A diabetes é uma doença crónica incurável que afeta milhões de indivíduos. Constituindo-se como a sexta causa de morte a nível mundial em 2015, a condição é responsável por inúmeros casos de cegueira, falha renal, ataque cardíaco e amputação. Actualmente, a diabetes pode ser tratada e os seus efeitos minorados ou diferidos no tempo combinando medicação, dieta saudável e actividade física. Uma das traves mestras no tratamento da diabetes, responsável pelo bem-estar de milhões, é sem dúvida a insulina.
A descoberta e desenvolvimento desta hormona miraculosa constituem sem dúvida um dos marcos da medicina, ciência e engenharia do séc. xx.
A diabetes é conhecida há mais de 2500 anos. A doença surge quando o organismo é incapaz de produzir insulina (tipo 1) ou de utilizar eficazmente a insulina que produz (tipo 2). Os efeitos são dramáticos na diabetes tipo 1, uma patologia hereditária que surge principalmente durante a juventude. No início do séc. xx, o melhor tratamento consistia numa dieta rigorosa que deixava os pacientes num estado de subnutrição quase tão perigoso quanto a própria doença. Na verdade, e antes da descoberta da insulina, poucos doentes sobreviviam mais de dois anos.
A insulina é uma hormona produzida no pâncreas que desempenha um papel crítico na regulação da absorção e utilização de açúcares como a glucose. Sem insulina, as células perdem o acesso ao seu combustível principal e o corpo definha. Mais ainda, a glucose acumulada no sangue torna-se tóxica, afectando vasos sanguíneos e danificando tecidos. Problemas graves surgem assim nos sistemas cardiovascular, urinário e nervoso, entre outros.
No início do séc. xx, evidências várias relacionavam a diabetes com o pâncreas e, em particular, com um grupo de células designado por Ilhéus de Langerhans (insulina deriva do latim insula, i.e. ilha). Em 1921, o assunto despertou o interesse de uma equipa heterogénea da Universidade de Toronto. O grupo incluía um cirurgião ortopédico (Frederick Banting), o catedrático de Fisiologia (John Mcleod), um aluno assistente (Charles Best) e um bioquímico habilidoso (James Collip). Partindo de pâncreas animais, os cientistas isolaram a insulina e, injectando-a em cães diabéticos, provaram a sua capacidade para controlar os níveis de glucose. A administração do extracto purificado num jovem em janeiro de 1922 produziu resultados imediatos e extraordinários. Ensaios clínicos adicionais comprovaram o inquestionável valor terapêutico do “fármaco milagroso”, que devolvia a vida aos diabéticos moribundos.
A exploração comercial da insulina iniciou-se logo após a descoberta, com a concessão de uma patente e o estabelecimento de parcerias industriais. Em 1923, dois anos após o início da investigação, a empresa americana Eli Lilly manufacturava já o novo fármaco em grande escala, utilizando para tal enormes quantidades de tecido pancreático porcino e bovino. A fama alcançada pelo grupo de Toronto e o impacto no tratamento da diabetes levaram o Comité Nobel a atribuir o prémio de Medicina de 1923 a Banting e Macleod “pela descoberta da insulina”.
Apesar dos inquestionáveis benefícios, a origem animal da insulina acarretava desvantagens importantes. Em primeiro lugar, as ligeiras diferenças na estrutura molecular da insulina animal face à sua congénere humana produziam efeitos secundários em muitos pacientes. Depois, a produção em larga escala era limitada pela dificuldade em obter pâncreas em grande número. Finalmente, os riscos de contaminação da insulina com agentes patogénicos animais (e.g. vírus) e da consequente transmissão aos pacientes não eram desprezáveis. Estes problemas foram resolvidos nos anos 70 com o desenvolvimento de métodos de manipulação de DNA que permitiram transformar microorganismos comuns em verdadeiras fábricas de produção maciça de insulina humana. A insulina tornava-se assim, em 1979, o primeiro fármaco biotecnológico produzido por organismos geneticamente modificados. Hoje em dia produzem-se análogos da insulina humana com características apuradas que permitem um melhor controlo dos níveis de glucose.
Graças à insulina, a diabetes tipo 1 deixou de ser uma doença fatal de jovens adultos, transformando-se num problema crónico com complicações nas fases tardias da vida. De forma paradoxal, este aumento da esperança de vida dos diabéticos amplificou a transmissão do componente hereditário da doença, contribuindo para a disseminação da diabetes tipo 1. Apesar deste efeito colateral, a insulina revolucionou o tratamento da diabetes, merecendo como poucos o epíteto de fármaco milagroso.