O Real Madrid é o clube do mundo com mais títulos internacionais, foi três vezes campeão mundial de clubes nos últimos quatro anos, ganhou as duas últimas Champions e prepara-se para a terceira final consecutiva.
Portugal é um dos últimos países da Europa em termos de desenvolvimento, consecutivamente ultrapassado por outros que antes se classificavam muito atrás.
O Real Madrid é um clube ganhador, enquanto Portugal é um país perdedor.
Relacionar êxitos futebolísticos com fracassos políticos é exercício que ultrapassa os mínimos do politicamente correto, mas aí vai.
Uma primeira explicação tem a ver com a qualidade dos players, sejam eles os jogadores, num caso, ou a classe política, no outro.
O Real Madrid recruta os melhores praticantes, dos quais o nosso Ronaldo é exemplo marcante. E como a oferta de atletas com os mais elevados skills para a função é exígua e a procura elevada, o Real Madrid dispõe-se a pagar os altos preços de transação e os salários que o mercado impõe.
Ora, Portugal recruta os seus dirigentes máximos pagando a um primeiro-ministro menos de 5 mil euros mensais e a ministros e deputados ainda menos, modestos valores se comparados com os auferidos pelos altos quadros dirigentes do setor privado e das profissões liberais. O que leva a concluir que as funções governativas ou não têm grande exigência e a parca remuneração satisfaz procura e oferta, ou então que, sendo de facto exigentes, não são geralmente providas de pessoal que alie conhecimento e experiência técnica e política e capacidade de liderança compatíveis com tal cargo, por razões de remuneração. Há honrosas exceções, mas galinha gorda por pouco dinheiro continua a ser coisa rara.
O Real Madrid recruta os atletas olhando à sua qualidade, não lhe importando de onde vêm ou para onde irão depois. Óbvio que nas funções governativas não poderá ser bem assim; todavia, nunca deve ser o politicamente correto canhestro a impedir que se disponha dos melhores, como entre nós acontece.
Pior do que a baixa remuneração, as enormes restrições de natureza pessoal e profissional que impendem sobre um qualquer coitado candidato a político de topo e a devassa completa da vida privada a que inexoravelmente se sujeita esvaziam o campo de recrutamento, restando para tal a função pública e os aparelhos partidários. Só mesmo um prestigiado cidadão alheio à função pública que sofra algum mal da bola é que aceita ir para o governo. Os razoavelmente lúcidos vão-se autobanindo, por mera questão de racionalidade. Aliás, basta olhar para a composição dos governos a partir de Cavaco Silva, onde mal se lobriga alguém que tenha feito carreira fora do Estado ou dos partidos. Também aqui há dignas exceções que apenas confirmam a regra.
Mas o pior é que, num crescendo negativo, esta situação de baixos salários e dos óbices burocráticos ao recrutamento de governantes é aquela que mais interessa às nomenklaturas políticas instaladas, pois o pior que lhes poderia acontecer seria a aceitação ou a escolha de alguém que lhes pudesse fazer sombra. E, assim, a escolha é óbvia: entre os fiéis, por mais medíocres que sejam.
Ao contrário dos responsáveis do Real Madrid, que pensam que a escolha dos melhores é que os projetam como líderes vitoriosos, a fraqueza dos nossos líderes políticos leva-os a pensar que só conseguirão manter-se se respaldados em meros fiéis subservientes.
Assim, e bem vistas as coisas, se o aumento dos salários é condição indispensável para a melhoria do pessoal político, ela não é, de modo algum, suficiente e, nas atuais circunstâncias, o aumento seria mesmo dinamizador de vícios ainda maiores.
Enquanto não houver um sistema eleitoral que obrigue as nomenklaturas partidárias a escolher gente de qualidade e, por arrasto, promova a renovação de quadros e de lideranças e implante novas regras de confiança que eliminem estúpidas restrições ao recrutamento de governantes e de altos quadros dirigentes do Estado, qualquer aumento das remunerações dos políticos apenas levará a uma disputa mais acesa entre os mesmos do costume para acederem ao bolo melhorado.
Uma revolução legislativa é necessária, sob pena de, qualquer dia, o recrutamento de governantes não ir além dos aparelhos partidários, dos carreiristas ou do funcionalismo burocrata, deixando cada vez mais em mãos cada vez menos preparadas o destino do país. Um destino que, nestas condições, só pode reproduzir o passado e será inexoravelmente um destino de perdição.
Economista e gestor, Subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”