NOS Alive.  Memórias de um tempo presente

NOS Alive. Memórias de um tempo presente


Para o rock agregar dezenas de milhares de pessoas, é preciso rebobinar a fita. E o Alive fê-lo, apelando a uma geração orfã de bandas de guitarras para multidões. Os Pearl Jam geraram a  unanimidade que os Arctic Monkeys dividiram. 


Estão os Pearl Jam a improvisar sobre “Seven Nation Army”, o hino dos White Stripes comungado por estádios e claques, quando Jack White, que duas horas antes eletrificara o palco maior do NOS Alive, é filmado. E quando um dos últimos heróis do rock é chamado para somar uma guitarra a “Keep On Rockin’ In The Free World”, um hino de outro tempo de Neil Young que os Pearl Jam resgataram para a sua geração, o ato é tudo menos inocente. 

Há pouco menos de dois anos, os Pearl Jam passaram pelos estúdios da Third Man, a editora de Jack White, em Nashville e gravaram um concerto em tom doméstico. A banda de Seattle é generosa em convites e dedicatórias. E no concerto do NOS Alive recordou a já habitual “Interstellar Overdrive” dos Pink Floyd, e um outro hino. O mais universalista dos três, já agora: “Imagine”, de John Lennon, espécie de resposta pela via do bem às políticas nacionalistas de Donald Trump, a quem o exclamativo novo single “Can’t Deny Me” é dedicado – um raro assomo de frescura entre os contentores de nostalgia do concerto.

2007. Ano zero do Alive. Há patrocinador mas o primeiro nome ainda é omitido. Há Pearl Jam a batizar o festival. Uns regressados Smashing Pumpkins à chuva. Uns Linkin Park no princípio da curva descendente. Uns tardios Beastie Boys e uns White Stripes a escrever o testamento. O festival cresceu, ganhou expressão internacional, flui sem problemas de maior e, apesar do desconforto que 55 mil pessoas num mesmo recinto podem causar, é um lugar seguro, saudável e bem frequentado. 

O público, ou parte dele, mudou, está dez anos mais velho mas o cartaz continua a acreditar no rock é uma força viva. O efeito catalisador de nomes como os Pearl Jam (ou em anos anteriores, Radiohead, Muse e Rage Against The Machine) é incontestável. E dividir palcos por manchas sonoras (e a comédia) também.

Mas quando Khalid tem o Palco Sagres repleto a fazer coro em “Young, Dumb & Broke”, ou quando Slow J assalta o concerto de Papillon e a casa vem abaixo, há sinais de um presente a que o festival ainda responde com timidez.
Estão os Nine Inch Nails a ligar a ignição ainda sob a luz do dia, como um vampiro exposto à luz solar, e um grupo de raparigas em idade de tirar a carta de condução não sabe como reagir aos ritmos marciais de Trent Reznor e restantes operários. A canção tem ritmo mas será para dançar? Tem a energia de uma descarga. Será o remédio gritar? 

Os Nine Inch Nails voltaram ao lugar de onde os Pearl Jam só sairam para se fazerem clássicos intemporais como os Pink Floyd. Já osArctic Monkeys perderam as borbulhas mas são as memórias da adolescência a incendiar a plateia do Alive. Para desgosto de Alex Turner. “Quando escrevemos esta canção em 2004, tinha pouco significado. Agora, tem ainda menos”, diz “I Bet You Look Good On The Dancefloor”, um dos primeiros singles a propagar-se na Internet sem intermediários. 

Em 2007, quando o Alive nasceu, os Arctic Monkeys tinham ano e meio de Liga dos Campeões. Agora, estão com pouco mais de uma dezena e dividem, com os Arcade Fire, o trono de maior banda rock do século mas não estão confortáveis com a ordem de grandeza nem com o peso do estatuto sobre os ombros.

Para catar bandas rock ainda capazes de arrastar multidões, é preciso andar como o caranguejo mas para dançar nem é preciso sair de Lisboa. A curadoria de Branko no Clubbing foi um arco-íris de cores alegres e dança sentida entre a eficácia dos Queens of the Stone Age, o repetido aborrecimento dos The National, a banalidade dos Portugal. The Man e a questão existencial dos Black Rebel Motorcycle Club. “Whatever Happened To My Rock’n’roll?” Em Algés, a resposta para milhares de pessoas foi uma recordação.