devoção por esta santa estende-se ao longo de 17 freguesias, que fazem parte do concelho de Mafra, Sintra e Torres Vedras e constituem o Círio da Prata Grande: Cheleiros, Encarnação, Ericeira, Carvoeira, Alcainça, Sobral da Abelheira, Santo Estevão das Galés, Gradil, Azueira, Enxara do Bispo, Igreja Nova, Mafra e Santo Isidoro, Montelavar, Terrugem, São João das Lampas e São Pedro da Cadeira. As 17 freguesias formam a Confraria de Nossa Senhora da Nazaré da Pederneira. As ruas enfeitam-se de flores brancas e azuis, cores da Nossa Senhora, e a festa segue pelas ruas. Este ano, coube à freguesia da Carvoeira organizar as festividades e preparar a viagem até à próxima paragem.
O culto a Nossa Senhora da Nazaré é muito antigo, ao ponto de ninguém conseguir precisar a data em que se iniciaram a peregrinações. No entanto, é possível estabelecer uma linha temporal no que diz respeito a estas tradições em particular: o Círio da Prata Grande remonta ao século XVII. De acordo com um site dedicado a estas comemorações, tudo terá começado na Paróquia de Nossa Senhora da Conceição da Igreja Nova, com um morador da zona de Arrifana chamado João Manuel. Este homem, nascido em 1611, foi em peregrinação até à Nazaré para pedir um milagre para salvar a sua mulher, que estava quase a morrer. Curada, o peregrino prometeu que todos os anos iria caminhar até ao Santuário da Nossa Senhora da Nazaré da Pederneira e acabou por formar um grupo que o acompanhava nesta demanda, composto por membros de outras freguesias vizinhas. No regresso, compravam uma bandeira com as insígnias da santa, que ficava durante o ano depositada na igreja da freguesia. Assim começou esta tradição.
Em 2017, a Carvoeira – mais precisamente a Igreja de Nossa Senhora do Ó – recebeu a Nossa Senhora da Nazaré das mãos da Ericeira, um momento de grande felicidade naquela aldeia. Cláudia Sebastião, Secretária Geral da Comissão de Festas em Honra da Nossa Senhora da Nazaré, explicou ao i que, tanto no ano passado como neste, “houve muita gente a ajudar”. “Sentimos que [a população] está connosco e está disponível para nos ajudar, o que nos dá muita força”, diz a responsável.
Tempos de mudança No ano passado, a Senhora do Ó estendeu os braços para receber a santa. Esta semana, o sentimento é diferente: a aldeia despede-se da Imagem da Nossa Senhora da Nazaré para a entregar a Alcainça, próxima terra a receber a imagem sagrada. A despedida acaba por ser “sempre um momento triste”, revelou Cláudia Sebastião ao i. Mas também é um ano em que as pessoas se “envolvem muito e são realizadas muitas atividades (…) A imagem é levada a todos os lugares da freguesia, para que todos possam ter o prazer de vê-la passar junto à porta, junto aos seus lugares”, diz Cláudia Sebastião. “As pessoas habituam-se a estar aqui um ano a viver com Ela e começam a senti-la como algo nosso”, diz a responsável na brincadeira. Mas uma certeza não falha: todos “ficam com a esperança de poder voltar a ver” a santa quando regressar à Carvoeira, em 2034.
A presença da Nossa Senhora da Nazaré não é apenas religiosa: acaba também por ser um símbolo de mudança e um ano emotivo para quem habita na freguesia. “Para os mais velhos, com a partida da santa, o sentimento de tristeza é maior”, visto que “provavelmente, devido ao facto de já terem muita idade, vai ser difícil voltarem a ver [a imagem devota]”, diz Cláudia Sebastião ao i. Para os adultos, esta tradição é também sinónimo de crescimento e novas etapas na vida: “há 17 anos, a minha filha tinha 15 dias quando a Santa se foi embora; agora tem 17 anos. Está uma mulher e ajuda-me imenso, tem sido o meu braço direito”, exemplifica a responsável. Da primeira vez que viu a santa na Carvoeira, Cláudia “era uma miúda pequenina e ia no terço da procissão. Dezassete anos depois, estava casada. No ano seguinte, quando Ela se foi embora, já tinha uma bebé e agora, com mais 17 anos em cima, já tenho dois filhos”.
Alerta vermelho condiciona festa As festas já começaram, mas ainda há muita coisa para fazer até ao próximo domingo. O cartaz conta com muitas atrações, sendo o foco a procissão, a recitação do terço todos os dias e a celebração da Eucaristia. Para além disto, há ‘bailarico’, vários passeios de BTT e concertos de Cuca Roseta e UHF. No último dia, o palco é de Emanuel. O fogo-de-artifício costuma ser uma parte importante da festa, mas este ano vai ser diferente: devido ao alerta vermelho emitido pelas autoridades devido ao perigo de ocorrência de incêndios, esta atividade foi proibida. No entanto, a organização ainda está à espera para saber se no sábado, último dia da festa, poderá retomar este costume.
Outra das tradições que não se tem realizado é a Alvorada – momento em que são lançados foguetes para assinalar o início dos festejos. Mas, “em princípio, hoje, apesar de não estar 100% confirmado, vamos retomar esta atividade”, que tinha sido suspensa também devido às altas temperaturas que se têm sentido em todo o país e o risco de incêndio associado.
Para já, “a festa está a correr bem: tem tido muita gente e as cerimónias do fim de semana religioso também correram com normalidade”. Cláudia Sebastião destaca ainda os concertos de ÁTOA e Quim Barreiros. “O recinto estava repleto de gente. Era bonito de se ver!”, refere o membro da comissão de festas.
A santa só regressa à Senhora do Ó daqui a 17 anos, mas Cláudia Sebastião garante que “quatro anos antes” já estarão a iniciar os preparativos para a receber, com a angariação de fundos. Por esta altura, Cláudia poderá já ser avó. Poderá fazer parte da comissão de festas, juntamente com os filhos e netos. Mas, até 2034, quem sabe o que acontece? Até lá, a Senhora da Nazaré andará a ‘pregar por outras freguesias’.
*Editado por Joana Marques Alves