O ministro Adalberto, o machismo e o antitabagismo


Que o anúncio é um enormíssimo cliché, qualquer pessoa com a antiga quarta classe, menos os senhores do Ministério da Saúde, consegue perceber


O ministro da Saúde não tem de perceber nada de campanhas publicitárias, tal como eu, que sou publicitário, não tenho de perceber nada de saúde. Este é o ponto que temos em comum. No entanto, existe uma grande diferença entre nós: eu tenho a humildade de nunca na minha vida me colocar a fazer trabalhos de médico ou de gestão hospitalar; já o ministro Adalberto acha que tem competência para idealizar, aprovar e projetar campanhas publicitárias.

Para quem não está por dentro do tema, posso fazer um pequeno resumo. Ao que parece, o Ministério da Saúde queria fazer uma campanha publicitária para combater o preocupante crescimento dos hábitos tabagistas nas mulheres. Até aqui, tudo bem. O processo normal seria lançar um concurso público para que agências de publicidade pudessem concorrer ao mesmo ou, por outro lado, convidar uma agência a realizar esse trabalho.

Mas alguém lá pelo ministério teve uma ideia genial para poupar uns trocos: “E se convidássemos uns miúdos a terem uma ideia (gratuita) para o filme?” Este processo até podia fazer sentido, visto existirem várias competições de jovens criativos no mercado publicitário. No entanto, aquilo que não se sabe até ao dia de hoje é qual foi o processo que ditou a escolha de duas alunas da Escola Profissional de Artes, Tecnologias e Desporto. Os outros estudantes da escola também concorreram? As outras escolas de publicidade, design e marketing também foram convidadas a enviar as suas ideias? Era importante o Ministério da Saúde esclarecer já estes pontos.

Mas agora que já falámos do processo aparentemente chico-esperto que levou à escolha das “criativas” que fizeram o filme publicitário, está na hora de falarmos do que realmente importa: o conteúdo do anúncio. Não há no Ministério da Saúde, nas suas direções- -gerais e nos gabinetes dos secretários de Estado um único tipo com sensibilidade suficiente de marketing e comunicação para perceber que, publicitariamente, aquilo é um grande saco cheio de nada? O slogan é uma trampa, a ideia é tudo menos criativa e todo o filme vive de um amontoado de clichés sem nexo algum.

Mas que o anúncio é um enormíssimo cliché, qualquer pessoa com a antiga quarta classe, menos os senhores do Ministério da Saúde, consegue perceber. O que é mais difícil de compreender é o machismo e a misoginia que estão presentes em todo aquele rationale. O filme, curto, começa com a mãe a pentear-se em frente ao espelho, passa de seguida para a mãe a cozinhar com a filha, depois vemos a mãe, de lingerie, a ser fotografada pelo pai e termina com a filha vestida de princesa enquanto a mãe lhe diz: “Uma princesa não fuma.” 

Ou seja, todo o filme traça o retrato de uma mulher que até era aquilo que a sociedade esperava dela (boa mãe, arranjadinha, cozinheira e sexy-marota para o marido) mas que tinha aquele problema de ser uma fumadora, o que fazia dela aquilo que Isabel Moreira muito bem referiu como uma “mal-amada”. A cereja no topo do bolo é mesmo a frase “uma princesa não fuma”: puxa, ministro Adalberto, ainda não percebeu que nós, em Portugal, queremos mais mulheres-CEO’s e menos mulheres-princesas? 

Em resumo, e porque esta crónica já vai longa, este filme publicitário (é um exagero chamar-lhe isto) não só é péssimo como espelha fielmente muitos dos preconceitos que, infelizmente, ainda existem na nossa sociedade. Já o ministro Adalberto perdeu uma excelente oportunidade de se dedicar àquilo que nós verdadeiramente procuramos num ministro da Saúde: tal como diminuir as listas de espera para cirurgias, melhorar as urgências hospitalares e fazer com que as pessoas não tenham de esperar meses por uma consulta no SNS.

