Museu das Descobertas – o que há num nome


Por que não localizar o novo museu na ala esquerda do Mosteiro dos Jerónimos? Poder-se-ia encontrar sítio mais simbólico e apropriado ao tema?


Em setembro de 1522, dezoito marinheiros aportaram perto de Sevilha a bordo da nau Victoria. Eram os sobreviventes de uma tripulação que partira do mesmo local três anos antes, em cinco navios sob o comando geral de Fernão de Magalhães. Originalmente, a tripulação contara com cerca de um quarto de milhar de marinheiros, onde se incluíam quarenta portugueses. Ficara assim completada a primeira circum-navegação do Globo.

A nau Victoria, em mísero estado, estava carregada de especiarias. Os seus dezoito tripulantes europeus, a que se juntavam quatro timorenses, vinham “mais enfraquecidos do que já alguma vez outros assim houvera”. Para trás ficara Magalhães, que para possibilitar o reembarque dos seus caíra sob os golpes dos nativos de Mactan, uma ilha nas atuais Filipinas (27.4. 1521). Dois meses antes, convertera ao Cristianismo o rei e seus principais da vizinha ilha de Cebu. No final do ano precedente, Magalhães chorara ao avistar o Oceano Pacífico, após ter atravessado o estreito que leva hoje o seu nome. Poucos meses antes, ainda, debelara com dureza uma rebelião de capitães de outras naus da expedição, executando um deles e abandonando outro à sua sorte na desolada costa oriental da América do Sul. Mas demonstrara igualmente inteligência e contenção: Sebastião Elcano, que capitanearia a expedição de volta a Sevilha, fizera também ele parte da conjura.

Magalhães – talvez o maior dos navegadores portugueses, o que não é afirmar pouco – não tinha o carácter de um tosco. Bem pelo contrário, originário da pequena fidalguia nortenha (nasceu cerca de 1480), fora em jovem pajem da rainha D. Leonor. Acrescentara serviço militar à Coroa Portuguesa (1505-1517), tendo participado na conquista da nossa supremacia no Oceano Índico. A gesta de Marrocos também não lhe foi estranha: passou a coxear devido a ferimentos sofridos em Azamor em 1512.

António Pigafetta, um veneziano que participara como supranumerário na grande viagem escreveu com verve o relato da mesma. Enalteceu o seu capitão como tendo sido a luz, conforto e verdadeiro guia dos seus marinheiros, destacando Magalhães pela sua constância perante a fortuna mais adversa, pela sua resiliência e por não ter havido melhor conhecedor de cartografia e da arte de navegar. Finalmente, destacou o seu carácter intrépido, a verdadeira mola para o magnífico feito da primeira circum-navegação. A segunda, capitaneada por Francis Drake, outro “Leão dos mares”, só seria empreendida seis décadas mais tarde, note-se bem, e duraria também ela cerca de três anos. Quem poderá duvidar que Fernão de Magalhães foi um dos maiores portugueses? Tudo isto merece memória, sem qualquer titubeação.

Qual o sentido desta curta resenha da enormidade do feito de Magalhães? Simplesmente: o de preparar a mira para assestar uma “amigável arcabuzada” sobre um texto coassinado no final de abril por várias dezenas de historiadores e de sociólogos portugueses, brasileiros e de algumas outras nacionalidades.

Da comodidade das suas secretárias de trabalho universitário, e facilitados pela comunicação instantânea dos seus correios eletrónicos, conjugaram os cossignatários um texto que tenta alertar-nos para a inconveniência de designar

o novo museu em preparação pelas autoridades portuguesas para a cidade de Lisboa de “Museu das Descobertas”.

Não se irá rebater frase a frase um texto que poderá resumir-se, sem malícia, como sendo um pequeno ensaio comparatista sobre o conceito de descobrimento (ou descoberta – termo que, creio, poderá usar-se intermutavelmente com o primeiro; provavelmente, a atual preferência por “descoberta” em desfavor de “descobrimento” revela o desejo de evitar reverberações do Estado Novo). Emana da carta aberta o sentimento da culpabilidade ocidental que, bem internalizado, nos obrigaria a evocar Magalhães no projetado espaço museológico não sem de imediato destacarmos, em pressuroso contraponto, a figura de Lapu-Lapu, o belicoso chefe indígena que esteve na origem da morte em combate de Magalhães e que se tornou num símbolo da resistência dos Filipinos à opressão colonial espanhola. É um facto que aquele chefe teve, compreensivelmente, direito à homenagem de estátuas, erigidas pelos seus conterrâneos na ilha de Mactan e em Manila – mas não em Madrid ou em Lisboa.

