E se Puigdemont fosse detido em Portugal?


À luz do ordenamento jurídico português, a extradição de Puigdemont seria particularmente difícil


Os profissionais da revolução são praticantes de uma modalidade com um avaliação dicotómica. A revolução ou triunfa ou falha. Ao contrário do futebol, não há empates. Um revolucionário bem-sucedido transforma-se num governante (e terá de viver com essa contradição insanável). Um revolucionário mal sucedido acaba preso e, se tiver azar com a localização da prisão, pode acabar morto.

Nos dias de hoje, pelo menos pelo mundo ocidental, as revoluções já não se fazem à bomba ou por via da insurreição popular generalizada. A capacidade de gerir a transição entre a ordem estabelecida e uma ordem diferente, com a minimização de estragos, exige muito talento político.

Serve esta reflexão para tentar rever o processo revolucionário em curso na Catalunha, um processo insurreccional aos olhos de Madrid e do ordenamento jurídico do Reino de Espanha, ou uma concretização da vontade política democraticamente expressa, no entendimento dos independentistas catalães.

Confrontados com as limitações do direito positivo espanhol, os independentistas tentam internacionalizar o conflito político. Para tal procuram, junto de várias organizações internacionais (UE, através do Parlamento Europeu, Conselho da Europa, através do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, ONU, através do Comité dos Direitos do Homem…), uma decisão que condene a actuação do Estado espanhol. A internacionalização passa igualmente por convocar a jurisdição de outros Estados da UE (Bélgica, Dinamarca, Reino Unido no que respeita à Escócia) que sejam menos propensos a seguir a interpretação de Madrid, seja porque têm de conviver com movimentos políticos autonomistas, seja porque consideram que a liberdade de expressão inclui a liberdade de defesa de soluções políticas que contrariam o direito positivo existente.

No presente momento da evolução do direito ocidental, a avaliação da conduta dos revolucionários é feita em sede da liberdade de expressão e do direito de resistência em defesa dessa mesma liberdade. Defender a independência de uma parte do território nacional não pode ser tipificado como crime sob pena de colocar em crise toda a ordem de valores plasmada em inúmeros instrumentos de direito internacional de protecção de direitos fundamentais, subscritos pela maioria dos Estados ocidentais. Por essa razão, a tipificação penal da defesa da independência exige, em vários ordenamentos jurídicos, a prática de actos violentos ou a ameaça de violência. É assim com o ordenamento jurídico alemão, cujas autoridades judiciais terão de avaliar se a conduta de Puigdemont incluiu ou não a prática (ou a promoção) de actos violentos ou ameaça de violência para decidirem cumprir o mandado europeu de extradição emitido por Madrid. Tal implica reconhecer que o crime de rebelião previsto pelo direito espanhol corresponde ao crime de alta traição previsto pelo direito alemão. Acredito que a decisão do caso acabará por passar pelo Tribunal Constitucional alemão e que a ponderação de direitos será feita a favor da liberdade de expressão e de pensamento político.

A extradição de Puigdemont a partir de Portugal seria ainda mais difícil, atenta a actual redacção do artigo 308.o do Código Penal português, relativo à traição à pátria: “Aquele que, por meio de usurpação ou abuso de funções de soberania:

a) Tentar separar da Mãe-Pátria ou entregar a país estrangeiro ou submeter à soberania estrangeira todo o território português ou parte dele; ou

b) Ofender ou puser em perigo a independência do País;

é punido com pena de prisão de 10 a 20 anos.”

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990