MOSCOVO – Há momentos em que a gente cai num livro como se caísse num poço. Bem nos podemos agarrar às paredes que não há forma de sair dele. Eu caí no poço de O Desgosto da Bélgica, do enorme Hugo Claus, quando cheguei a uma frase que dizia: “Sempre tivemos de nos sujeitar. Não temos feito outra coisa na nossa História!”.
Acabo de ver o França-Bélgica pela televisão, no quarto do meu hotel em Moscovo, e pergunto: por que temos então nós de nos sujeitar a esta terrível ditadura dos grandes? Vamos e venhamos: não faria sentido a Bélgica na final de um Campeonato do Mundo por troca com a França, ou faria? “Her Verdriët van België”, com tremas e tudo. Não é possível ter Bélgicas em vez de Franças, pois não? Não foi possível ter Portugal em vez da França em 2006, sei-o bem, estava lá, em Munique. “Ce petit pays au sud de la Belgique”, brincam eles com os franceses.
Pouco importa se são flamenguistas ou franquillons. Pouco importa! “Houze!”. Grande Bélgica que nos deu momentos únicos neste Mundial, aqueles que podíamos ter dado a nós próprios e não demos porque nos sujeitámos.
Oiçam. Não leiam, oiçam: “Este é um dos grandes momentos da história da Flandres! Felicien Verveacke tinha um avanço de 2 minutos e 45 seguntos sobre Bartali. Era o dia 23 de Julho, as escolas, os escritórios, tudo estava fechado. Bartali arrancou deixando Vervaecke para trás. Vervaecke não conseguiu acompanhá-lo. Mas cerrou os dentes e é mesmo assim que se deve fazer para todo o sempre!”
Se encontrarem um parágrafo mais bonito na história da literatrura que não se sujeita à submissão, estou aqui para o ouvir também. O Desgosto da Bélgica! Mas sem sujeições, como agora.