Os factos históricos para serem bem entendidos e, eventualmente, celebrados têm de ser contextualizados no seu período. Muito mudou desde a Era de Quinhentos, mas muito se mantém perene: a lírica de Camões, escrita nas décadas que permeiam as duas primeiras circum-navegações, continua a emocionar-nos pela sua frescura e limpidez, para não referir, de algumas décadas mais tarde, a torrente irreprimível de Shakespeare ou a ironia fina de Cervantes. Teremos nós que empecilhar a leitura desses clássicos pela atenção permanente a notas de rodapé, tantas vezes pedantes, alarmando-nos contra tudo o que os séculos entretanto passados tornaram estranho e por vezes chocante? Que triste e enfadonho, se a tal formos obrigados…

A perenidade de muito do que emocionou, exaltou e moveu os nossos antepassados de Quinhentos resulta de sermos basicamente moldados no mesmo barro. Voltando à viagem de Magalhães, será difícil nela descortinar motivações que permeiam hoje as nossas vidas?

Considere-se a cobiça. A nau Victoria vinha repleta de especiarias que recuperaram o capital monetário investido na expedição, que não o humano. Já a expedição de Drake, essa frutificou 47 vezes (uma taxa de 4600% em três anos!).

Passe-se ao proselitismo religioso. Se os grandes exploradores não foram nenhuns santos – recordem-se as personalidades de Pizarro e de Almagro, manchadas por violência criminosa –, muitos dos que lhes seguiram a peugada tê-lo-ão sido, se tal auréola for verdadeiramente permitida aos seres humanos – evoque-se a epopeia missionária, que ainda não se extinguiu nos dias de hoje.

Atente-se na curiosidade científica, que na sua forma mais extrema surge tantas vezes laivada de bizarria ou mesmo de loucura. O genovês Cristóvão Colombo, teria uma personalidade no limite do normal, inflamado como se sentia por um destino messiânico. Magalhães dedicou longo tempo a congeminar a sua grande viagem com os irmãos Faleiro. Rui, o mais influente dos dois irmãos, misturava cosmografia, astronomia e astrologia; no entanto, foi pioneiro no uso consequente da latitude e da longitude. Só não partiu na viagem porque o seu horóscopo de última hora lho terá desaconselhado, ou porque terá mesmo

enlouquecido. Ou, pelo contrário, terá sido, neste caso, a loucura uma forma de clarividência? Serão estes indícios compatíveis com personalidades exclusivamente escravizadas ao vil metal?

No entanto, foi um comerciante que possibilitou a audiência de Carlos V a Magalhães e a Rui Faleiro, de que resultou a autorização régia para a expedição. Já no caso de Colombo, o propiciador da audiência de Isabel, a Católica, foi o confessor da rainha.

Repete-se: ambição, mas ganância também; proselitismo religioso, porém, tantas vezes intolerante e resvalando para a crueldade; coragem e obstinação, por vezes salpicadas de vileza; calculismo frio, mas de igual modo uma gloriosa loucura. Que belos temas para tentar erigir um fresco que nos emocione e orgulhe, sem deixar de fazer o mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa coletivo onde é jus que ele seja feito – pensa-se em particular, é claro, no grande crime que o trato dos escravos constituiu. E se é um facto que os juncos chineses não aportaram a Lisboa, mas que as naus portuguesas chegaram ao estuário do Rio das Pérolas, registe-se o facto e procure-se explicá-lo, antepondo a “simprez verdade que a afremosentada falsidade”.

Sophia de Mello Breyner refere como antes de saber ler ouviu recitar e aprendeu de cor a “Nau Catrineta”, o poema tradicional que Garrett recolheu no seu “Romanceiro”. Confessa singelamente Sophia: “Tive assim a sorte de começar pela tradição oral, a sorte de conhecer o poema antes de conhecer a literatura.” “Lá vem a Nau Catrineta, que tem muito que contar! Ouvide agora, senhores, uma história de pasmar!” É no espírito desta primeira estrofe do poema que deve arrancar o projeto museológico em causa: provocando o maravilhamento e estimulando o orgulho, sem descurar o rigor científico possível.

