Na rota da seda de aranha

Na rota da seda de aranha


A nossa saúde, segurança e estética passarão a beneficiar de produtos tornados possíveis pelas criaturas frágeis que tantas vezes nos causam repulsão


Oriunda da China, a seda é uma das fibras mais antigas conhecidas do homem, com aplicações que vão do vestuário à medicina, passando pela cosmética e pelo mobiliário. Embora a produção por bicho–da-seda domine a indústria, sabe-se há muito que a seda fiada por aranhas possui propriedades superiores que lhe conferem um potencial tecnológico enorme. Infelizmente, não é possível replicar os processos de sericultura tradicionais com aranhas. O grande desafio que se coloca à engenharia é, assim, o de desen-volver tecnologias de fabrico de seda de aranha economicamente viáveis e em quantidade e qualidade compatíveis com aplicações industriais.

Os têxteis leves, brilhantes e macios criados há mais de três milénios na China a partir da seda transformaram desde logo esta fibra natural num bem transacionável extremamente valioso. O método de produção a partir de casulos do bicho-da-seda foi mantido como um segredo de Estado durante milhares de anos. Esta estratégia monopolizadora permitiu aos chineses criar a Rota da Seda, uma das vias comerciais mais lucrativas de sempre. No entanto, e com o passar dos séculos, a sericultura acabaria por disseminar-se por toda a Ásia e Europa.

A seda é uma fibra proteica natural produzida por inúmeras mariposas, mas também por aranhas. Estes organismos utilizam fios de seda para envolver as suas presas, criar linhas de ancoragem, construir teias ou formar casulos protetores. As proteínas constituintes da seda são produzidas em glândulas particulares e depois combinadas na forma de um filamento contínuo muito fino em órgãos especializados designados por fiandeiras. A seda tradicional é produzida a partir dos casulos do bicho-da-seda, nome pelo qual designamos as lagartas da mariposa Bombyx mori. As fibras são fortes mas elásticas, possuem uma aparência cintilante e resistem muito bem à água. Além disso, são biocompatíveis, biodegradáveis e produzidas a partir de matérias-primas renováveis.

Há muito que se sabe que a seda fiada por aranhas possui propriedades mecânicas extraordinárias, muito superiores às da seda convencional e de muitas fibras artificiais. De facto, e para a mesma massa, a seda de aranha é cerca de cinco vezes mais forte que o aço e apresenta uma dureza três vezes superior à da fibra sintética kevlar. Acresce que, e dependendo da aplicação específica (casulo, teia, ancoragem, etc.), as aranhas conseguem afinar os atributos dos filamentos de seda através de alterações precisas na sua composição. O potencial tecnológico da seda de aranha é, por isso, enorme. Por exemplo, com seda de aranha será possível criar cabos, coletes à prova de bala, paraquedas, airbags ou equipamento desportivo especializado. A sua biocompatibilidade e características antimicrobianas tornam-na ainda ideal para desenvolver suturas muito finas, ligamentos artificiais e compressas. As proteínas da seda podem ainda ser incorporadas em cosméticos que tornam a pele suave ou os cabelos sedosos. O fabrico de seda de aranha em grande escala tem, por isso, atraído a atenção de inúmeras empresas. Infelizmente, não é viável criar aranhas produtoras de seda devido ao seu caráter canibal e territorial.

Os contributos da bioengenharia têm sido centrais no desenvolvimento de tecnologias de manufatura de seda de aranha. A estratégia-base tem passado por identificar e depois inserir os genes das aranhas responsáveis pela produção das proteínas da seda em microrganismos, animais ou plantas. Hoje em dia é assim possível produzir proteínas de seda em fermentadores de grande volume, utilizando bactérias ou leveduras modificadas com DNA de aranha. Depois de purificadas, estas proteínas podem então ser combinadas para produzir os filamentos de seda. Este processo constitui em si mesmo um desafio enorme que tem obrigado as empresas interessadas a inventar sistemas de fiação completamente novos. Outra solução engenhosa consiste na introdução do DNA de aranha em bichos-da-seda. Obtêm-se assim organismos transgénicos que tecem casulos com uma seda de composição híbrida, que podem ser processados através das técnicas de sericultura tradicional.

A seda de aranha possui propriedades extraordinárias e um potencial tecnológico enorme. Com os recentes desenvolvimentos da bioengenharia é possível antever que, num futuro próximo, será exequível concretizar essa promessa de forma economicamente viável nas mais diversas aplicações. Paradoxalmente, a nossa saúde, segurança e estética passarão a beneficiar de produtos tornados possíveis pelas criaturas frágeis que tantas vezes nos causam repulsão ou que afastamos de forma indiferente.

 

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