O caso está ainda longe de terminar. Os recentes desenvolvimentos internacionais, aos quais podemos englobar a ação militar conjunta do Reino Unido, França e Estados Unidos na Síria, confirmam que o “Ocidente” formou a convicção de que há um adversário político que deve ser combatido. A Rússia. A posição não é de estranhar e a Rússia tem responsabilidades nisso. A sua política externa dos últimos anos, com ênfase especial na anexação da Crimeia e do território do leste da Ucrânia, no auxílio ao regime de Assad na luta contra o terrorismo e num conjunto de manifestações e ações cibernéticas suspeitas de manipulação política e económica, aprofundaram não apenas uma nova correlação de forças, mas igualmente as intenções da Federação russa perante uma União Europeia frágil e pouco atuante na defesa dos cidadãos que a constituem e do papel liderante que deveria assumir no velho continente.
Os ingleses, com o seu tradicional pragmatismo, perceberam isso cedo. E talvez isso, a ausência de uma política económica eficaz, eficiente e verdadeiramente comum aliada a uma certa passividade no que à resposta das neoameaças do terrorismo e da criminalidade internacional altamente organizada, tenha constituído a base do Brexit.
Pode, portanto, dizer-se que a situação chegou a este ponto também por culpa nossa. Porque insistimos numa união de espelhos que se submete, não ao interesse comum dos povos que a constituem, mas a vários interesses difusos e devidamente localizados que ao invés de contribuírem para o seu aprofundamento, ou seja para a igualdade entre os povos que a constituem, antes cria um fosso cada vez mais incomensurável entre povos, nações, mas sobretudo entre os princípios fundadores que a constituíram e que nos fizeram abraçá-los com a promessa de um futuro melhor.
A ação concertada dos “aliados” que deu origem à expulsão dos seus diplomatas, naquela que se constitui como a maior crise diplomática dos últimos tempos, configura porém uma alteração inquestionável no domínio da centralidade e da liderança dos países do Ocidente fazendo com que os Estados Unidos reassumam essa posição e a União, com tanta balela e com a ausência de uma liderança forte – veja-se as suas principais nações (Alemanha, França e o ainda pertencente Reino Unido) a atuarem isoladamente pensando nelas próprias, e com razões demográficas e sociais para isso – a reduzi-la a um quadro de insignificância ainda maior.
A semana passada referi que os argumentos de May começariam a estar beliscados pela ausência de um nexo de causalidade evidente entre o envolvimento russo e o ataque ao agente duplo Sergei Skripal com recurso ao químico Novichok. O passado de Skripal, também referido na passada semana, vigiado pela intelligence russa desde 2013, como foi noticiado pela imprensa, e as conclusões do relatório da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ) constituem um facto evidente e determinante que confirme o envolvimento russo? Não. Mas agravam a prova indiciária que, como já vimos, permite a elaboração de um facto-consequência em virtude de uma ligação racional e lógica e que aduzem ao Processo Penal novas configurações indiciárias de prova em virtude mais recentes manifestações de criminalidade transnacional organizada naturalmente envoltas num processo complexo, mutável e dinâmico.
A correlação entre o caso Skripal e a mais recente coligação militar que desencadeou um raide na Síria é notória. Neste aspeto os russos têm uma certa razão ao anunciá-la e torná-la evidente. Mas isso é uma consequência desta nova “guerra fria” que os próprios russos iniciaram, ou patrocinaram passivamente, com manobras de hactivismo institucional contra o ocidente, com contra-informação e com o apoio a regimes como o de Assad.
Deputado do PSD. Docente universitário
Escreve à segunda-feira