Feitas todas estas considerações, não resisto a deixar aqui, sob forma esquemática, algumas poucas sugestões para o museu que estará a ser gizado:

– Porque não localizá-lo na ala esquerda do Mosteiro dos Jerónimos, onde está atualmente instalado o Museu Nacional de Arqueologia? (perdoe-me Leite de Vasconcelos!) Poder-se-ia encontrar sítio mais simbólico e apropriado ao tema? O cenotáfio de Camões e o túmulo de Vasco da Gama estão a poucos metros de distância. E os magníficos claustros, como poderiam ser esquecidos? E quem se escandalizar com a ideia recorde-se que no local, precisamente, perorou o Velho do Restelo.

– A contiguidade do Museu da Marinha e do seu Planetário Calouste Gulbenkian, bem como do Jardim Botânico Tropical, oferece a possibilidade imediata da associação daqueles espaços ao complexo museológico novo.

– Se a Pirâmide resultou tão bem a I. M. Pei no condicionado espaço do pátio do Louvre, porque não confiar no talento de bons arquitetos para intervirem no amplo Jardim da Praça do Império? O projeto deveria respeitá-lo no essencial, mas possibilitaria a sua integração com a zona ribeirinha e poderia proporcionar novas zonas de exposição abaixo do solo. Não se temam os fantasmas de Leitão de Barros, ou de Cottinelli Telmo, que seriam, provavelmente, entusiastas da ideia.

– A existência de ancoradouros junto ao Padrão dos Descobrimentos possibilitaria a futura incorporação de réplicas de naus famosas.

– Porque não envolver no projeto os nossos irmãos espanhóis? (a atenção acima dada a Magalhães não foi fortuita, confessa-se). Madrid está tão longe do mar e Sevilha vê o seu Guadalquivir tão assoreado! São ambas, no entanto, ricas em tradição e em acervos, acervos esses que bem poderiam circular entre os vários museus respetivos.

Para terminar, avança-se então um nome apropriado para o museu sobre os Descobrimentos: Museu dos Descobrimentos (ou das Descobertas, se assim aprouver…).


Museu das Descobertas – o que há num nome


Por que não localizar o novo museu na ala esquerda do Mosteiro dos Jerónimos? Poder-se-ia encontrar sítio mais simbólico e apropriado ao tema?


Em setembro de 1522, dezoito marinheiros aportaram perto de Sevilha a bordo da nau Victoria. Eram os sobreviventes de uma tripulação que partira do mesmo local três anos antes, em cinco navios sob o comando geral de Fernão de Magalhães. Originalmente, a tripulação contara com cerca de um quarto de milhar de marinheiros, onde se incluíam quarenta portugueses. Ficara assim completada a primeira circum-navegação do Globo.

A nau Victoria, em mísero estado, estava carregada de especiarias. Os seus dezoito tripulantes europeus, a que se juntavam quatro timorenses, vinham “mais enfraquecidos do que já alguma vez outros assim houvera”. Para trás ficara Magalhães, que para possibilitar o reembarque dos seus caíra sob os golpes dos nativos de Mactan, uma ilha nas atuais Filipinas (27.4. 1521). Dois meses antes, convertera ao Cristianismo o rei e seus principais da vizinha ilha de Cebu. No final do ano precedente, Magalhães chorara ao avistar o Oceano Pacífico, após ter atravessado o estreito que leva hoje o seu nome. Poucos meses antes, ainda, debelara com dureza uma rebelião de capitães de outras naus da expedição, executando um deles e abandonando outro à sua sorte na desolada costa oriental da América do Sul. Mas demonstrara igualmente inteligência e contenção: Sebastião Elcano, que capitanearia a expedição de volta a Sevilha, fizera também ele parte da conjura.

Magalhães – talvez o maior dos navegadores portugueses, o que não é afirmar pouco – não tinha o carácter de um tosco. Bem pelo contrário, originário da pequena fidalguia nortenha (nasceu cerca de 1480), fora em jovem pajem da rainha D. Leonor. Acrescentara serviço militar à Coroa Portuguesa (1505-1517), tendo participado na conquista da nossa supremacia no Oceano Índico. A gesta de Marrocos também não lhe foi estranha: passou a coxear devido a ferimentos sofridos em Azamor em 1512.

