Entre o 25 de Abril e o 25 de Novembro, Portugal não terá sido o centro do mundo, mas teve direito a uma cobertura mediática e a uma atenção política por parte dos centros de poder como nunca tinha acontecido em todo o séc. xx e não voltou a acontecer depois. Tal apetite pelos factóides provenientes da Lusitânia resultava não só da partilha dos despojos do império colonial entre as duas superpotências como da possibilidade real de tomada do poder em Portugal pelos comunistas.
Num contexto de guerra fria, a proxy war era sempre bem-vinda e rapidamente Angola, Moçambique e Timor- -Leste sofreram na pele os resultados do confronto entre EUA e URSS e dos respectivos clientes regionais (como foi o caso da bênção americana dada a Suharto para invadir Timor-Leste). Já o futuro de Portugal tinha algumas condicionantes pesadas. Membro fundador da NATO, seria difícil explicar, numa organização que sempre se pretendeu político-militar, a manutenção de um governo que preferia o Pacto de Varsóvia. Durante o gonçalvismo, as reuniões NATO obrigavam a uma gestão teatral da presença da delegação portuguesa, gestão motivada pelo perigo de a informação classificada acabar por ir parar às mãos soviéticas.
A mais pesada das condicionantes resultou da visão conservadora da liderança soviética quanto à clara delimitação de esferas de influência na Europa, pactuada em Ialta. Portugal estava do lado americano da Europa e Moscovo decidiu não apoiar de forma empenhada qualquer tentativa radical de tomada do poder por parte do PCP. A abertura dos arquivos soviéticos documentou esta opção política, devidamente comunicada à liderança do PCP. Contrariando a cartilha leninista, foi dito ao partido-irmão que teria de chegar ao poder de acordo com as regras eleitorais do Ocidente, ou seja, ganhando eleições.
Esta condicionante, só conhecida pelos ocidentais muitos anos depois, não tira mérito ao operacional americano despachado para Lisboa por Kissinger para gerir a situação portuguesa. Kissinger, sempre fiel ao passado professoral, queria dar uma lição aos europeus, fazendo de Portugal o exemplo que afastaria as tentações de flirt com comunistas e partidos de extrema- -esquerda. A teoria da vacina não foi aplicada em Portugal porque Carlucci a contrariou, apoiando abertamente Mário Soares e apostando na vitória eleitoral dos socialistas portugueses contra o PCP. Carlucci jogou forte com a amizade do colega de Princeton, Donald Rumsfeld, à época chefe de gabinete do presidente Gerald Ford, e vergou Kissinger. Removido o obstáculo, mobilizou todo o tipo de apoios para os socialistas portugueses, ao mesmo tempo que alimentou os grupos de extrema-esquerda que combatiam o PCP junto do seu eleitorado natural. A primeira aposta traduziu-se na vitória eleitoral do PS nas eleições para a Constituinte, repetida um ano depois. A segunda terá evitado um maior crescimento eleitoral do PCP e contou com a ajuda da lei de Lavoisier para dar origem a um conjunto de carreiras políticas bem-sucedidas, inclusive no plano internacional.
Carlucci, sempre sensato, decidiu pôr termo à missão em Lisboa: “I had become too much of an actor in the drama.”
Homenageando um operacional competente, falecido esta semana, que rodou por Washington, com Nixon, Ford, Carter e Reagan (Departamento de Estado, CIA, Pentágono) e brilhou em Lisboa, para quando uma rotunda Frank Carlucci na capital?
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990