Do outro lado do Atlântico, o incómodo é evidente com a forma como as autoridades portuguesas estão a conduzir os trabalhos relativos aos arguidos da Lava Jato que estão em território nacional e não podem ser extraditados por terem nacionalidade portuguesa, mas o gabinete de Joana Marques Vidal diz não ver qualquer tensão e classifica a cooperação judiciária penal entre os dois países como “muito boa”.
A notícia dos problemas entre os ministérios públicos de Portugal e do Brasil foi revelada no último sábado pelo “Sol”. Numa entrevista conjunta, os três procuradores responsáveis pelas investigações no Rio de Janeiro revelaram que Portugal já começa a ser visto como um refúgio de impunidade por parte de alguns investigados, sobretudo os que têm nacionalidade portuguesa.
Os magistrados Eduardo El Hage, Marisa Ferrari e Fabiana Schneider acrescentaram ainda que está a ser mais fácil trabalhar com países como Suíça, França ou Uruguai do que com Portugal, onde os formalismos e as demoras têm criado diversos constrangimentos.
Mas, ao i, a Procuradoria-Geral da República diz não ver qualquer problema: “O relacionamento institucional entre o Ministério Público português e o Ministério Público brasileiro, designadamente o Ministério Público Federal, pode caracterizar-se como excelente.” O gabinete de Joana Marques Vidal adianta ainda que “também no âmbito da cooperação judiciária penal se pode dizer que a relação é muito boa, com contactos bilaterais frequentes, quase diários, na concretização dos diversos pedidos e solicitações de cooperação judiciária”.
Na sequência de muitos destes pedidos, afirma, “é frequente a realização de encontros pessoais entre os magistrados dos dois países”.
No que toca ao caso Lava Jato em concreto, a PGR portuguesa reforça que “o relacionamento institucional entre o Ministério Público Português e o Ministério Público Brasileiro tem-se desenvolvido da melhor maneira, sucedendo-se frequentes contactos e troca de informação quanto ao processo”. Marques Vidal deixa, no entanto, uma ressalva: “As relações de cooperação judiciária entre os dois Ministérios Públicos desenvolvem-se, naturalmente, no respeito recíproco pelos instrumentos legais de cooperação judiciária existentes a que os dois países se obrigaram e pelas legislações constitucionais e internas próprias”.
Os suspeitos que se refugiaram em Portugal São já três os arguidos da Lava Jato que estão em Portugal sem que haja previsão do início do julgamento – dois deles foram investigados pela equipa do Rio de Janeiro (José Carlos Lavouras e Filipe Paiva) e um está a contas com a justiça de Curitiba (Raul Schmidt Junior).
“Um dos pilares da operação Lava Jato – e é por isso que ela tem sido bem sucedida desde que começou, lá em Curitiba, e depois aqui no Rio – é justamente a cooperação jurídica internacional. É por meio dela que temos recuperado valores milionários, principalmente com o apoio da Suíça e de outros países europeus”, disse ao “Sol” o procurador brasileiro Eduardo El Hage, referindo que, no início, os investigadores daquele país pensavam que a relação com Portugal seria mais ágil e mais rápida do que com outros países.
E quando as autoridades brasileiras solicitaram a Portugal a extradição de José Carlos Lavouras – empresário da área dos transportes acusado de pagar luvas de mais de 30 milhões de euros ao ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, para obter vantagens do estado para o setor -, tudo parecia estar oleado. A detenção do suspeito foi rápida e as suas contas foram bloqueadas. Os problemas começaram, no entanto, quando a justiça portuguesa negou a extradição por se tratar de um cidadão nacional e se iniciou o processo para que o julgamento acontecesse em território nacional.
“Este caso do Lavouras já está quase há um ano no MP português e a cada resposta que a gente tem há uma nova formalidade que é exigida”, explica a procuradora Fabiana Schneider, lembrando que uma das questões que mais atrasaram foi a definição de competência: “Houve uma questão que atrasou muito que era de competência: o processo ia para o Porto [onde o suspeito reside] e voltava para Lisboa, e, aí, Lisboa mandava para o Porto e ficámos muito tempo sem saber quem era o procurador responsável pelo caso.”
Também neste ponto, a PGR portuguesa recusa qualquer demora: “As autoridades brasileiras apresentaram um pedido de extradição contra José Carlos Lavouras, português de origem. Nesta condição, a de tratar-se de cidadão nado e não naturalizado, as autoridades brasileiras não extraditam os seus nacionais, motivo pelo qual a extradição de José Carlos Lavouras foi recusada, por falta de reciprocidade. […] Foi instaurado processo criminal em Portugal contra aquele cidadão que segue os seus termos no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Porto”, refere a PGR ao i.
Brasil teve de imprimir processo e mandar por correio
A última dificuldade encontrada pelos brasileiros foi a necessidade de ter de transferir o processo em papel (e não em formato eletrónico), para Lisboa, para que o caso prosseguisse aqui: “Nós mandámos uma mídia com vários documentos e o MP português exige que seja tudo impresso, e como é um volume bastante grande, falaram que não poderiam imprimir essas folhas porque isso obrigaria a fazer um processo de licitação para contratar uma empresa para imprimir essa documentação.”
Ao i, a PGR portuguesa confirma agora que o processo chegou em papel e explicou as dificuldades em imprimir documentos em Portugal. Começando por esclarecer que “a tramitação eletrónica do processo penal está prevista no nosso ordenamento jurídico apenas na fase de julgamento”, o gabinete de Joana Marques Vidal adiantou que “tendo em conta o volume do processo, mas também as características da impressão, com muitas páginas a cores, esta acarretava uma despesa extraordinária que não pode ser realizada sem que o DIAP se articule com a administração da comarca e sem que esta se articule, por sua vez, com a Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ)”.
Ainda assim, diz que se trata de um procedimento rotineiro, “colocando-se em qualquer inquérito sempre que surgem despesas extraordinárias, o que sucede amiúde – por exemplo, com a determinação de perícias, com a realização de traduções, com a contratação de consultores técnicos…”
Mas, neste caso, o Brasil acabou por enviar tudo em papel para poupar tempo. “No decurso das diligências encetadas com vista à impressão do processo e na decorrência de contactos que também foram logo entabulados com as autoridades judiciárias brasileiras, estas manifestaram disponibilidade para enviar o processo impresso, o que veio a suceder no mês passado, estando esta questão ultrapassada”, afirma a PGR.
A PGR nega que tal se tenha traduzido numa demora adicional, dado que a “análise se iniciou logo que foi recebido, em suporte digital”.