O nome da coisa


O Inverno demográfico será mais sofrido do que a multiplicação dos episódios caniculares. Erros deles, demasiado boa fortuna, amor electrónico


O casalinho anglo-saxónico que coze ao sol algarvio no início de uma tarde de Agosto discute, ajoujado nas espreguiçadeiras de plástico que eriçam a praia, o futuro da humanidade a uma escala microscópica. Ela, inclemente, sujeita- -o a uma versão monotemática do questionário de Proust. As perguntas são mais perigosas que as de uma entrevista de emprego para a vida. Não há escapatória para o Brexit individual e as perspectivas são tudo menos animadoras para a espécie humana.

Ela: Gostas de Emily?

Ele: Não.

Ela: Eu gosto do diminutivo, Mily.

Ele: Ainda pior se for um Mily.

Ela: E Ronaldo?

Ele: Nem pensar.

Ela: Gosto de Cristiano. E gosto de nomes irlandeses. Como Una.

Ele: Desde que não sejam gémeos.

Ela: E Rafa?

Ele: Demasiado mexicano.

Ela: Rodrigo soa bem.

Ele: …

Ela: E Harry?

Ele: Não. Sebastião?

Ela: (imaginando o rebento trespassado de setas por cortesia dos colegas no primeiro episódio adolescente de binge drinking) Não! Augusto?

Ele: Mr. November?

Ela: MEP?

Ele: Member of Parliament? Não pode ser…

Ela: Rosa?

Ele: Não gosto de Rosas.

Ela: Quem é que tu conheces que se chame Rosa?

Ele: …

Ela continua a coçar o ecrã do telemóvel em busca de nomes para o concepturo. Há muito a melhorar nas aplicações informáticas de auxílio ao baptismo. Deveriam fornecer as duas falas dos putativos progenitores. E também há que melhorar a interface humana, garantindo o imediato e repetido contacto físico assim que o nome do infante seja objecto de consenso.

No tempo de Gutenberg, as coisas eram diferentes. As dificuldades com o nome da coisa resultavam da dificuldade no convívio entre os amantes, não das dificuldades resultantes do convívio:

Juliet: “What’s in a name? That which we call a rose/ By any other name would smell as sweet.” Romeo and Juliet (ii, ii, 1-2).

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990