António Pigafetta, um veneziano que participara como supranumerário na grande viagem escreveu com verve o relato da mesma. Enalteceu o seu capitão como tendo sido a luz, conforto e verdadeiro guia dos seus marinheiros, destacando Magalhães pela sua constância perante a fortuna mais adversa, pela sua resiliência e por não ter havido melhor conhecedor de cartografia e da arte de navegar. Finalmente, destacou o seu carácter intrépido, a verdadeira mola para o magnífico feito da primeira circum-navegação. A segunda, capitaneada por Francis Drake, outro “Leão dos mares”, só seria empreendida seis décadas mais tarde, note-se bem, e duraria também ela cerca de três anos. Quem poderá duvidar que Fernão de Magalhães foi um dos maiores portugueses? Tudo isto merece memória, sem qualquer titubeação.

Qual o sentido desta curta resenha da enormidade do feito de Magalhães? Simplesmente: o de preparar a mira para assestar uma “amigável arcabuzada” sobre um texto coassinado no final de abril por várias dezenas de historiadores e de sociólogos portugueses, brasileiros e de algumas outras nacionalidades.

Da comodidade das suas secretárias de trabalho universitário, e facilitados pela comunicação instantânea dos seus correios eletrónicos, conjugaram os cossignatários um texto que tenta alertar-nos para a inconveniência de designar

o novo museu em preparação pelas autoridades portuguesas para a cidade de Lisboa de “Museu das Descobertas”.

Não se irá rebater frase a frase um texto que poderá resumir-se, sem malícia, como sendo um pequeno ensaio comparatista sobre o conceito de descobrimento (ou descoberta – termo que, creio, poderá usar-se intermutavelmente com o primeiro; provavelmente, a atual preferência por “descoberta” em desfavor de “descobrimento” revela o desejo de evitar reverberações do Estado Novo). Emana da carta aberta o sentimento da culpabilidade ocidental que, bem internalizado, nos obrigaria a evocar Magalhães no projetado espaço museológico não sem de imediato destacarmos, em pressuroso contraponto, a figura de Lapu-Lapu, o belicoso chefe indígena que esteve na origem da morte em combate de Magalhães e que se tornou num símbolo da resistência dos Filipinos à opressão colonial espanhola. É um facto que aquele chefe teve, compreensivelmente, direito à homenagem de estátuas, erigidas pelos seus conterrâneos na ilha de Mactan e em Manila – mas não em Madrid ou em Lisboa.

Os factos históricos para serem bem entendidos e, eventualmente, celebrados têm de ser contextualizados no seu período. Muito mudou desde a Era de Quinhentos, mas muito se mantém perene: a lírica de Camões, escrita nas décadas que permeiam as duas primeiras circum-navegações, continua a emocionar-nos pela sua frescura e limpidez, para não referir, de algumas décadas mais tarde, a torrente irreprimível de Shakespeare ou a ironia fina de Cervantes. Teremos nós que empecilhar a leitura desses clássicos pela atenção permanente a notas de rodapé, tantas vezes pedantes, alarmando-nos contra tudo o que os séculos entretanto passados tornaram estranho e por vezes chocante? Que triste e enfadonho, se a tal formos obrigados…

A perenidade de muito do que emocionou, exaltou e moveu os nossos antepassados de Quinhentos resulta de sermos basicamente moldados no mesmo barro. Voltando à viagem de Magalhães, será difícil nela descortinar motivações que permeiam hoje as nossas vidas?

Considere-se a cobiça. A nau Victoria vinha repleta de especiarias que recuperaram o capital monetário investido na expedição, que não o humano. Já a expedição de Drake, essa frutificou 47 vezes (uma taxa de 4600% em três anos!).

Passe-se ao proselitismo religioso. Se os grandes exploradores não foram nenhuns santos – recordem-se as personalidades de Pizarro e de Almagro, manchadas por violência criminosa –, muitos dos que lhes seguiram a peugada tê-lo-ão sido, se tal auréola for verdadeiramente permitida aos seres humanos – evoque-se a epopeia missionária, que ainda não se extinguiu nos dias de hoje.

