1. É preciso que o primeiro-ministro, António Costa, e o ministro das Finanças, Mário Centeno, não se esqueçam de que a solidez e continuidade do actual governo os obriga a respeitar os compromissos que assumiram com o BE, o PCP e o PEV, de cujo apoio estão dependentes na Assembleia da República. Pessoalmente, devo confessar que começo a sentir uma certa dificuldade em apoiar esta verdadeira obsessão do governo – e, sobretudo, do seu ministro das Finanças – em realizar “proezas” política e economicamente irracionais em matéria de défice do Orçamento de Estado, sobretudo para Eurogrupo ver, e porventura satisfazer o ego do seu presidente, Mário Centeno, pondo em causa promessas feitas e compromissos assumidos pelo PS e pelo governo perante os partidos à sua esquerda, como justa contrapartida do apoio parlamentar.
É certo que os parceiros de esquerda deste governo não devem ceder à tentação de o chantagear, mas também é certo que este governo não tem o direito de fazer o que lhe dá na real gana, ignorando compromissos essenciais que assumiu com eles, e mostrando, ainda por cima, que estará mais interessado numa política austeritária traduzida na compressão orçamental, do que em proteger e consolidar os serviços públicos em crise e melhorar o nível e as condições de vida dos trabalhadores, sobretudo os mais desfavorecidos.
Saí do PS, de que sou um dos fundadores, há já três anos e devo dizer que não estou nada arrependido de o ter feito. Tal facto não me inibiu de apoiar claramente este governo, resultante de uma solução de compromisso à esquerda, pela qual me bati publicamente (e por escrito) durante vários anos, pelo menos desde 1991. Mas é verdade que a minha cabeça pensa e o meu coração bate mais à esquerda do que o PS e do que este governo. Por isso me preocupa que a “megalomania orçamental” de Centeno esteja a afectar a solução pela qual me bati. Porque isso só fará com que a direita arrebite as orelhas como os coelhos e que Marcelo Presidente aproveite a oportunidade para “disparar a bomba atómica” e vibrar um golpe fatal no governo dissolvendo a AR, convocando novas eleições e devolvendo o PS aos braços da direita, que é o que Marcelo anda mortinho por fazer há já dois anos.
2. Esta “corrida” desenfreada em busca do défice zero (não era Rui Rio que defendia esta “meta”?) – bem longe de uma genuína política social-democrata e mais perto da ideologia neoliberal –, em prejuízo da melhoria dos serviços públicos e das condições de vida dos trabalhadores, é, para mim, qualquer coisa de incompreensível…
A não ser que o governo queira mesmo distanciar-se dos seus parceiros à esquerda (BE, PCP e PEV) e regressar à velha história do “bloco central”, que foi um autêntico desastre para o PS, atacado simultaneamente por Cavaco Silva (que conquistou o PPD-PSD com a ajuda de Marcelo, Júdice, Durão e Santana, convém lembrar!), por Ramalho Eanes, então PR, e pelo partido deste, o PRD.
Testemunhei “presencialmente” esse desastre, entre Março de 1983 e Outubro de 1985, enquanto secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros do “famoso” IX Governo constitucional, fruto da coligação do PS com um PPD-PSD que teve três presidentes diferentes em menos de dois anos, e esteve sempre “com um pé no governo e outro na oposição”, como se dizia na altura. Lembro-me muito bem, aliás, de alguns dos ministros do PPD-PSD, gente de “lobbies” e interesses privados, mas sempre muito simpáticos, que passaram o tempo a “minar” o governo e a “conspirar” com Cavaco Silva e Freitas do Amaral, que havia de ser o candidato da direita a Presidente da República que Mário Soares derrotaria por uma “unha negra”, na segunda volta de uma eleição muito renhida.
Um aviso aos actuais dirigentes do PS, a que já não pertenço: se querem que suceda o mesmo que a tantos outros partidos socialistas, social-democratas e trabalhistas da Internacional Socialista, entreguem-se nos braços da direita (PPD-PSD e CDS-PP). No fim, vão ver o trambolhão que dão!
3. Há uma lição que a Internacional Socialista parece não ter aprendido, se os seus dirigentes porventura leram o livro do grande constitucionalista e politólogo francês Maurice Duverger (1917-2014) intitulado “La Démocratie sans le Peuple”, publicado em 1967. Dizia ele que “o centrismo favorece, regra geral, a direita”. E explicava: “Aparentemente, as coligações do ‘juste milieu’ (‘centro do centro’) são dominadas ora pelo centro-direita ora pelo centro-esquerda, seguindo uma oscilação de fraca amplitude. Estas aparências mascaram, todavia, uma realidade completamente diferente. Por trás da ilusão desse movimento pendular, o centro-direita domina quase sempre. Em vez de implicar uma transformação lenta mas regular da ordem existente, a conjunção dos centros desemboca no imobilismo, ou seja, no triunfo da direita”. Veja-se o que tem acontecido por essa Europa fora, desde as duas últimas décadas do século XX até aos dias de hoje, aos partidos socialistas, social-democratas e trabalhistas que se aliaram à direita: estão reduzidos à sua expressão mais simples, castigados pelo eleitorado que se esqueceram de representar.
Por isso eu aviso: “Bloco central” outra vez, não! Ia destruindo o PS…
Escreve sem adopção das regras
do acordo ortográfico de 1990