Um plano Marshall para África. Sem consensos para lidar com a crise dos migrantes, a Europa dos ainda 28 procura a panaceia do investimento na fonte para reduzir o fluxo de migrantes a cruzar o Mediterrâneo. A situação é de crise: “A fragilidade da União Europeia está a aumentar. O tamanho das fissuras cresce”, disse o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker. E o mais provável é que da cimeira europeia que termina amanhã não saia mais do que o concordar em discordar.
“O valor da Europa, em nome da dignidade do ser humano, é garantir proteção internacional a todos aqueles que têm estatuto de refugiado. Nós temos de ter canais organizados para que os refugiados possam ser acolhidos na Europa”, afirmou António Costa à chegada a Bruxelas.
Palavras que podem soar bem, mas que não parecem ter eco nos países que se mostram mais céticos em relação ao acordo atual para acolher os refugiados. “A Itália não precisa de mais palavras, mas de ações concretas. Embora seja uma possibilidade que espero não ter de considerar, na verdade se chegarmos a esse ponto, da minha parte não haverá conclusões conjuntas”, garantiu o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, ontem já na Bélgica.
A cimeira do “vai ou racha”, na caracterização de Angela Merkel (à espera do milagre externo que lhe permita superar a crise interna em que está metida), parecia ontem mais encaminhada para continuar a rachar os alicerces da construção europeia do que para os solidificar. Ou, parafraseando Juncker, para aprofundar as fissuras.
Antonio Tajani, o italiano que preside ao Parlamento Europeu, juntou a sua perceção fatalista: “O fracasso em chegar a um acordo na gestão da crise da migração pode ser um golpe fatal para o projeto europeu. A cimeira de hoje [ontem] dos líderes da Europa será decisiva.”
Irredutíveis italianos Fatalismo que não demove os italianos da sua irredutibilidade e não os leva a suavizar a posição para chegar a consensos, mesmo tendo em conta que Merkel joga o futuro político do seu governo (jovem de três meses e que tanto tempo e negociações gastou) numa solução europeia. Conte mostrava-se preparado para bloquear qualquer acordo se outros países não abrissem os seus portos a barcos de refugiados. Na sua primeira cimeira europeia, o primeiro-ministro italiano causou mossa, obrigando mesmo Juncker e o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, a anular a conferência de imprensa que tinham agendada para esta noite.
“Como um membro reservou a sua posição em relação a todas as conclusões, não se chegou a nenhum acordo sobre conclusões nesta altura”, referiu à Reuters um porta-voz de Tusk. “Ainda temos esperança que Conte se sinta compelido a agitar esta confusão e a acabar para regressar à fila, mas isto está longe de estar assegurado”, disse um diplomata, também citado pela Reuters.
O “Daily Express” falava que a Itália “pôs uma faca no pescoço dos Estados-membros”, nas palavras de outro diplomata. O novo governo populista italiano, com o líder do partido xenófobo Liga, Matteo Salvini, no Ministério do Interior, não está disposto a ceder um milímetro na questão da migração. Sem partilha de refugiados escrita e acordada, não há acordo. Esteja o governo alemão preso por um fio ou não. Salvini acha que o acordo de 2015 não é específico o suficiente na questão da partilha do fardo.
Depois da minicimeira de domingo que redundou em fracasso, as posições parecem seguir irredutíveis entre quem quer o encerramento de fronteiras e a partilha concreta dos refugiados, e quem pretende manter os valores da dignidade humana e da defesa dos direitos humanos, essenciais na construção europeia, acima de tudo o resto.