Atente-se na curiosidade científica, que na sua forma mais extrema surge tantas vezes laivada de bizarria ou mesmo de loucura. O genovês Cristóvão Colombo, teria uma personalidade no limite do normal, inflamado como se sentia por um destino messiânico. Magalhães dedicou longo tempo a congeminar a sua grande viagem com os irmãos Faleiro. Rui, o mais influente dos dois irmãos, misturava cosmografia, astronomia e astrologia; no entanto, foi pioneiro no uso consequente da latitude e da longitude. Só não partiu na viagem porque o seu horóscopo de última hora lho terá desaconselhado, ou porque terá mesmo

enlouquecido. Ou, pelo contrário, terá sido, neste caso, a loucura uma forma de clarividência? Serão estes indícios compatíveis com personalidades exclusivamente escravizadas ao vil metal?

No entanto, foi um comerciante que possibilitou a audiência de Carlos V a Magalhães e a Rui Faleiro, de que resultou a autorização régia para a expedição. Já no caso de Colombo, o propiciador da audiência de Isabel, a Católica, foi o confessor da rainha.

Repete-se: ambição, mas ganância também; proselitismo religioso, porém, tantas vezes intolerante e resvalando para a crueldade; coragem e obstinação, por vezes salpicadas de vileza; calculismo frio, mas de igual modo uma gloriosa loucura. Que belos temas para tentar erigir um fresco que nos emocione e orgulhe, sem deixar de fazer o mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa coletivo onde é jus que ele seja feito – pensa-se em particular, é claro, no grande crime que o trato dos escravos constituiu. E se é um facto que os juncos chineses não aportaram a Lisboa, mas que as naus portuguesas chegaram ao estuário do Rio das Pérolas, registe-se o facto e procure-se explicá-lo, antepondo a “simprez verdade que a afremosentada falsidade”.

Sophia de Mello Breyner refere como antes de saber ler ouviu recitar e aprendeu de cor a “Nau Catrineta”, o poema tradicional que Garrett recolheu no seu “Romanceiro”. Confessa singelamente Sophia: “Tive assim a sorte de começar pela tradição oral, a sorte de conhecer o poema antes de conhecer a literatura.” “Lá vem a Nau Catrineta, que tem muito que contar! Ouvide agora, senhores, uma história de pasmar!” É no espírito desta primeira estrofe do poema que deve arrancar o projeto museológico em causa: provocando o maravilhamento e estimulando o orgulho, sem descurar o rigor científico possível.

Feitas todas estas considerações, não resisto a deixar aqui, sob forma esquemática, algumas poucas sugestões para o museu que estará a ser gizado:

– Porque não localizá-lo na ala esquerda do Mosteiro dos Jerónimos, onde está atualmente instalado o Museu Nacional de Arqueologia? (perdoe-me Leite de Vasconcelos!) Poder-se-ia encontrar sítio mais simbólico e apropriado ao tema? O cenotáfio de Camões e o túmulo de Vasco da Gama estão a poucos metros de distância. E os magníficos claustros, como poderiam ser esquecidos? E quem se escandalizar com a ideia recorde-se que no local, precisamente, perorou o Velho do Restelo.

– A contiguidade do Museu da Marinha e do seu Planetário Calouste Gulbenkian, bem como do Jardim Botânico Tropical, oferece a possibilidade imediata da associação daqueles espaços ao complexo museológico novo.

– Se a Pirâmide resultou tão bem a I. M. Pei no condicionado espaço do pátio do Louvre, porque não confiar no talento de bons arquitetos para intervirem no amplo Jardim da Praça do Império? O projeto deveria respeitá-lo no essencial, mas possibilitaria a sua integração com a zona ribeirinha e poderia proporcionar novas zonas de exposição abaixo do solo. Não se temam os fantasmas de Leitão de Barros, ou de Cottinelli Telmo, que seriam, provavelmente, entusiastas da ideia.

– A existência de ancoradouros junto ao Padrão dos Descobrimentos possibilitaria a futura incorporação de réplicas de naus famosas.

– Porque não envolver no projeto os nossos irmãos espanhóis? (a atenção acima dada a Magalhães não foi fortuita, confessa-se). Madrid está tão longe do mar e Sevilha vê o seu Guadalquivir tão assoreado! São ambas, no entanto, ricas em tradição e em acervos, acervos esses que bem poderiam circular entre os vários museus respetivos.

Para terminar, avança-se então um nome apropriado para o museu sobre os Descobrimentos: Museu dos Descobrimentos (ou das Descobertas, se assim aprouver…).