Quase três meses depois das eleições, a Itália vai ter um governo de coligação entre o Movimento 5 Estrelas (M5S, que obteve 32% dos votos) e a Lega Nord (que conseguiu 17%). Falhou assim a tentativa de coligação de direita encabeçada por Berlusconi e a sua Forza Italia, juntando-a à Lega e a dois outros micropartidos. O acordo político inclui uma flat tax para as versões locais do IRS e do IRC (por proposta da Lega, contra a Roma latrona), reduzidas a dois escalões (15% e 20%), um congelamento dos impostos indirectos, um rendimento mínimo garantido de 780€ (proposto pelo M5S para recompensar os eleitores do Mezzogiorno) e a promessa de repatriamento de 500 mil imigrantes, com uma quota mínima de 100 mil por ano.
Luigi Di Maio, líder do M5S, ambiciona ser ministro do Trabalho e da Economia. Já o líder da Lega, Matteo Salvini, quer ser ministro da Administração Interna. Convenceram, a custo, o Presidente da República, Sergio Mattarella – uma criação de Matteo Renzi enquanto primeiro-ministro –, a indigitar Giuseppe Conte, o advogado de Di Maio, para formar governo. A estreia foi tudo menos auspiciosa, com um curriculum à político português, trufado de passagens por universidades sonantes nos EUA que se apressaram a comunicar a ausência de registos académicos do novel primeiro-ministro. Pragmáticos, os italianos encheram as redes sociais de anedotas: Conte seria, afinal, um mero barone.
A vitória eleitoral dos movimentos políticos anti-sistema mostra que os italianos já perderam a fé nos partidos tradicionais e, de caminho, também deixaram de acreditar nas soluções propostas por Bruxelas. Criar um cordão sanitário em torno do novo governo e combater todos os elementos do respectivo programa político significa dar ganho de causa aos populistas e pôr em risco o futuro da UE. M5S e Lega têm uma longa história de defesa do abandono do euro e de criação de uma moeda alternativa. A escolha de ambos os partidos para ministro das Finanças, Paolo Savona, vai nesse sentido.
Menos impostos e mais despesa pública são uma garantia de conflito com Bruxelas, Eurogrupo e Mário Centeno incluídos, o que não deixará de ter consequências curiosas ao nível da estabilidade da base de apoio parlamentar do governo português. O plano de Berlim para lidar com o novo governo italiano parece ser uma cópia em papel reciclado da abordagem de Schäuble ao governo do Syriza. A repetição não torna melhor o plano. Já a ameaça de colocar Roma fora do euro tem consequências muito mais graves do que a que foi dirigida a Atenas. A economia italiana é a terceira maior da zona euro, e a sua dívida pública a segunda maior em proporção do PIB. O crescimento económico mantém- -se anémico e é um dos mais baixos da zona euro. A criação de emprego é reduzida, com baixas remunerações e um desemprego jovem muitíssimo elevado.
Há por Itália muito por fazer em matéria de desburocratização, simplificação administrativa, eliminação de custos de contexto e redução das inúmeras camadas aluviais de entidades administrativas que se foram acumulando sem qualquer propósito útil a não ser dificultar a vida aos cidadãos e às empresas. Uma agenda de simplificação administrativa poderia permitir, sem custos orçamentais, o libertar das forças do crescimento económico. De par com alguma flexibilidade por parte do Eurogrupo, tal poderia garantir a continuidade de Itália no euro e na UE. E tal justifica a contemporização com a geringonça italiana.
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990