Tem vindo a causar polémica o facto de o governo não ter alinhado com os outros países ocidentais na expulsão de diplomatas russos, em retaliação contra o ataque desencadeado contra um espião duplo russo em território britânico. Parece-me, porém, que neste caso a razão está do lado do governo. Se, nos termos do art.o 9.o da Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas, o Estado acreditador pode a qualquer momento, e sem qualquer justificação, declarar um diplomata persona non grata e obrigá-lo a sair do país, a verdade é que essa declaração pressupõe uma avaliação negativa sobre o comportamento do diplomata em questão. Não deve, por isso, ser banalizada e usada como medida de retaliação no caso de desavenças entre os Estados, até porque terá inevitavelmente como resposta uma idêntica expulsão de diplomatas pelo outro lado. Ora, numa crise internacional é essencial manter abertos os canais diplomáticos, que podem ser fundamentais para resolver a crise e evitar a sua escalada.
É um facto que, nos últimos tempos, diversos Estados têm vindo a abusar das expulsões de diplomatas, apenas para exprimir desagrado nas relações internacionais ou até para os transformar em bodes expiatórios dos erros e fracassos do governo que os expulsa. Portugal foi vítima dessa situação quando, em Agosto de 1997, a África do Sul expulsou o embaixador português, apenas pelo facto de Mandela lhe ter dado cópia de uma carta que dirigiu a Suharto, o que enfureceu a Indonésia. É manifesto que o embaixador português não tinha qualquer responsabilidade na situação e, apesar disso, foi expulso sem motivo algum. Ora, é inaceitável que os diplomatas sejam tratados desta forma. Os mesmos estão no país estrangeiro a exercer funções complexas, pelo que devem ser respeitados e não tratados como bodes expiatórios de qualquer governo.
A expulsão de diplomatas russos seria um manifesto erro na nossa política externa. Portugal tem sido na União Europeia dos países que têm tido melhores relações com a Rússia, tanto económicas como políticas, que nada justifica que sejam perturbadas. Para além disso, ao contrário dos outros países, que têm uma extensa representação diplomática na Rússia, e que, por muitos diplomatas que expulsem, ainda lá ficarão alguns, Portugal tem apenas três diplomatas nesse país, pelo que ficaria sem nenhum se enveredasse por esta onda de expulsões. O país não pode, assim, ignorar a sua realidade para se meter num rebanho atrás dos outros.
Em “O Mandarim”, de Eça de Queiroz, Teodoro diz ao general russo Camilloff: “E todavia, General, no meu país, quando, a propósito de Macau, se fala do Império Celeste, os patriotas passam os dedos pela grenha, e dizem negligentemente: Mandamos lá cinquenta homens, e varremos a China…” Pelo que se tem visto pelas bravatas de tantos a favor da expulsão dos diplomatas russos, os tempos não mudaram muito desde então.