São 18h00 horas e apesar de o anoitecer se aproximar, o sol continua muito quente, ao ponto de as pessoas não sairem do grande lago artificial, também conhecido como Barragem do Alqueva. Em pleno verão, estranho seria se o cenário alentejano fosse diferente. Rodeado de pessoas dentro da água e com elevadas temperaturas, é assim que começa o último dia da sétima edição do Dark Sky Alqueva, em Reguengos de Monsaraz, no distrito de Évora.
Certificado pela UNESCO como um destino de eleição para observar as estrelas, o Dark Sky é um evento anual que atrai muitas pessoas e que agora está nomeado para os World Travel Awards. Entre os muitos visitantes que chegam a cada minuto ao Parque de Merendas de Campinho – local de observação – através dos autocarros alugados pela organização, existe uma mulher que se distingue no público. Sentada à sombra de uma árvore, Margarida Pinto observa, através dos binóculos que trouxe de casa, o cruzeiro Sem-Fim ao longo do Alqueva.
Margarida Pinto nasceu na Galiza, mas vive em Lisboa há muitos anos. Conta que decidiu aventurar-se sozinha, para conhecer o céu alentejano, depois de uma amiga que sabia da paixão da espanhola pela astronomia lhe ter falado sobre o Dark Sky. Margarida esteve nos dois dias do evento e revela que aprendeu muito nas palestras de astrologia.
As razões pelas quais as pessoas se deslocam até à região do Alqueva são muitas. Para Tiago Rama, médico de profissão, a fotografia ocupa os seus tempos livres e por isso foi pelo segundo ano consecutivo ao primeiro destino turístico do mundo para observação das estrelas. Carregado de material fotográfico profissional, o médico quis registar o que aprendeu nas palestras e aprimorar a experiência do ano anterior.
Entre as muitas horas em que se vê o sol a ir embora e a saída das pessoas que tomavam banho da margem do lago para a toalha, a noite começa a ganhar vida. No descampado não se veem postes de luzes e a única poluição luminosa que entra no parque de merendas é a luz dos autocarros que trazem as pessoas até ao observatório. Ainda assim, pouco interfere com o evento, por existir um monte que separa a paragem dos pesados de passageiros e os telescópios.
Beatriz Louro e Bernardo Caetano também foram aos dois dias do evento e chegavam sempre depois das 23h00 horas, por considerarem ser a melhor parte. Bernardo confessa que “nunca tinha ouvido falar e não sabia que se faziam estes eventos em Portugal, a esta escala, com este nível de adesão e preparação”, acrescentando o espanto por ser gratuito. Os amigos consideram que foi “uma noite mágica” em que aprenderam muito com os monitores, não fosse a disposição da organização aquilo que mais os fascinou.
Apesar de no último dia as condições meteorológicas terem piorado, não impediu que muitas pessoas se deitassem no chão, em cima de toalhas, para observar as constelações e descobrir quais os planetas visíveis a olho nu.
Entre todo o silêncio e as luzes vermelhas, em plena madrugada, é notável o envolvimento das pessoas no grande festival de estrelas. As únicas conversas que se ouvem são os sapos que estão no grande lago artificial e, de vez em quando, uma voz que comanda as palestras e as observações. E, até nesse momento, é impossível visualizar a cara dos oradores, para que os olhos se habituem cada vez mais ao ambiente escuro.
A organização aconselha instalar a aplicação “JLight” que transmite uma luz vermelha, ao contrário das convencionais cores dos ecrãs dos smartphones. Miguel Claro, fotógrafo oficial do Dark Sky, declara que dessa forma existe um maior controlo das luzes que interferem com o ambiente de escuridão profunda, propício à observação dos astros.
Equipa Apolónia Rodrigues, licenciada em estudos e planeamento turístico, trabalha em tendências de mercado. A fundadora do Dark Sky Alqueva criou o projeto em 2007, depois de se verificar uma grande explosão turística na Barragem do Alqueva. Inicialmente, quando começou a apresentar a ideia às pessoas, conta que foram muitas as que se riram dela, mas isso nunca foi impedimento para desistir do seu grande sonho. Para a responsável do evento, a aposta no Alqueva tem uma razão: “As aldeias estão muito dispersas e não há uma barreira luminosa que impede a visualização do céu estrelado”. Apolónia afirma, contente, que este ano não precisou de publicitar o acontecimento através de cartazes porque recebeu muitas inscrições antecipadas, de pessoas de todo o mundo.
Várias pessoas ligadas à astronomia juntaram-se para dar asas ao projeto, entre eles Miguel Claro. Para o fotógrafo o principal ponto de ligação entre o turismo e a astronomia é o “criar de sensações”, que vão para além dos astros. As provas cegas de vinho que existem durante a noite, os passeios noturnos de canoa e as palestras às escuras, são elementos que se unem para garantir uma maior satisfação das pessoas, na abordagem de um tema complexo.
Daniela Espadinha e Raquel Diogo são duas monitoras do Dark Sky Alqueva 2018, ambas do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço de Lisboa, e a função delas é simples para quem não domina as técnicas da astronomia: antes de o sol ir embora, ficam junto de um telescópio para guiar as pessoas na observação da atividade solar. Daniela explica que o grande círculo amarelo que se vê através da lente, apresenta algumas manchas pretas, conhecida por atividade solar. Mas, segundo as especialistas, isso só é visível porque o filtro da lente e bloqueia 99% da luz solar.
*Editado por Ana Sá Lopes