Souto de Moura. Quando voltar às origens vale um Leão

Souto de Moura. Quando voltar às origens vale um Leão


‘A falta de tempo é um convite à mediocridade’, disse Souto de Moura, após vencer esta edição da Bienal de Veneza. Isto porque o projeto que lhe deu o Leão de Ouro lhe levou o tempo necessário a respeitar um outro tempo – o da memória da herdade São Lourenço do Barrocal, um antigo monte…


Souto de Moura ganhou há uma semana o Leão de Ouro da Bienal de Veneza com um projeto que preservou (quase) intacta a memória de um local – e foi também essa simplicidade que levou para a cidade dos canais na hora de o apresentar a concurso. Sem nenhuma instalação complexa, nem luzes fluorescentes de um sofisticado meio audiovisual:  bastaram duas fotografias aéreas, lado a lado, a mostrar a herdade de São Lourenço do Barrocal antes e depois da reabilitação.

E a organização da 16.ª edição da Bienal de Veneza, fazendo jus à velha máxima – quando menos é mais – foi arrebatada pelo depuramento tanto do projeto como pela forma de o apresentar – as tais duas imagens –, sublinhando a «precisão do combinar duas fotografias aéreas, com as quais revela a relação essencial entre arquitetura, tempo e lugar».

Um lugar que não pedia futurismos, mas sim um novo espírito dentro do velho corpo: um monte alentejano, uma história secular, nos arredores de Monsaraz. «Este foi «um projeto muito difícil» porque não foi «radical», assumiu o arquiteto após o triunfo. «Já fiz outros projetos mais modernos, mais antigos, este era a procura de um tom que não destruísse o ambiente do edifício e da paisagem. É um projeto de risco, porque estava quase no limite do ‘pastiche’ [obra em que se imita declaradamente o estilo de outros], era uma imitação do antigo», disse à Lusa.

Seguindo as pisadas de Siza Vieira, seu companheiro de Pritzker, Souto de Moura sagrou-se este ano campeão a nível individual (Siza que já ganhou dois Leões de Ouro – um por participação individual, outro de carreira). Já o Leão de Ouro para a melhor participação nacional desta edição – havia 65 países a concurso – foi atribuído à Suíça. 

Na hora dos agradecimentos, o novo Leão –  um dos 100 arquitetos convidados pelas curadoras da Bienal da Arquitetura de Veneza, Yvonne Farrell e Shelley McNamara, do Grafton Architects para a exposição principal – falou dos seus mestres e da arquitetura portuguesa. «É mais uma [distinção], estou contente pela arquitetura portuguesa, que cada vez é mais reconhecida nos sítios que exigem mais qualidade», disse, sublinhando que não é um cavaleiro solitário neste caminho do reconhecimento. «Isto tudo vem de uma tradição do Siza [Vieira], do [Fernando] Távora e de outros arquitetos».  E também falou do futuro, definindo a nova geração de arquitetos como «excecional, quer no Porto, quer em Lisboa». Só lhes falta algo que o próprio Souto de Moura reconhece ter cada vez menos: tempo. «Os clientes pedem os projetos para ontem, não há tempo, e a falta de tempo é um convite à mediocridade», disse à Lusa. «Portanto gostava que este projeto [do Barrocal], que demorou algum tempo, o tempo justo, servisse de receita a outros projetos que pedem a uma velocidade que não é possível fazer».

Alguns destes nomes partilharam o palco de Veneza com Souto de Moura. No pavilhão de Portugal deste ano, intitulado Public Without Rethoric – e que tem como curadores Nuno Brandão Costa e Nuno Mah –, podem ser vistos os projetos de 12 edifícios públicos criados por arquitetos portugueses de várias gerações, nos últimos dez anos, juntamente com filmes de quatro artistas sobre os mesmos edifícios. A Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Angra do Heroísmo, de Inês Lobo; o Hangar Centro Náutico, em Montemor-o-Velho, de Miguel Figueira ou o Teatro Thalia, em Lisboa, de Gonçalo Byrne e Barbas Lopes Arquitectos (Diogo Seixas Lopes e Patrícia Barbas) são apenas alguns exemplos. 

A participação portuguesa da 16.ª Exposição Internacional de Arquitetura da Bienal de Veneza – e a dos restantes países – pode ser visitada até novembro.

A génese do Leão: São Lourenço do Barrocal

Quem trilhar o caminho até São Lourenço do Barrocal irá encontrar um complexo turístico marcado pelo «luxo despretensioso», lê-se no site oficial da herdade. Com uma área  total de 780 hectares, este é um local com uma história fecunda: a ocupação deste território remonta à época megalítica e entre os vestígios mais imemoriais é possível encontrar 16 dólmenes neolíticos.  Já os barrocais que dão o nome à herdade são, na verdade, «floramentos graníticos que pontuam a paisagem e que representam uma das características naturais mais monumentais do Alentejo». Por ali passaram romanos e árabes e, no século XIX, a propriedade – que se mantém ainda hoje nas mãos da mesma família – transformou-se numa «pequena aldeia agrícola», onde chegaram a residir 50 famílias. Havia uma capela, praça de touros, sala de aulas, um verdadeiro ecossistema de um outro tempo que Souto de Moura foi convidado – por José António Uva, a oitava geração da herdade e a cabeça por detrás do projeto – a traduzir: primeiro, para os dias de hoje; depois para retiro rural. São Lourenço do Barrocal abriu ao público há dois anos, e foi o primeiro completo turístico de cinco estrelas na zona do Alqueva.