As regras para a orientação da vida, para a escolha da acção justa, estão disponíveis em vários formatos, destacando-se as abordagens filosóficas e religiosas. As concretizações variam, desde o clubismo desportivo (vide a título de exemplo recente o brunismo, o neo–brunismo, o alter-brunismo, o pós-brunismo e o anti-brunismo) ao partidário. Nesta dimensão há partidos políticos mais proclives ao ministério da educação moral de militantes, simpatizantes e da humanidade em geral, com opiniões e fórmulas para tudo e para todos. Feita a comparação entre os partidos com assento parlamentar, será de elementar justiça conceder ao Bloco de Esquerda a palma do moralismo partidário.
A abordagem bloquista segue a tradição platónica dos primeiros Diálogos: a ética é o conhecimento do bem, conhecimento acessível pela via da educação para a virtude. O Bloco conhece o bem e, pela multiplicação da palavra, quase sempre falada e menos vezes escrita, permite que todos possam tornar-se virtuosos.
As coisas complicam-se quando, já munidos do conhecimento, avançamos para a sinistra região do livre-arbítrio. Ao ser humano, para ser virtuoso não basta conhecer, é preciso que exerça uma vontade dirigida à virtude.
Caro e benigno leitor, antes que desfaleça, vítima da canícula e da leitura, permita-me concretizar a abordagem teórica referida nos dois parágrafos anteriores. Ricardo Robles, menos jovem promessa política do Bloco, é um homem virtuoso. Enquanto Ricardo (R1), conhecia e propagava o conhecimento do bem, alertando os incautos lusitanos para os horrores da especulação imobiliária, da gentrificação, do arrendamento local, do novo regime do arrendamento urbano, you name it.
Já enquanto Robles (R2), viu-se confrontado com uma defeituosa concretização da vontade em relação aos malefícios da especulação imobiliária, da gentrificação, do arrendamento local, do novo regime do arrendamento urbano,.. R2 foi vítima da irmã (Engels colocou a família antes da origem da propriedade e do Estado, e não se enganou), do leilão da Segurança Social (uma Segurança Social que faz leilões em vez de sorteios!), do empréstimo da CGD (presidida por um ex-ministro do PSD!), do projecto de arquitectura (a propriedade, já se sabe, mata o espírito!), do licenciamento municipal (a propriedade é o roubo), do empreiteiro (enriquecer é glorioso!), da agência imobiliária (um partido, dois sistemas). R2 não pôde exercer a sua vontade de forma livre e perfeita, foi vítima de um complexo circunstancial que lhe tolheu a imputabilidade.
Acusar o sumo sacerdote do bloquismo de, na sua homilia televisiva da passada sexta-feira, ter desculpado R2 em nome da virtude de R1, é profundamente injusto para com Francisco Louçã, possuidor de um sistema moral suficientemente complexo para lhe permitir ter sempre razão. Ainda mais injusta é a acusação feita à comissão política do dito Bloco por, já depois da homilia, ter passado uma esponja (enfim, várias) por cima das libações de R2 no altar de Mamon. O que não é positivamente aceitável é o mais recente anúncio feito por Catarina Martins de ter existido “um erro de análise por parte da direcção do BE”. Quem conhece o bem, como R1 e a direcção do BE, não pode cometer erros de análise em que a proporção é clara: 49% de demagogia e 51% de mentira.
Há que voltar a apostar no aprofundar do conhecimento e acrescentar à tábuas da lei bloquista mais um mandamento: não roblerás!
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990