Portugal-Espanha. O golo de Batatinha à Hespanha com agá

Portugal-Espanha. O golo de Batatinha à Hespanha com agá


Em dezembro de 1921, a primeira seleção nacional deslocou-se a Madrid de comboio para defrontar a equipa espanhola. Perdeu por 1-3. Seria preciso esperar 16 anos por uma vitória contra os vizinhos do lado


No dia 18 de dezembro de 1921, na página 2 do diário “O Século”, cá em baixo, ao lado da coluna da necrologia, que dava conta dos funerais da véspera e anunciava os do dia, vinha o título: “O ENCONTRO PORTUGAL-HESPANHA – Os hespanhoes triunfaram mas os portugueses honraram o foot-ball nacional”.

E lia-se, tal e qual como aqui fica:

“Os jogadores de ‘foot-ball’ portuguezes realizaram hontem, em Madrid, o seu primeiro encontro oficial. É já do conhecimento do público o resultado do match, pois o placard do Século no Rocio afixou, pelas 17 horas e meia, o seguinte telegrama: “MADRID, 18 – O encontro de foot-ball realizado hoje em Madrid foi de 3 ‘goals’ a 1 a favor dos hespanhoes. Não será o resultado do encontro Portugal-Hespanha honroso para nós? Certamente que sim e teremos de atender à má confecção do team, às dificuldades que a AFL teve para o organisar e a falta de interesse manifestado por várias entidades, a começar pelo Estado, que dificilmente concedeu licença a alguns jogadores, funcionários publicos.” Como o futebol mudou entretanto…

Comboio Não existia ainda a Federação Portuguesa de Futebol, mas sim a União Portuguesa. A recém-formada seleção portuguesa, que se prepara para a grande aventura de uma viagem de comboio até Madrid, onde jogará em Manzanares o seu primeiro confronto, leva já um enorme atraso em relação a muitas outras seleções do Velho Continente. Países como a França, a Holanda ou a Áustria disputam confrontos internacionais desde o primeiro quinquénio de 1900; Inglaterra e Escócia defrontam-se em pelejas animadíssimas desde 1870! O mesmo não se passa com a Espanha, no entanto. Apesar de ser um dos países fundadores da Federação Internacional de Futebol Associação (FIFA), em 1904, a seleção espanhola iniciara a sua carreira somente um ano antes, durante o Torneio Olímpico de Futebol dos Jogos disputados na Bélgica.

No dia seguinte, “O Século” desenvolvia a reportagem do jogo e voltava a dedicar–lhe um artigo na sua página 2 que aqui se reproduz sem alterar uma vírgula: “MADRID, 19 – A partida de foot-ball entre portuguezes e hespanhoes efectuou-se no meio de grande anciedade. Mais de 12.000 pessoas assistiram ao desafio e no campo as tribunas ostentavam colgaduras vendo-se bandeiras dos dois paizes entrelaçadas. Os vivas a Hespanha cruzaram–se de mistura com os vivas a Portugal. Os hespanhoes começaram jogando com grande impeto e, poucos momentos depois, Meana com um remate de cabeça consegue o primeiro ponto para a Hespanha; 5 minutos mais tarde Alcantara consegue o segundo. Continua o desafio, ganhando bem as duas équipes. Termina então o primeiro tempo, com dois pontos a favor de Hespanha e nenhum a favor de Portugal. No segundo tempo, Alcantara consegue o terceiro ponto para a Hespanha, o que estimula os portuguezes, que procuram dominar os hespanhoes, mas não fazem ponto algum, porquanto estes são superiormente aparados pelo ‘keeper’ hespanhol. Os portuguezes conseguem fazer um ponto, em virtude de uma mão metida na arena do goal, o que dá ocasião a uma enorme ovação a Portugal. A partida termina, contando os hespanhoes 3 pontos e os portuguezes 1. Ovações e hurrahs tanto à Hespanha como a Portugal. O arbitro do desafio foi Cazelle, do colégio belga, que tambem foi muito ovacionado pela imparcialidade e oportunismo que deu provas.”

Para a história, eis o registo desse primeiro confronto ibérico: Estádio Martínez Campos, do Atlético de Madrid, em Madrid. Árbitro: M. Barette (Bélgica). ESPANHA – Zamora; Pololo, Arrate “cap.” e Balbino; Meana e Fajardo; Pagaza, Arbide, Sesumanga, Alcantara e Olaso. PORTUGAL – Carlos Guimarães (Internacional); António Pinho (Casa Pia), Jorge Vieira (Sporting) e João Francisco (Sporting); Vítor Gonçalves (Benfica) e Cândido de Oliveira (Casa Pia “cap”.); J. Maria Gralha (Casa Pia), António Augusto Lopes (Casa Pia), Ribeiro dos Reis (Benfica), Artur Augusto (F. C. Porto) e Alberto Augusto (Benfica).

 O 1-0 surgiu aos 6 minutos, na sequência de um livre marcado por Pagaza entre a linha lateral e a linha de grande área. Meana elevou-se bem e cabeceou com êxito. Aos 10 minutos, 2-0: Alcantara desmarca-se, isola-se frente a Carlos Guimarães e faz o golo com calma. Aos 66 minutos, de novo Alcantara – um avançado que chutava com tanta força que colocava um lenço traçado sobre o peito do pé para não se magoar -, num remate espetacular e sem preparação, faz o 3-0. Finalmente, o golo de Portugal surgiu de um penálti a castigar uma mão de Pagaza, impedindo que uma bola vinda de António Lopes chegasse a Ribeiro dos Reis. Alberto Augusto, o Batatinha, apontou o castigo e tornou-se o primeiro jogador a marcar um golo com a camisola da seleção nacional. 

Contrariados pela grande ascendência de lisboetas na formação da seleção, os técnicos e jogadores do Porto resolveram levantar um boicote à deslocação a Madrid. Apenas Artur Augusto desobedeceu às diretivas e destacou-se como o único representante de Portugal que não era da capital. 

Tirando o pormenor do nome do árbitro, ainda hoje mal esclarecido já que surge escrito de maneiras diferentes consoante as publicações consultadas, o Espanha-Portugal de 1921 poria Portugal no mapa dos confrontos internacionais de seleções.