Parecia impossível, tantas e tantas foram as vezes que os adeptos do Arsenal já o haviam pedido – qualquer seguidor assíduo do fenómeno futebolístico reconhecerá facilmente a expressão ‘Wenger Out’, manifestada e partilhada interminavelmente nos últimos anos nas ruas de Londres, nas bancadas do Emirates ou pelas redes sociais. De todas elas, mantinha-se irredutível, dizia que ainda tinha trabalho a fazer no clube e que o fim estava longe. Esta sexta-feira, finalmente aconteceu: Arsène Wenger anunciou que vai deixar o Arsenal no final da época.
Em comunicado divulgado no site oficial dos gunners, o técnico francês disse sentir que é «a altura certa» para deixar o cargo, embora tenha mais um ano de contrato – firmado no fim da temporada passada, apesar da imensa pressão dos adeptos para a direção apontar um novo treinador. «Sinto-me grato pelo privilégio que tive ao servir o clube durante muitos anos memoráveis. Treinei o clube com total compromisso e integridade. Peço aos nossos adeptos que apoiem a equipa de forma a que esta acabe em alta. Para todos aqueles que gostam do Arsenal, cuidem dos valores do clube. O meu amor e paixão para sempre», escreveu Wenger, com o acionista maioritário do clube, Stan Kroenke, a assumir estar a viver «um dos dias mais difíceis» da sua experiência no desporto, elogiando a «incomparável classe» de Wenger e realçando uma «dívida de gratidão» não só dos adeptos do Arsenal, mas de todos os amantes de futebol. «Além dos títulos, ele transformou a identidade do nosso clube e do futebol inglês, com a sua visão de como o jogo deve ser jogado», acrescentou.
Jovens primeiro
A contestação dos adeptos dos gunners justificava-se com um aspeto fulcral: a ausência de títulos. Nos primeiros oito anos ao comando do Arsenal, Wenger conquistou três campeonatos, o último dos quais sem qualquer derrota – um feito inédito na história da Premier League. Desde então, porém, não mais o clube voltou a ser campeão e, pior que isso, tem vindo a fazer prestações cada vez piores ano após ano: desde 2004, soma seis quartos lugares, quatro terceiros e apenas dois segundos. Em 2016/17, pela primeira vez em 20 anos terminou fora dos lugares de acesso à Liga dos Campeões (quinto), e esta época está ainda pior: à entrada para a última de quatro jornadas, é sexto, a nove pontos do quinto, o Chelsea (embora com menos um jogo). Para voltar à Champions, terá de vencer a Liga Europa, onde irá agora defrontar o Atlético de Madrid nas meias-finais.
Na verdade, a aura de Arsène Wenger tem sido desde sempre alimentada muito mais pela qualidade do futebol que o Arsenal apresenta e pela sua filosofia, assente numa declarada aposta na formação de jogadores e num futebol assente no talento e juventude, do que propriamente pelos troféus que consegue com as mesmas. O francês chegou ao banco dos gunners no início da temporada 96/97, depois de passagens bem sucedidas peloNancy e Monaco (campeão em 87/88) e de uma aventura japonesa no Nagoya Grampus.
Desde logo mostrou ao que ia: a sua primeira contratação, em janeiro de 1997, foi Anelka, um avançado francês de apenas 18 anos que somava 12 jogos e 1 golo nos seniores do PSG. «A minha filosofia é esta: construo uma equipa, criamos um estilo de jogo e instituímos uma cultura de clube. Os miúdos chegam com 16 ou 17 anos e quando acabam a formação têm um suplemento de alma, de amor pelo clube, porque foram educados aqui. As pessoas que você conhece na faculdade, entre os 16 e 20 anos, são muitas vezes as relações que ficam para a vida. Isso, penso eu, vai dar-nos uma força que os outros clubes não terão. Nós não contratamos estrelas de classe mundial, nós fazemo-las», dizia em 2006, em resposta às críticas por não gastar avultadas quantias de dinheiro em contratações.
Foi nesse registo, por exemplo, que Luís Boa Morte chegou ao Arsenal em 97/98, então com 20 anos e diretamente da III divisão portuguesa (Lourinhanense) para a dobradinha em Inglaterra. Mas muitos outros nomes que viriam a fazer história no clube e na Premier League, como Kanu (22), Fàbregas (17), Van Persie (21), Adebayor (22), Walcott (17) ou Eboué (22) – além dos portugueses Amaury Bischoff (22) e Rui Fonte (19) –, mas acima de todos um: Thierry Henry, que chegou ao Arsenal com 22 anos, depois de se projetar no Monaco e de uma experiência falhada na Juventus.
O grande rival e o sucessor
Fomentou rivalidades, nomeadamente com Alex Ferguson, outro exemplo de longevidade à frente de um clube. Mas seriam com o atual treinador do Manchester United as mais acesas discussões – em 2014, por exemplo, Wenger chegou a empurrar José Mourinho, quando este ainda orientava o Chelsea. Ainda assim, o Special One referiu-se esta sexta-feira ao rival de forma elogiosa. «Não é uma questão de lamentar esses episódios. Aconteceram. O que interessa é que respeito a pessoa, o profissional e a carreira. Sempre disse que a memória de alguns pode ser curta mas que as verdadeiras pessoas do futebol não têm memória curta. Se ele está feliz com esta decisão então eu fico feliz por ele, e espero que não se reforme», afirmou o técnico português, que irá defrontar Wenger uma última vez no próximo dia 29.
Agora, o universo arsenalista começa já a pensar em quem será o sucessor de Wenger. As casas de apostas apontam o nome do italiano Carlo Ancelotti como o mais provável, com o alemão Thomas Tuchel, o francês Patrick Vieira ou o italiano Massimiliano Allegri logo a seguir. Mas há dois portugueses também na lista: Leonardo Jardim e Paulo Fonseca.