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O ministro Adalberto, o machismo e o antitabagismo


Que o anúncio é um enormíssimo cliché, qualquer pessoa com a antiga quarta classe, menos os senhores do Ministério da Saúde, consegue perceber


O ministro da Saúde não tem de perceber nada de campanhas publicitárias, tal como eu, que sou publicitário, não tenho de perceber nada de saúde. Este é o ponto que temos em comum. No entanto, existe uma grande diferença entre nós: eu tenho a humildade de nunca na minha vida me colocar a fazer trabalhos de médico ou de gestão hospitalar; já o ministro Adalberto acha que tem competência para idealizar, aprovar e projetar campanhas publicitárias.

Para quem não está por dentro do tema, posso fazer um pequeno resumo. Ao que parece, o Ministério da Saúde queria fazer uma campanha publicitária para combater o preocupante crescimento dos hábitos tabagistas nas mulheres. Até aqui, tudo bem. O processo normal seria lançar um concurso público para que agências de publicidade pudessem concorrer ao mesmo ou, por outro lado, convidar uma agência a realizar esse trabalho.

Mas alguém lá pelo ministério teve uma ideia genial para poupar uns trocos: “E se convidássemos uns miúdos a terem uma ideia (gratuita) para o filme?” Este processo até podia fazer sentido, visto existirem várias competições de jovens criativos no mercado publicitário. No entanto, aquilo que não se sabe até ao dia de hoje é qual foi o processo que ditou a escolha de duas alunas da Escola Profissional de Artes, Tecnologias e Desporto. Os outros estudantes da escola também concorreram? As outras escolas de publicidade, design e marketing também foram convidadas a enviar as suas ideias? Era importante o Ministério da Saúde esclarecer já estes pontos.

Mas agora que já falámos do processo aparentemente chico-esperto que levou à escolha das “criativas” que fizeram o filme publicitário, está na hora de falarmos do que realmente importa: o conteúdo do anúncio. Não há no Ministério da Saúde, nas suas direções- -gerais e nos gabinetes dos secretários de Estado um único tipo com sensibilidade suficiente de marketing e comunicação para perceber que, publicitariamente, aquilo é um grande saco cheio de nada? O slogan é uma trampa, a ideia é tudo menos criativa e todo o filme vive de um amontoado de clichés sem nexo algum.

Mas que o anúncio é um enormíssimo cliché, qualquer pessoa com a antiga quarta classe, menos os senhores do Ministério da Saúde, consegue perceber. O que é mais difícil de compreender é o machismo e a misoginia que estão presentes em todo aquele rationale. O filme, curto, começa com a mãe a pentear-se em frente ao espelho, passa de seguida para a mãe a cozinhar com a filha, depois vemos a mãe, de lingerie, a ser fotografada pelo pai e termina com a filha vestida de princesa enquanto a mãe lhe diz: “Uma princesa não fuma.” 

Ou seja, todo o filme traça o retrato de uma mulher que até era aquilo que a sociedade esperava dela (boa mãe, arranjadinha, cozinheira e sexy-marota para o marido) mas que tinha aquele problema de ser uma fumadora, o que fazia dela aquilo que Isabel Moreira muito bem referiu como uma “mal-amada”. A cereja no topo do bolo é mesmo a frase “uma princesa não fuma”: puxa, ministro Adalberto, ainda não percebeu que nós, em Portugal, queremos mais mulheres-CEO’s e menos mulheres-princesas? 

Em resumo, e porque esta crónica já vai longa, este filme publicitário (é um exagero chamar-lhe isto) não só é péssimo como espelha fielmente muitos dos preconceitos que, infelizmente, ainda existem na nossa sociedade. Já o ministro Adalberto perdeu uma excelente oportunidade de se dedicar àquilo que nós verdadeiramente procuramos num ministro da Saúde: tal como diminuir as listas de espera para cirurgias, melhorar as urgências hospitalares e fazer com que as pessoas não tenham de esperar meses por uma consulta no SNS.

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