Em defesa das touradas


Quem gosta de touradas deve assumi-lo com franqueza e naturalidade, ainda que fique sujeito a uma chuva de impropérios e juízos de falsa moral


Entre um texto que aqui li no passado dia 18 e a discussão que no parlamento haverá no próximo dia 6, entendi esta semana escrever sobre touradas. E desde já digo que sou muito aficionado e não me pesa lá por isso em nada a consciência. Sou aficionado de gosto, de origem, assumido, convicto, amigo de toureiros, forcados e ganadeiros, vou todos os anos a dezenas de touradas e só não vou a mais por manifesta falta de tempo. É assim que começo o artigo de hoje porque quem gosta de touradas deve assumi-lo com franqueza e naturalidade, ainda que a partir daí, como de resto vai acontecer comigo nos comentários que este artigo vai ter, comecem a chover impropérios e juízos de falsa moral contra quem, como eu, assuma este gosto. Não querendo com estas palavras provocar ninguém, o facto é que isso não só não me assusta como não me faz diferença nenhuma. O que seria se, no mesmo país livre em que uns se podem manifestar contra, outros o não pudessem fazer a favor. E é esta a primeira falácia do debate deste tema. É que, aparentemente, quem é contra ele exige respeito mas, em contrapartida, não sabe respeitar quem está do outro lado. Basta ir ao Campo Pequeno e ver como se comportam 30 indivíduos que, não gostando, lá andam a foguetear insultos aos outros 5 mil que lá vão por gostarem. Chega a dar dó. É baixeza intelectual. Isso sim, um triste espetáculo de decadência civilizacional em que, na suposta defesa de um animal, o homem provoca, ofende e, se necessário, agride outro homem. Por outro lado, importa compreender que a tourada é uma manifestação de arte que, juntamente com outras, é uma expressão cultural helénica, intrinsecamente ligada ao meio rural, ao campo e às gentes do campo. Ligada aos que, vivendo sobretudo no Ribatejo e no Alentejo, longe de um triste e claustrofóbico T3 numa qualquer sombria cidade, convivem diariamente com o sol, o pó da terra, os cavalos, os toiros, a agricultura, o fandango, a charneca, o sobreiro, o arrozal, a lezíria, a cortiça, a caça, enfim, com uma forma de vida em que a valentia de um homem mais rapidamente se afere pela forma como, a corpo limpo, enfrenta um toiro do que pelo comportamento de dois outros que não o saibam fazer com o mesmo princípio entre si. Seria útil que quem, legitimamente, não gosta de touradas compreendesse que estas, ainda assim, representam a identidade e a tradição cultural secular de muitos portugueses e portuguesas. Gente séria, gente trabalhadora, gente honrada, gente de valor e com valores, gente de bem. “Ah, mas eu não compreendo e não gosto!” Está no seu direito! O direito que já não tem é o de impedir que quem gosta possa ser, estar e viver a vida de acordo com as suas raízes. Acabar com as touradas seria um atentado contra a liberdade pessoal de cada um mas, sobretudo, contra a liberdade cultural identitária de grande parte do país. A beleza de um povo passa também pelas suas peculiaridades regionais. Há que respeitá-las!

Escreve à sexta-feira