A noite marciana do Rock In Rio

A noite marciana do Rock In Rio


Fogo de artifício em Bruno Mars. Lágrimas em Demi Lovato. Glúteos em Anita. Um pedido de casamento em Agir. O Rock In Rio é isto e nada mais.


Para um festival que se assume familiar – um parque temático do "rock" onde a missão é curtir – o primeiro fim de semana de Rock In Rio foi um estrondo. No sábado, os Muse ligaram-se à corrente e catalisaram quase toda a energia.

Mas o domingo era o dia de todos os pratos fortes. O pequeno gigante Bruno Mars, o fenómeno Anitta, a estreante Demi Lovato e Agir, o homem que mais pescoços parte na música portuguesa. 

Na ponte 25 de Abril, o passo de caracol a que se processava o tráfego denunciava um domingo de sol nascente para todos. No Rock In Rio, a dificuldade de transitar à medida que a hora avançava, remetia para noites históricas (para bem e para o mal) como quando, dez anos antes, parou a cidade. Até cair para o lado.

O mundo mudou, Lisboa também mas a fórmula de fazer RIR é a mesma. Olhar para os grandes fenómenos populares e dar-lhes um palco.

Esgotado há quase três meses, o segundo dia de festival alimentou um trimestre de expetativa e ansiedade para quem ocupou as primeiras filas e exibiu cartazes de Demi Lovato ou Bruno Mars.

Mas antes, um pedido insólito. Ou talvez não, já que foi em palco que Agir pediu a namorada em casamento.

Aberto o precedente, Diogo (que não Piçarra, o convidado) declarou-se. E a resposta foi um "sim, claro", seguida de um beijo como mandam os filmes

"Makeup", "Parte-me o Pescoço" e "Tempo É Dinheiro" foram cantadas por uma multidão que não só se acotevelava para ganhar um canto para o resto da noite como estava com Agir. Em coerência, nada a apontar a este alinhamento.

À tarde, há havia mais gente que algumas noites da edição anterior. Este primeiro fim de semana foi o primeiro Rock In Rio em todo o esplendor, com famílias inteiras, vindas de todo o país, a lotarem recinto.

85 mil pessoas, de acordo com a organização, por Bruno Mars e não só. Anitta, a "rainha do funk", estudou o meio e preparou um espetáculo onde não faltou, por exemplo, uma passagem por "Faz Gostoso" de Blaya. 

Chamar-lhe concerto é uma forma de expressão porque todo o pretexto é o ritmo e a dança. O corpo é um instrumento tão importante quanto a voz para Anitta.

O cuidado coreográfico segue cada pedaço de canção. Os olhos comem e os bailarinos são tão importantes para o impacto para a expressão visual do "show" de Anitta quanto os músicos para a dimensão musical que, no fundo, é um meio e não tanto um fim.

Uma leve interpretação de "Garota de Ipanema" reporta aos clássicos. Excertos de "Downtown" e "Machika" (ambas com J Balvin) vincam a dimensão global da carioca, mas sobretudo são os glúteos a sobressair sobre um estilo que pode ser considerado um misto de Shakira, pela generosidade universal, com Ivete Sangalo, pela agitação local.

Aliás, sua omnipresença Ivete Sangalo tem concorrência. Haverá espaço para duas residentes no Rock In Rio ou terá Anitta de seguir a sua carreira em Portugal no Carnaval de Torres Vedras?

Vem Demi Lovato, também ele uma estreante em Portugal, e sua imponência esvai-se em lágrimas. A ex-adolescente da Disney mune-se de baladas para quebrar corações, pisca o olho à latinidade em "Echame La Culpa" (com Luis "Despacito" Fonsi), retoma as canções escritas no quarto ("Catch Me" e Don't Forget") e estreia "Sober", sobre a recaída no combate ao alcoolismo. Entrou o palco como diva, saiu como ser vulnerável e próximo, capaz de fazer sentir a milhares de pessoas que é uma delas. 

(já agora, num dos interlúdios ouviu-se "Stir Fry" dos Migos, coletivo de que se escutara "Walk It Talk It" num medley de Anitta. Prova da diluição do hip-hop em géneros e camadas sociais)

Tudo é em grande e para Bruno Mars ser igual ao esperado, basta-lhe agigantar-se. Fá-lo recorrendo a recursos vulgares a este nível como o fogo de artifício e o exibicionismo.

A plateia delira. Não faltam os grandes êxitos de "24k Magic", a "Treasure", "Locked Out Of Heaven", "Versace On The Floor" e uma "Uptown Funk" que não se esgota.

Mars escolheu a eficácia para comunicar com multidões e é bem sucedido mas se nos lembrarmos de quem ali estava em 2014, está a anos-luz de Justin Timberlake. Séculos da arte total e perfeita de Michael Jackson.